Meditar é uma atividade tão simples quanto antiga: milhares de anos atrás, já havia gente que tirava um momento do dia para olhar para dentro de si por uns minutos. Embora estivesse na cara – ou, pelo menos, na expressão facial dos monges – que a prática podia trazer benefícios à saúde, só nas últimas décadas ela recebeu o aval da ciência como aliada no tratamento de doenças e como forma de aprimorar habilidades como foco, atenção e criatividade.
O próprio ato de sentar, respirar e libertar os pensamentos já ganha contornos científicos. Quando uma pessoa medita regularmente, segundo os estudiosos, ela provoca algumas mudanças em estruturas cerebrais importantes, como o córtex (área usada para atividades como o pensamento abstrato e a instrospecção), e o hipocampo, fundamental para a memória – que pode aumentar de volume e densidade com a prática.
Além disso, a meditação mexe com um eixo do sistema neurológico responsável pela nossa resposta a situações de estresse, ajudando-o a regular a liberação de substâncias que, em excesso, podem ser tóxicas ao organismo – o que costuma deixar o praticante mais tranquilo. Apesar de toda essa atividade, a meditação precisou sair dos templos religiosos onde muita gente tomou conhecimento de sua existência para entrar na literatura científica.
Mindfulness ganha espaço
Atualmente, o mindfulness, ou atenção plena, que utiliza diferentes técnicas de meditação, é o tipo mais estudado e o mais utilizado nos hospitais. Esse modelo de meditação tem um caráter mais, digamos, laico. Sem vínculo a uma filosofia ou religião específica, ela torna a prática acessível a um número maior de pessoas.
– Não existe certo ou errado, mas o mindfulness deixa a prática mais abrangente. Nesse contexto médico, a meditação não é usada para consertar um problema, como a psicoterapia ou o uso de medicamentos. Ela vem para ajudar as pessoas a lidarem melhor com o conflito – diz o coordenador do Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde, Marcelo Demarzo.
Segundo Demarzo, o objetivo do uso do mindfulness como terapia complementar não é, por exemplo, diminuir a intensidade de uma dor – embora haja registros de casos em que isso ocorreu. A ideia é melhorar outros pontos do paciente que estão relacionados àquele quadro, como a culpa e a catastrofização (ato de esperar pelo pior, que aumenta o nível de ansiedade), entre outros. Em resumo, é melhorar a saúde mental de quem passa por um problema físico.
Hospitais abrem as portas
No Brasil, pelo menos seis hospitais – cinco deles em São Paulo e dois deles vinculados a universidades –, utilizam ou recomendam técnicas de meditação a pacientes. Um deles é o Albert Einstein, onde a meditação faz parte de um núcleo de terapias integrativas, do núcleo de oncologia e hematologia da instituição. As terapias integrativas – que incluem, além de técnicas de mindfulness e relaxamento, movimentos de yoga – podem ser utilizadas por qualquer paciente, mas só estão incluídas nos tratamentos oncológicos. Nesses casos, as pessoas internadas recebem, de duas a três vezes por semana, a visita de terapeutas que ajudam a guiar uma prática meditativa.
– Na literatura médica, já sabemos que o uso dessas terapias pode oferecer 50% de melhora em quadros como ansiedade, dor, náuseas e vômitos. Muitos pacientes dormem durante a prática. Mas, para nós, isso também é um fator importante, porque às vezes tudo que ele precisa é um momento de desprendimento. O estresse cria um ambiente favorável para metástases e agravamento de quadros – explica Denise Tiemi Noguchi, especialista em oncologia pediátrica.
O hospital paulista trabalha com a terapia complementar desde 2012. Até agora, quase 10 mil pacientes já receberam esse tipo de atendimento. O principal avanço, segundo a oncologista, é a melhora do bem-estar dos pacientes que topam praticar a meditação.
Já no Hospital do Câncer do Mãe de Deus, em Porto Alegre, a meditação não ocorre dentro das dependências do hospital. Mas, segundo o oncologista Stephen Stephani, que coordena as atividades, a prática é recomendada a alguns pacientes em casos pontuais.
– Ainda é uma minoria que a utiliza, normalmente pessoas que já tinham tido algum contato com a prática. Há algum tempo, sabíamos que poderia ser útil nos tratamentos, mas tem ficado mais evidente nos últimos dois anos. A partir de algumas semanas, pode ajudar na diminuição da fadiga, na melhora de sintomas depressivos e também no desempenho clínico do paciente – conta.
Conforme Stephani, a meditação não altera a estratégia terapêutica traçada para os pacientes – como as sessões de quimio e radioterapia. Ele acredita que o principal ganho é ajudar as pessoas a lidarem melhor com suas emoções e diminuir o estresse, fatores que podem vir a modificar o desfecho de alguns quadros. A meditação como terapia complementar pode não operar milagres, mas também não põe nada a perder, já que o método é quase sem contraindicações: somente pacientes com esquizofrenia, quadros de ansiedade ou depressão severos devem evitar a prática, especialmente por conta própria. O ideal é discutir com um terapeuta a viabilidade e o melhor momento para começar.
