Os pais de Martin Degrazia Fernandes Lima, 23 anos, descobriram que ele tinha uma doença genética rara pouco tempo depois de ele ter nascido. E foi graças à insistência da avó. A mãe e o pai de primeira viagem estranharam o emagrecimento rápido e o choro constante do menino, e foi ela que fez com que buscassem atendimento médico especializado. Como a mãe de Martin é de Porto Alegre, foi para a Capital que a família viajou. Lá, após uma série de exames, foi confirmado o diagnóstico: Martin tinha fibrose cística. É a mesma doença do casal que inspirou o livro A Culpa é das Estrelas, de John Green.
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Conforme a Associação Gaúcha de Assistência à Mucoviscidose (Agam), a doença é genética e atinge principalmente caucasianos e faz com que o corpo produza um muco mais espesso que o normal no pulmão. A eliminação se torna difícil, e, com o acúmulo, há proliferação de bactérias, o que causa problemas, como diabetes, infertilidade, doenças do fígado e fragilidade óssea, além de baixar a imunidade. Além disso, pâncreas e intestino não cumprem suas funções, o que exige medicação constante. Caso contrário, a digestão dos alimentos não é feita.
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– Se eu não tomar os remédios e fizer o tratamento, eu não duro muito – explica Martin.
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No Brasil, a expectativa de vida de pessoas com a fibrose cística é de 38 anos. A morte, geralmente, ocorre por insuficiência respiratória. Por isso, a família de Martin sofreu com o diagnóstico, mas não titubeou e partiu logo para o tratamento, que precisa ser ininterrupto e por toda a vida. Fisioterapia, fonoaudiologia e suplementação alimentar são previstos.
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Apesar dos pesares, Martin diz que leva uma vida quase normal. Seus pais continuam dando suporte de sempre e nunca fizeram com que se sentisse inapto a nada, mesmo com os cuidados necessários.
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– Restrição, eu nunca tive. Ou eu não me considero restrito a nada. Minha família nunca foi paranoica, e eu agradeço por isso. Não escondo meu problema. Acontece de algumas pessoas precisarem de antidepressivos. Eu nunca precisei – diz, olhando para a irmã Luiza, 19 anos, que não tem a doença nem é portadora do gene.
Encarando a doença
A professora Luciana Pötter é mãe da Helena, cinco anos, que tem fibrose cística. A família descobriu que a pequena tinha a doença quando ela tinha cinco dias de vida. A menina permaneceu internada por 62 dias em um hospital e passou por cinco cirurgias antes do primeiro ano de vida. Ela também não frequentou a escola durante os primeiros anos, por orientação médica, devido ao risco de contato com colegas por conta da imunidade baixa. A família se reorganizou para poder atendê-la. Hoje, tirando o cuidado que precisa e atenção ao tratamento, Helena é uma criança normal e muito ativa.
Já Martin está prestes a entrar na lista de transplante de fígado. Ele desenvolveu cirrose hepática por causa da fibrose. Devido a isso, precisa ficar próximo de Porto Alegre. Ele se formou este ano em Agronomia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e, como sua família tem uma propriedade rural em Itaqui, pretendia trabalhar lá. O plano precisou ser adiado, já que a cidade fica distante 720 km da Capital. O tempo vai ser crucial quando surgir um doador.
Depois, Martin vai precisar usar uma medicação para que o organismo não rejeite o órgão, um remédio que diminui a imunidade do paciente, situação que é agravada por conta de ele ser uma pessoa com fibrose, disse a pneumologista Elenara Procianoy da Fonseca, que o acompanha desde que nasceu. Há casos de pessoas com a doença que morreram dois anos depois do procedimento. O risco vale a pena, de acordo com Martin, porque a sua qualidade de vida vai melhorar. Martin nunca desanimou e já deu início, neste ano, a uma pós-graduação.
– Eu quero trabalhar. Meu maior desejo é poder contribuir. Eu quero ter uma vida – afirma.
Diagnóstico difícil, tratamento também
A presidente da Associação Gaúcha de Assistência à Mucoviscidose (Agam), Cleci Furian Muller, que tem uma neta com fibrose cística, conta que a cada 25 nascidos, um é portador do gene da doença. Quando dois portadores têm um filho, há 25% de chance de ele nascer com o mal. A estatística aponta uma taxa de nascimento de uma pessoa com fibrose a cada 1,6 mil. Na associação, há 400 pessoas cadastradas. No mundo, a estimativa é que haja 70 mil pessoas com a doença.
– O número pode não parecer alto, mas faz com que seja a doença rara mais comum no Brasil e coloca o Estado em primeiro lugar no ranking – explica.
E o número pode ser maior devido à dificuldade do diagnóstico. De acordo com o biólogo Cristiano Silveira, pai de um menino com a doença e representante do Instituto Unidos pela Vida, muitas vezes, os sintomas são confundidos com outras doenças. Há falta de informação e, inclusive, despreparo dos médicos.
– Imagine que há casos de famílias que descobrem a doença quando os filhos têm 8 anos. Viveram com todas essas dificuldades todo esse tempo – diz.
Até o primeiro semestre deste ano, só três hospitais no Rio Grande do Sul estavam aptos a fazer o diagnóstico completo, o que acrescenta dificuldade de confirmar a doença. Recentemente, o Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) começou a fazer o diagnóstico a partir da segunda etapa (veja abaixo).
Outra dificuldade é o custo. Para tratar o pâncreas, um dos medicamentos usados, o Creon, deve ser consumido cápsulas toda vez que o paciente se alimenta. Três cartelas com 10 comprimidos custam R$ 200. Em média, esse é o valor gasto pelos doentes a cada dois dias, a menos que entrem com ação junto ao governo do Estado para conseguir o remédio de graça. Outra questão é que a doença não escolhe classe social, e nem todos os doentes podem pagar fisioterapeutas e médicos particulares.
A esperança que surgiu para o tratamento foi o medicamento ORcAmb, ainda não disponível no Brasil. Ele deve deixar o muco formado menos espesso, o que facilita a eliminação e resolve boa parte dos problemas de pacientes. A Agam prepara uma ação coletiva para que o Estado faça o fornecimento. No próximo dia 28, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve apreciar o processo que permitirá a entrada do remédio em território nacional.