Do térreo ao 13º andar. Emilio Moriguchi, 58 anos, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), só usa as escadas. Sobe e desce os degraus do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, várias vezes por dia. Nessas andanças, vê jovens e visitantes cheios de saúde se amontoarem diante da porta do elevador – às vezes, por uma carona só até o andar de cima, quando não o de baixo. Moriguchi quase sempre chega antes, pelas escadas quase vazias. O geriatra sabe que desviar do sedentarismo é o melhor caminho até a longevidade.
– As pessoas dizem que têm colesterol e pressão normal, não são obesas e não têm histórico de doenças na família. Está tudo bem com elas? Não. Pode estar tudo certo, mas se não nos movimentarmos, ficaremos mais doentes. Falta atividade física. Ela nos promove mais saúde e protege contra doenças. É um dos segredos para uma vida não só mais longa, mas com qualidade e felicidade – receita o médico.
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Em resumo: mexer-se é um santo e gratuito remédio. E dizer isso já virou um grande clichê – mas que ainda precisa ser muito, bastante mesmo, reforçado. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 70% da população mundial é sedentária, ou seja, realiza menos do que 150 minutos de atividade física por semana. No conceito "atividade física" está caminhar um pouco mais rápido, lavar louça, trabalhar no jardim. Quer dizer, movimentar-se com uma medida de esforço que não tem nada de sobrenatural – ninguém está pedindo para que a Terra vire um planeta de atletas (ainda que isso fosse somar pontos extras para a saúde mundial).
Só que a rotina, muitas vezes, segue assim: acordamos em cima da hora, seguimos de carro ou ônibus para o trabalho, a garagem ou a parada do coletivo fica quase na porta de onde queremos ir, repousamo-nos na cadeira por oito horas todos os dias, optamos pelo elevador em vez da escada, postergamos a promessa de começar a prática de um esporte e nos acomodamos mais duas vezes até o fim do dia, no sofá e na cama, exercitando no máximo o polegar no controle remoto da televisão.
Com uma rotina muito semelhante a essa, 300 mil brasileiros morrem todos os anos por doenças associadas diretamente à inatividade física, como hipertensão arterial e diabetes, conforme dados da OMS. Se você é daquelas pessoas que só se mexem no susto, não faltam alertas.
– O sedentarismo isoladamente é considerado um fator de risco tão importante como o tabagismo – adverte Rodrigo Lamounier, endocrinologista e coordenador do setor de Educação Física da Sociedade Brasileira de Diabetes.
Então: vamos falar sobre este "clichê" que é a importância da atividade física.
Ficar parado custa caro
Todo ano olímpico, a prestigiada revista médica The Lancet publica uma seleção de artigos sobre os benefícios dos exercícios físicos contra os males que atingem a saúde no mundo.
Ainda assim, as conclusões da edição de 2016 não foram muito diferentes das apresentadas no contexto dos Jogos de Londres, em 2012, quando o sedentarismo foi apontado como uma "epidemia global", responsável por estimadas 5,3 milhões de mortes anuais.
Segundo os resultados, governos de vários países implementaram políticas públicas de incentivo às atividades físicas nos últimos anos. No entanto, eles parecem incipientes, uma vez que 80% da população global de crianças e jovens seguem não praticando o mínimo de atividade recomendado pela OMS. A publicação ainda mostra o fardo global do sedentarismo tanto no bem-estar pessoal quanto na economia mundial. Em números: a inatividade da população em geral acarreta anualmente prejuízos de pelo menos US$ 67,5 bilhões (mais de R$ 218 bi) e a perda de 13,4 milhões de anos de vida saudável.
Nada animador, não é? Mas um entre os artigos apresentados traz uma receita promissora: uma hora de atividade física por dia, como caminhar ou andar de bicicleta, é o suficiente para neutralizar os efeitos negativos de se passar oito horas diárias sentado, caso de grande parte dos trabalhadores no mundo que têm empregos baseados em escritórios.
