Quando a bolsa rompeu, Nicole Fischer, 34 anos, estava com tudo pronto para o nascimento do primeiro filho. Antes de ir ao hospital, separou o que precisava para o momento, inclusive um iPad. Era no tablet que estava a lista das músicas que ela havia selecionado para receber o bebê Cícero, hoje com sete meses.
Pensada para trazer tranquilidade e ajudá-la a concentrar para a hora do parto, a playlist feita por Nicole incluía os ritmos de que ela mais gostava: reggae, MPB e black music.
– Um mês antes eu selecionei as músicas que achava que seriam interessantes para me acalmar, mas, ao final das contas, estava com vontade de ouvir outras coisas naquele dia. Meu marido ficou comigo e fui falando para ele o que eu queria ouvir – conta a professora de dança.
Leia mais
Dor e emoção: o que vê uma obstetra durante o parto
Por que a depressão pós-parto, que atinge 15% das mães, ainda é tabu
Entenda a polêmica sobre a realização do parto em casa ou no hospital
Incluir a música nos preparativos que antecedem a chegada dos bebês é uma tendência já conhecida nos Estados Unidos. O serviço de streaming Spotify, em parceria com o ginecologista e obstetra de Nova York Jacques Moritz, criou uma playlist com sugestões de trilhas para o parto. De R.E.M a Beyoncé – com uma faixa que a cantora americana dedica à filha, Blue –, a lista começa com canções mais lentas e suaves e passa para outras com batidas mais intensas, até o momento do nascimento da criança, com um solo de violoncelo.
Moritz, que atua em hospitais de ponta dos Estados Unidos, relata que 70% das suas pacientes preparam uma seleção de canções para a hora do parto. O próprio Spotify diz que há mais de 90 mil listas feitas exclusivas para esse momento. As salas de parto americanas já estão melhor preparadas para atender a esse pedido, que se tornou mais frequente entre as mulheres.
Em fóruns na internet, onde mães trocam experiências, é mais comum ver as americanas dividindo suas histórias. Algumas recomendam, outras relatam que a música atrapalhou: "Minhas contrações pioravam com a batida das canções que escolhi", revelou uma mãe.
Antes de entrar na "partolândia"– como Nicole chama a sensação de estar totalmente focada no momento –, ela lembra de algumas canções que tocaram na sala de parto que fizeram a ocasião mais especial. Uma delas foi A Dona do Raio e do Vento, pela voz de Maria Bethânia:
– No dia a dia não escuto Bethânia, mas foi um amigo que me apresentou a música. A letra serviu para me encorajar, me dar mais forças para aquele momento.
Trilhas servem para acalmar e incentivar
No Brasil, a tendência ainda é tímida, mas a escolha de músicas para a hora do nascimento do bebê está entrando na lista de preparativos das grávidas aos poucos. Ainda que os hospitais não estejam equipados com caixas de som, especialistas já atentos incluem a seleção musical nos assuntos a serem tratados no pré-natal. É o caso da ginecologista e obstetra Ingrid Cruz Hillesheim, do Hospital Moinhos de Vento. Ela diz que há quatro anos cresceu o interesse das mães pelo assunto.
– Quando elas entram em trabalho de parto, já estão com o celular ao lado, escutando as músicas. Se a paciente não levou nada, posso sugerir tocar o que eu tenho comigo. Coloco uma luz mais baixa, deixa o clima um pouco mais agradável – explica.
Para a médica, ouvir música no pré-parto e na hora do nascimento do bebê pode ajudar as gestantes a ficarem mais tranquilas e focadas. O ambiente do hospital, que pode ser assustador, torna-se um pouco mais aconchegante com os ritmos preferidos como som ambiente, em vez de bipes de máquinas e equipamentos médicos.
Para Fabi Panassol, doula com mais de uma década de experiência, a maioria das gestantes aceita bem a sugestão de receber o bebê com alguma trilha. No hospital, relata ela, a música contagia até a equipe médica, que também trabalha com mais tranquilidade.
Mas nem sempre é calmaria que a música deve trazer. A lógica funciona mais ou menos como alguém que faz longas corridas, como explica Ingrid: quando é preciso mais fôlego para seguir adiante, o ritmo pode ser mais agitado, mais forte. Na hora de cruzar a linha de chegada, pode ser que uma faixa mais emocionante seja a melhor pedida. A playlist pode ter variações de ritmos para se adequar ao que a mulher precisa naquela hora.
De Beatles a músicas indianas, a seleção varia de acordo com as intenções das gestantes em cada momento do trabalho de parto e com a preferência e a memória da mulher.
– Uma música muito calma, dependendo do momento, não vai acompanhar o ritmo da paciente. No parto normal, especialmente, depende muito da mulher, então a música pode dar um estímulo, um ânimo para ela seguir em frente – explica Ingrid.
Estímulo pode começar na gestação
Para as gestantes, motivos não faltam para preparar a playlist sem medo. Além de tornar o ambiente mais aconchegante para aquela hora tão esperada, a ciência também traz uma explicação plausível. "A música influencia fortemente o sistema límbico do nosso sistema nervoso central que gerencia nossas memórias, emoções, e como lidamos com medo e dor", explica o obstetra Jacques Moritz, no comunicado divulgado pelo Spotify.
Estudo publicado em 2013 na revista científica Gynecologic and Obstetric Investigation por médicos da Turquia analisou dois grupos de mulheres em trabalho de parto. O que escutou música no momento do nascimento mostrou níveis de dor e ansiedade menores do que as mães que não tiveram uma trilha durante a chegada dos filhos.
A musicoterapeuta e doutoranda em Psicologia pela UFRGS Ambra Palazzi afirma que o estímulo musical pode começar ainda na barriga da mãe e que pode ter efeitos positivos para a criança, desde que feito com precaução e moderação. Deve-se evitar música muito alta e não ultrapassar o tempo de 15 a 20 minutos por dia. Segundo ela, isso pode ajudar a construir uma memória afetiva e musical com o bebê antes mesmo do momento do parto, já que a criança pode vir a lembrar as canções que escutava dentro do útero:
– É uma forma de dedicar e oferecer uma parte da mulher para o bebê, de homenagear o filho com músicas que estão conectadas a nossas emoções e memórias.
De acordo com a musicoterapeuta, não existe trilha ideal para o momento. Ela menciona o uso de músicas clássicas por parte das pessoas para buscar a concentração. Na hora da chegada do bebê, porém, o que importa é a escolha pessoal.
– Não faz sentido a mulher usar música clássica no parto, por exemplo, se ela nunca escutou esse tipo de música e não representa nada para ela, não traz nenhuma lembrança ao ouvir. O que faz mais sentido e funciona é algo que tenha conexão com a pessoa e sua história – diz Ambra.