Se você estava muito cansado ontem à noite e foi dormir sem passar fio dental, talvez não precise sentir culpa. Especialistas afirmam que a importância desse costume pode ter sido superestimada.
O Dietary Guidelines for Americans, espécie de manual para direcionar as políticas de saúde norte-americanas, retirou o fio dental de seu relatório mais recente. O guia, por lei, precisa ser baseado em fatos comprovados cientificamente. Ao ser questionado sobre o assunto, o governo dos Estados Unidos, responsável pelo manual, admitiu que a efetividade do fio dental nunca foi pesquisada.
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A primeira versão do guia norte-americano, reeditado a cada cinco anos, foi lançada em 1980. A edição seguinte, de 1985, aconselhou a escovação dos dentes, e a lançada em 1990, a utilização de fio dental. Todos os relatórios posteriores, exceto o de 2015, orientavam a escovar os dentes e usar fio dental.
A edição mais recente do Dietary Guidelines for Americans não menciona procedimentos para a saúde bucal, nem mesmo a escovação. O guia cita o tema apenas em uma frase que associa açúcares a cáries em adultos e crianças.
No Brasil, o Ministério da Saúde, na publicação "Mantenha seu sorriso: fazendo a higiene bucal corretamente" (2013), a mais recente sobre o assunto, aconselha complementar a escovação com a utilização do fio dental.
Faz bem, faz mal
O protagonismo do fio tem sido colocado em xeque, de acordo com alguns especialistas.
– A expectativa que nós nutríamos para o fio dental talvez tenha sido exagerada. Com o passar dos anos, ele precisa de complementos, o que não significa que seja inócuo ou que não seja capaz de limpar – diz o cirurgião-dentista Rodrigo Bueno de Moraes, integrante da câmara técnica de periodontia do Conselho Regional de Odontologia de São Paulo (Crosp).
Passar fio dental, mesmo com as questões que estão surgindo, permanece um costume importante, principalmente na infância e na adolescência, momentos em que as pessoas estão formando os hábitos de higiene. Tanto Rodrigo Moraes quanto a Associação Brasileira de Odontologia (ABO) foram enfáticos ao dizer que o fio dental ainda é recomendado.
– Até onde sei, há trabalhos que comprovam a eficiência do fio dental como um complemento à escovação dos dentes – afirma Marcelo Januzzi, secretário nacional da ABO.
A presidente da Associação Brasileira de Odontologia Seção do Rio Grande do Sul, Lina Eda Martinelli de Lima, também defende o uso do instrumento:
– Não há como fazer higiene interdental sem o uso de fio. Essa placa que fica entre os dentes causa problemas de cárie e de gengiva, e a única maneira de removê-la é com o fio. Usado adequadamente, sem machucar a gengiva, ele segue como nossa orientação. Não existe comprovação de que o fio não seja eficaz, há provas de que esta placa entre os dentes só pode ser removida de forma mecânica e com uso do fio.
Mas uma revisão de estudos feita pela Cochrane (rede de cientistas que avalia a efetividade de tratamentos) encontrou evidências "pouco confiáveis" de que usar fio dental reduz placas. Os cientistas também não conseguiram achar um estudo sobre a eficácia do fio dental combinado com a escovação para prevenir cáries.
É importante levar em conta também se as pessoas usam o fio dental corretamente. Segundo Januzzi, para a limpeza ser efetiva, os caminhos de entrada e saída do fio devem ser diferentes. Ele deve ser friccionado contra cada dente perto da gengiva e puxado para fora pela lateral.
– Café faz mal, café faz bem. O fio dental está passando por esse momento – afirma Januzzi.
Diferentes cuidados para cada fase da vida
A saúde da boca e dos dentes não pode ser tratada da mesma forma em todas as pessoas e em todas as idades.
Assim como a utilização do fio dental é importante nas primeiras etapas do desenvolvimento dos indivíduos – evitando gengivites que podem causar problemas mais sérios no futuro –, as escovas interdentais tornam-se essenciais a partir, aproximadamente, dos 30 anos, segundo o cirurgião-dentista Rodrigo Moraes.
Essas escovas, mais fininhas, tornam-se importantes pela retração das gengivas – espaços entre os dentes – causada pela idade. Enquanto o fio dental retira bactérias das regiões em que os dentes se tocam, as escovas interdentais cuidam das áreas próximas à gengiva.
É por isso que, no pódio da higiene bucal, o primeiro lugar continua sendo da escova de dentes. Depois vem a escova interdental, "notadamente mais eficaz que o fio dental na limpeza dos espaços entre os dentes", segundo Moraes. Depois vêm enxaguantes e o fio dental.
Alternar os métodos de limpeza após as escovações é o melhor mundo possível para a saúde bucal.
– A recomendação para adultos é de duas higienizações bucais por dia. Para uma criança, até três após as refeições. Se em uma delas for possível usar o fio dental e na outra, a escova interdental, a pessoa usufrui do benefício dos dois procedimentos – diz Moraes.