O resultado é fruto de uma revisão de 16 trabalhos anteriores, que envolvem mais de um milhão de pessoas – das quais 85 mil morreram durante o período das pesquisas, que chegou a até 18 anos. Essas pessoas foram divididas em quatro grupos: as que passavam menos de quatro horas sentadas por dia, as que ficavam paradas de quatro a seis horas, as de seis a oito horas e as de mais de oito horas. Cruzando estes grupos com a atividade física que exerciam diariamente e os índices de mortalidade, pesquisadores entenderam: pessoas ativas são muito mais saudáveis, mesmo tendo de passar oito horas por dia sentadas. Os que correm mais riscos são os que não fazem nenhum tipo de atividade.
– O ideal mesmo, no entanto, seria fazer no mínimo de 45 minutos a uma hora de atividade física leve a moderada, três vezes por semana, e ainda ser uma pessoa ativa no trabalho. Do jeito que for possível. Eu, por exemplo, poderia pedir para a secretária buscar o paciente na sala de espera. Mas é uma oportunidade de eu me levantar da cadeira. Então, eu vou lá, cumprimento-o e o levo para a consulta.
Depois, o acompanho até a porta novamente. São pequenos hábitos que fazem toda a diferença na nossa rotina – recomenda o cardiologista Charles Stefani, do Hospital Moinhos de Vento, de Porto Alegre.
A enorme lista de benefícios
Mas, afinal, por que faz tão bem manter o corpo ativo? Bom, a resposta vem em forma de lista. São benefícios sentidos desde o fio de cabelo até o dedão do pé. Comecemos pelo coração. De acordo com Stefani, as atividades físicas regulares são capazes de controlar fatores de risco de doenças que trariam prejuízos a este órgão, que funciona como um motor, bombeando sangue para todo o organismo.
– O movimento do corpo evita a possibilidade de dislipidemia (colesterol e triglicerídeos altos), diabetes, hipertensão arterial sistêmica, obesidade e apneia do sono. E as atividades físicas atuam não somente na prevenção destas doenças, como também fazem parte do tratamento delas. Alguém diabético ou hipertenso que realiza exercícios tem mais chance de controlar essas doenças e, assim, evitar que evoluam para um infarto ou um acidente vascular cerebral, que são os dois vilões, doenças com grande limitador do tempo e da qualidade de vida – afirma o cardiologista.
O exercício físico de prevenção, adianta o médico, é bem diferente daquele chamado "estruturado", específico para cada doença e paciente e acompanhado por profissionais da saúde. No segundo caso, é necessário um tempo maior gasto com as atividades, que deverão ser mais frequentes ao longo da semana. O que não muda, seja para doentes cardíacos ou pessoas saudáveis, é a necessidade da força de vontade.
– A maior parte das pessoas que procuram o médico, não só o cardiologista, é sedentária. Disciplina e determinação são palavras-chave para qualquer um. A prática da atividade física não tem a ver com gostar ou não gostar. É preciso que o cuidado com a saúde entre na rotina, assim como acordar e trabalhar – destaca Stefani.
Para compreender de que maneira a atividade física pode ser aliada para se evitar uma série de doenças que são fatores de risco para o coração, é preciso pensar do ponto de vista metabólico. Um dos benefícios diretos de movimentar o corpo está na melhora da ação da insulina – hormônio responsável por tornar disponível a glicose, substância que produz energia para o nosso organismo.
– O exercício físico faz com que a insulina fique mais eficiente. Ou seja, faz com que você precise menos deste hormônio, e com que ele atue no momento mais necessário para o organismo. São favorecidas assim a síntese de massa muscular e a síntese proteica, que ajudam no metabolismo como um todo – explica o endocrinologista Rodrigo Lamounier.
Atividades físicas regulares também reduzem o excesso de gordura disponível no sangue – e muito. Em outras palavras: o aperfeiçoamento do chamado perfil lipídico diminui a quantidade de ácidos graxos livres, fenômeno que favorece a aterogênese, processo de endurecimento que pode levar à obstrução das artérias – ou seja, mais um benefício para o coração.
E não é difícil de imaginar que, no fim das contas, exercícios acabam sendo também um importante fator de prevenção da obesidade e do excesso de peso, dois desafios para a saúde pública mundial.
