O relato pessoal e detalhado de um penoso embate contra uma doença mental mobilizou leitores e gerou grande repercussão. Em "Eu enfrento a depressão", reportagem de capa do último caderno Vida, disponível no site de Zero Hora desde sexta-feira, Marcelo Monteiro, repórter do jornal, narrou como se deu a descoberta de um quadro depressivo severo e incapacitante, que exigiu seu afastamento do trabalho por oito meses, e o tratamento a que vem se submetendo desde o ano passado.
Foram mais de 40 mil acessos ao texto online e, no Facebook, 8 mil curtidas e 1,6 mil compartilhamentos. Pacientes, além de seus familiares e amigos, em longos depoimentos, saudaram a coragem do jornalista e dividiram a experiência de conviver com a enfermidade. Na opinião de especialistas, iniciativas assim são fundamentais para esclarecer a população e incentivar a busca por ajuda especializada.
Leia mais:
Eu enfrento a depressão: a doença vista de dentro
"Família tem papel importante no tratamento", diz psiquiatra
Grupos de apoio podem ajudar pessoas com depressão
"Coisas básicas como levantar da cama, tomar banho ou fazer uma compra no supermercado se tornaram tarefas difíceis e, muitas vezes, impraticáveis. Sentia saudade de mim. Naquele momento, eu não era o Marcelo que todos ao meu redor conheciam. Era outra pessoa", escreveu o autor. "Me sentia um corpo sem alma, um morto-vivo. Só encontrava algum alívio deitado em minha cama, com as luzes apagadas e vários travesseiros sobre a cabeça, tentando dormir e esquecer aquilo tudo. Buscava na escuridão do quarto uma saída para o túnel de trevas que me engolia. Quando adormecia, sentia-me livre. Meu maior pesadelo era estar acordado", acrescentou.
A estudante Lizandra Fonseca, 21 anos, de Porto Alegre, se emocionou com o desabafo.
– Foi como se, em boa parte, eu me visse ali dentro de cada uma das palavras dele. Quis imediatamente encontrá-lo e lhe dar um abraço, dizer o quanto é importante a gente continuar lutando. Mesmo as pessoas que convivem ao meu lado demoraram um pouco a entender, porque nem mesmo a pessoa que está vivendo aquilo tudo sabe exatamente o que é – conta Lizandra.
Professora das faculdades de Medicina da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a psiquiatra Carolina Blaya destaca que a depressão tem sintomas muito privados, não evidentes a quem observa o doente. O fato de o texto ter sido apresentado em primeira pessoa, segundo Carolina, contribuiu para que a receptividade e a reação fossem tão intensas por parte do público.
– Ali tem um nome, uma história, não é um número. O relato do repórter foi muito vívido. Isso deixa as pessoas com uma empatia muito grande, elas se identificam com o sofrimento do outro – comenta Carolina.
Para a médica, o texto também pode ter alcançado alto potencial de sensibilização por retratar um período de extrema fragilidade, em oposição às postagens que exaltam a felicidade, a beleza e o sucesso tão comuns nas redes sociais.
– As pessoas veem que a depressão pode acontecer com todo mundo. Foi uma forma muito clara de se ter a dimensão da doença – completa Carolina.
A identificação com os sinais descritos por Marcelo foi fundamental para leitores como a professora Josiane Gomes, 30 anos, de Osório: "Essa semana percebi o quanto preciso de ajuda, e o teu relato só veio reafirmar isso". De acordo com a psiquiatra Aletéia Crestani, do Hospital Moinhos de Vento, o doente muitas vezes não sabe o que é aquilo que está sentindo. Entender e assumir a depressão tem relação direta com a aderência ao tratamento.
– À medida em que o paciente se reconhece naquela condição, vai ter mais facilidade para tomar providências. O tratamento para a depressão não é tão rápido, não é como tomar um antibiótico, leva algumas semanas para apresentar melhora, e depois é importante a manutenção, além da psicoterapia. A pessoa precisa estar engajada para ter resultado – explica Aletéia.
