Um filho, na maioria das vezes, nasce muito antes da concepção propriamente dita. Homem e mulher criam mentalmente a figura dessa criança, muito antes de a terem de verdade. Se pensarmos na quantidade de pessoas que já sabem o nome dos prováveis filhos, antes mesmo de terem parceria para gerá-los, creio que fica mais simples de percebermos essa idealização.
Quando a gravidez acontece, as expectativas são imensas. Desde os detalhes mais banais – como a quantidade certa de dedinhos do bebê – até a escolha da futura profissão passam pela cabeça dos pais. O bebê começa a ser sonhado, ou seja, começa a ocupar um lugar dentro daquela família. São muitos os desejos que o envolvem.
Então, a criança nasce e, aos poucos, mais do que ela própria perceber que é única e que não é uma simbiose com a mãe, a mãe precisa perceber o mesmo. E mais: precisa perceber que essa criança tem seu próprio self, é dotada de vontades próprias e futuramente terá gostos, características e personalidade peculiares.
Só que muitas vezes toda essa peculiaridade vai de encontro a tudo o que foi esperado pela família. É aí que surge o contrassenso entre o filho ideal e o filho real. E essa incoerência dói. Dói porque foram anos e anos de projeção. Então temos pais frustrados e filhos aprisionados em um papel que não lhes pertence, uma roupa que não lhes cabe, um sonho que não lhes concerne.
Há um tempo, uma professora contou-me a respeito de um aluno que iniciou o ano letivo mal (emocional e cognitivamente) e, com o passar dos meses, foi piorando muito. A família foi chamada para que soubesse do comportamento inadequado e do baixo rendimento. O pai ficou bastante sensibilizado, mas a mãe ficou absolutamente enfurecida com a informação recebida. Enfurecida a ponto de projetar toda a sua frustração do filho real na professora – porta-voz da notícia dolorosa. O filho sonhado e cujo investimento financeiro exigia abdicações importantes não cabia exatamente naquele lugar criado por ela. Durante o ano todo, essa mãe esqueceu-se do que deveria ser seu ponto de convergência e focou na professora. Fez questão de criar intrigas e espalhar inverdades sobre ela, o que certamente lhe causou aborrecimentos.
Ao ouvir essa história, percebi o quanto essa professora sofreu com a perseguição. Mas não consigo ignorar o tamanho do sofrimento dessa mãe.
É muito importante que os pais, desde a gestação, tentem buscar o equilíbrio entre o que almejam e o que poderão vir a ter, pois é esse equilíbrio unido à capacidade de aceitação e superação dos possíveis percalços, que constituirão a identidade dessa criança. Exige renúncia do filho idealizado, mas é muito mais saudável para todos os envolvidos.