– É um remédio. A atividade aeróbica deve ser feita ao longo da semana, de preferência sem que haja mais de dois dias entre cada sessão. Respeitar este período é importante porque a melhora da sensibilidade insulínica após a prática do exercício físico dura em média 48 horas. Após isso, é preciso "dar mais uma corda" no sistema todo – explica Lamounier.
Já estou velho para começar?
Boa parte dos benefícios vem a longo prazo. Mas há uma série deles que pode ser sentida diariamente. E você sabe disso: pode até ser difícil deixar o sofá da sala para ir até a academia, mas a recompensa depois é garantida, com aquela sensação de bem-estar que toma conta do seu corpo. Ela é causada pela endorfina, hormônio com função analgésica produzido pela glândula hipófise quando nos submetemos a exercícios físicos e é capaz de reduzir o estresse, a ansiedade e quadros ligados à depressão.
Portanto: faz bem para a cabeça. E um número cada vez maior de pesquisas comprova isso. Recentemente, a Universidade da Califórnia apontou que, além de prevenir doenças como o diabetes e o câncer, os exercícios podem evitar até 300 mil casos de demência no mundo a cada ano.
Já virou uma pilha o número de motivos para deixar definitivamente de ser sedentário, não? Lá vai mais um: uma pessoa ativa tem ainda melhor condicionamento aeróbico, ou seja, não fica com aquela sensação de estar sem ar e com o coração acelerado ao subir um lance de escadas. Claro que a capacidade cardiorrespiratória é uma qualidade que perdemos ao longo dos anos – não se pode cobrar que um jovem e um idoso tenham o mesmo desempenho em uma atividade física –, mas o exercício faz com que esta perda progressiva seja atenuada.
– Não é difícil vermos uma pessoa ativa com mais de 70 anos com condição aeróbica melhor do que um sedentário de 40 anos. É importante pensarmos que as últimas gerações estão vivendo mais do que as passadas. E isso só faz sentido se for com qualidade, com autonomia e independência. Neste sentido, idosos ativos têm mais força muscular e flexibilidade e, por isso, também caem menos. E, sabemos, a queda nesta idade é um grande risco, uma vez que fraturas não raramente levam a complicações maiores – lembra Marcelo Leitão, especialista médico-diretor da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte.
Talvez à esta altura da leitura, você esteja pensando em todo o tempo perdido ao longo da vida: aquele em que esteve sentado sobre uma cadeira. É um quadro preocupante, mas que ainda tem jeito. Especialistas são unânimes quando dizem: nunca é tarde para abandonar o sedentarismo.
– Não importa quando, sempre é hora para buscar a prática da atividade física ao longo do dia. E é importante não largá-la, uma vez que os benefícios só se mantêm na medida em que você também se mantém ativo. Sempre digo que fazer exercícios deveria ser visto como um hábito de higiene: não adianta ter tomado banho uma vida toda e, de repente, parar. Da mesma forma, é um raciocínio errado pensar que só porque não tomou banho a vida toda agora não adianta mais tomar. Tome. Exercite-se – recomenda Leitão.
Japão e Veranópolis, dois exemplos
Emílio Moriguchi, o médico amigo íntimo das escadas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, é uma das maiores autoridades nas pesquisas em geriatria no Brasil – e no Exterior também: durante dois meses por ano, o professor viaja para o Japão, onde leciona para estudantes de Medicina e Enfermagem.
O país asiático, de onde vem a sua família (ele é filho de Yukio Moriguchi, o fundador do Instituto de Geriatria e Gerontologia do Rio Grande do Sul), e onde fez parte de sua formação, é o campeão no ranking de longevidade no mundo. A alimentação, à base de vegetais e peixes, ajuda muito. Mas não é só isso.
– No Japão, eles têm a cultura de que a atividade física é importante para a saúde. Existe uma educação neste sentido que vem desde criança, desde a escola. E lá o sedentarismo é medido por passos. Para ser uma pessoa ativa, é preciso caminhar 10 mil passos por dia. Para isso, eles andam com pedômetro (aparelho que conta os passos) e frequentemente, para atingir esta meta, descem antes nas estações ou caminham até uma um pouco mais distante quando vão pegar um trem – afirma Moriguchi.