Leia alguns depoimentos de leitores*
"Marcelo, sinta-se abraçado. Passei por problemas semelhantes... No meu caso, foi por muito pouco. Muito pouco mesmo. Muita gente vai cruzar teu caminho demonstrando preconceito e desconhecimento sobre essa doença, a depressão, e as outras enfermidades ligadas a ela, como a ansiedade e o pânico. Muita gente pensa que é mera 'frescura', ou que a pessoa está aceitando uma posição como vítima. Eu sofro de síndrome de pânico e de ansiedade, e já vinha de um quadro depressivo sem saber. Sei como é passar uma noite chorando e não ter forças para se levantar no dia seguinte. Sei como é atentar contra a própria vida por medo e cansaço de sentir toda essa dor. Mas te digo, e digo de coração: não desista. Eu ainda estou em tratamento, e sei que a vida (a minha, a nossa, a de todas as pessoas passando por isso) nunca mais será a mesma _ porque a gente passa pela dor, e a mesma nos transforma. Nunca, nunca desista de lutar, viu? Nós somos mais fortes do que esse inimigo oculto a viver com a gente. Sucesso no teu tratamento."
Lizandra Fonseca, 21 anos, estudante, Porto Alegre
"Marcelo, sei exatamente onde você esteve e como se sentiu. Estive por um ano e meio assim, escondido, sem rumo, com medo e sem querer ver ou falar com outras pessoas, disfarçando por muitas vezes a minha angústia e tristeza. Não queria ver ninguém, me trancava no quarto, preferia meus cachorros, procurava trabalhos para me distrair dentro do meu pátio, já que tinha um muro bem fechado. Era ali o meu esconderijo perfeito, não atendia o portão, com uma irritabilidade assustadora e raivosa, não comia e nem dormia direito. Fiquei por várias semanas ali, me escondendo e fugindo de tudo e de todos. Sorria só por fora, nada me tirava daquele mundo de angústia. Sofri calado, em silêncio mesmo, não querendo atrapalhar ninguém. O suicídio de uma prima me fez reagir e assumir o meu posto de provedor da casa, voltando para minha vida normal.Hoje ainda sinto a depressão tentando me sondar, tentando se achegar, acho que acabei me blindando e superando isto, no susto e no medo de cair como minha prima caiu."
Paulo Lemos, 42 anos, gerente de pousada, Gramado
"É ainda pior quando a depressão vem associada a transtorno bipolar. Muito provavelmente o motivo de tantas pessoas terem passado a me odiar e a se afastar de mim. Pior ainda quando encontramos refúgio no álcool. É um caminho bastante complicado a percorrer. Com o tratamento adequado, podemos dizer que a qualidade de vida melhora 95%, mas jamais chegaremos aos 100% novamente, no máximo chegaremos, em alguns momentos, a 99% de nós mesmos. O bom é que você passa a observar o seu passado, analisar os seus erros e ter atitudes mais assertivas durante o tratamento."
Marco Gil, 29 anos, empresário, Canoas
"Parabéns pela batalha vencida, Marcelo. Me identifiquei muito com teu comportamento. Essa semana percebi o quanto preciso de ajuda, e o teu relato só veio reafirmar isso. Obrigada por dividir conosco essa angústia!"
Josiane Gomes, 30 anos, professora, Osório
"Eu costumo dizer que exorcizo um demônio por dia, alguns dias eles me dizem seus nomes e os mando embora, em outros eles ficam alguns dias me rodeando. Aprendi a lidar com a doença, 10 meses em tratamento, ganhando uma nova vida e tentando entender o que era e o que sou hoje. Não sei ainda como vai ser daqui a alguns anos, mas hoje consigo controlar a ansiedade e o medo do futuro. Consegui retornar para a faculdade, da qual quase desisti por não entender o que se passava comigo: pânico de ler, de falar com colegas e professores, apagões que me fizeram dirigir e nem saber onde estava. Desânimo, dores inexplicáveis, sono, angústia, medo e coisas que nem eu identificava o que era. Atestado, crises de recaída, críticas por estar inventando doença. Hoje eu digo que tenho depressão, pois descobri que não é só comigo que o teto era de vidro. Eu sou mais uma que, como o Marcelo e milhares de pessoas, enfrenta a depressão e que teve a coragem de dizer ao mundo em bom som que foi capaz de sobreviver a isso tudo. E mais ainda: contamos ao mundo que sobrevivemos ao temporal. Parabenizo o Marcelo pela coragem de compartilhar a sua história, pois é certo que através dela muitas pessoas se identificaram e acreditam hoje que existe uma saída. As que estavam achando o fim de tudo vão visualizar que não estão sozinhas nesse vale das sombras chamado depressão."
Mirele Gracez, 33 anos, professora, Esteio
*ZH obteve autorização de todos os autores para reproduzir os depoimentos nesta reportagem