Se o número parecer muito vago para você, exemplifiquemos: de acordo com a Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte, um adulto dá, em média, 110 passos por minuto, se caminhar em um ritmo mais acelerado. Para chegar a 10 mil passos, seria necessário pouco mais de uma hora e meia de caminhada. Ou oito quilômetros percorridos a pé. Ou um longo passeio por uma distância do tamanho de 40 quarteirões.
Achou muito? Pois há um lugar no Brasil onde o esforço diário da população idosa (idosa, atenção para este detalhe) equivale a 15 mil passos. É Veranópolis, pequeno município de colonização italiana na serra gaúcha, que há 20 anos funciona como uma espécie de laboratório brasileiro para pesquisas sobre longevidade. Quem coordena os estudos é justamente Moriguchi, que os iniciou em 1994, intrigado com uma questão: o que fazia com a população do lugarejo vivesse cerca de 10 anos a mais do que a média da expectativa de vida brasileira – na época, de 67,7 anos?
Parte da resposta que veio ao longo deste período está na prática da atividade física constante. Moriguchi chama atenção para diferenciar: atividade física, e não exercício físico programado, coisa que os idosos de lá não têm o hábito de praticar.
– Por meio de protocolos validados no mundo inteiro, conseguimos identificar a quantidade de atividade física presente em tarefas como ordenhar a vaca, carregar os baldes de leite, capinar a horta, carregar a enxada, subir lombas, que são as atividades que desenvolveram ao longo da vida e continuam agora, depois de idosos. Descobrimos que o tempo que eles se movimentam ao longo do dia é muito maior do que o recomendado pela OMS, e o esforço é de mais de 15 mil passos por dia, maior do que o preconizado no Japão. Então, se eles envelhecem bem, boa parte do segredo está no fato de não serem sedentários – garante Moriguchi.
Uma questão de saúde pública
Com os Jogos Olímpicos no Rio de Janeiro, há algumas semanas, o Brasil encerrou uma década de eventos esportivos em solo nacional – começou com os Jogos Pan-Americanos, em 2007, seguiu com os Jogos Militares, em 2011, a Copa das Confederações, em 2013, a Copa do Mundo, em 2014, e agora, a Olimpíada. Foram pelo menos cinco os momentos em que a atenção esteve voltada para a atividade física. Só que assistir a competições não desperta necessariamente o interesse pela prática de exercícios.
– Perdemos uma década de oportunidades para deixar um legado socioeducacional no Brasil que fosse voltado para o fim do sedentarismo na nossa população. Perdemos porque o incentivo à atividade física não acontece apenas com a realização de eventos, mas com políticas públicas integradas, de preferência entre os ministérios da Educação, da Saúde e do Esporte. E, no Brasil, não há programas para isso – critica Jorge Steinhilber, presidente do Conselho Federal de Educação Física.
A opinião do educador físico é unânime entre os especialistas consultados. Para o geriatra Moriguchi, uma das medidas mais efetivas para o combate à inatividade é o Agita São Paulo, criado em 1996 pelo governo estadual paulista. Ao longo dos anos, o projeto conseguiu reconhecimento nacional, serviu de modelo para o Agita Brasil e molde para Agita Mundo, da Organização das Nações Unidas (ONU). Ou seja, existem iniciativas pequenas. Mas ainda é pouco, avalia Steinhilber:
– Ainda mais com toda a tecnologia que temos hoje e com o desenvolvimento urbano ocorrido nos últimos anos.
As crianças, que corriam livres na rua, jogavam bola nos terrenos baldios e brincavam de pique, agora estão na televisão e no celular. E, nas escolas, onde todo o hábito para a atividade poderia começar, as aulas de educação física, muitas vezes, são um rola-bola. Está posto que a escola deveria oportunizar ao aluno o conhecimento das diversas práticas de atividade física, mas isso não acontece. Até porque muitas escolas sequer têm quadras esportivas.