Contra o cigarro
Que deixar de fumar não é fácil, muita gente já descobriu por conta própria. O que os pesquisadores estudam, atualmente, é como a meditação pode ser uma aliada para evitar as frequentes recaídas de quem encara a luta contra o tabaco.
Em fase de conclusão, uma pesquisa do Centro Brasileiro de Pesquisa e Formação em Prevenção de Recaídas Baseado em Mindfulness (MBRP), vinculado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), convidou um grupo de tabagistas a incluírem na sua rotina práticas de mindfulness, enquanto outro tentava parar de fumar sem meditar. Os primeiros indícios são animadores: quem iniciou a prática, no geral, teve mais facilidade para se manter na decisão de abandonar o vício.
– Estamos percebendo mudanças boas. O mindfulness ajuda a empoderar a pessoa, porque quem pratica aprende a lidar com o desconforto, começa a perceber as coisas que realmente precisa e quais são os gatilhos que a fazem voltar ao vício – explica a psicóloga Víviam Vargas de Barros.
A tendência é de que o estudo vá ao encontro do que já foi constatado em pesquisas no Exterior. Uma parceria da Universidade de Tecnologia do Texas com a Universidade do Oregon, que fez um teste parecido com 27 fumantes, mostrou que, mesmo aqueles que não pretendiam abandonar o vício, mas incluíram o mindfulness na rotina, diminuíram o número de cigarros.
O grupo brasileiro, composto por nove pesquisadores, também tem pesquisas em andamento com usuários de outras substâncias, como benzodiazepínicos, e poliusuários (que utilizam álcool e outras substâncias), além de terem pesquisas sobre o uso de mindfulness por familiares de dependentes químicos. A ideia é que, no futuro, a prática – que quase não tem gastos – possa ser disseminada no sistema de saúde pública.
Com ajuda do smartphone
Ele não dá sossego para quase ninguém, mas há quem use o smartphone, acredite, para relaxar. Multiplicados nos últimos anos, aplicativos que ajudam a meditar estão cada vez mais populares – alguns dos mais conhecidos já passaram de 1 milhão de downloads – e podem, de fato, ser uma ferramenta eficaz para quem quer aprender a prática, mas não sabe por onde começar.
– Esses aplicativos são interessantes como um auxílio, porque a técnica da meditação, de modo geral, é simples – avalia o professor Claudio Senna Venzke, coordenador do grupo de meditação da Unisinos.
De um jeito ou de outro, normalmente em inglês, os apps sugerem pausas diárias a partir de um minuto (alguns já começam com programas mais longos, de 10 minutos) e guiam o usuário durante a prática. Como a base da meditação inclui algumas técnicas de respiração e a difícil missão de libertar seus pensamentos, o que a “voz” dos apps faz é ajudar a reservar aquele momento do dia para a pausa e dar algumas coordenadas. Alguns ainda utilizam recursos como sons e imagens para o relaxamento guiado. As vertentes são as mais diversas.
Há opções gratuitas e pagas – mesmo essas versões costumam ter módulos grátis. Enquanto, em geral, fica a cargo do usuário “calar” o celular na hora da meditação, alguns apps têm a opção de desativar automaticamente as notificações durante a prática. Se as facilidades servem de estímulo para quem se interessa pelo tema baixar os aplicativos, por outro lado, apenas tê-los instalados no smartphone não é garantia de uso. E persistir, quando o assunto é meditação, é fundamental para sentir os benefícios da prática a longo prazo. – O mais importante é a regularidade com que se pratica – destaca Venzke.
Meditação para conter a insônia
Vontade de começar não faltava, mas foi só depois de saber, por uma amiga, que podia meditar com o auxílio de um aplicativo de smartphone – e não em grupos, opção que o deixava pouco à vontade – que o designer Victor Dutra, 30 anos, resolveu dar o primeiro passo. Meses atrás, tão logo instalou o programa no celular, sentou-se de pernas cruzadas, com as mãos sobre as pernas e deu o play. Veio a primeira decepção.
– Sempre recomendam essa posição, mas, para mim, não funciona. Tentei da primeira vez e achei desconfortável – conta.
Só depois de migrar para um poltrona, onde posicionou-se confortavelmente, conseguiu prestar atenção nas orientações do aplicativo Headspace, que guia práticas de 10 minutos em inglês. Os primeiros não foram tão fáceis: qualquer pequena interferência externa parecia roubar-lhe a atenção. Mas Victor resolveu tentar ir mais longe. Ao final das 10 sessões gratuitas, já tinha incorporado a prática na rotina, todas as noites, antes de dormir.
Os sons ao redor já não tiravam tanto sua atenção. E o principal: a insônia que lhe permitia cerca de quatro horas de sono por noite cedeu ao relaxamento alcançado durante a meditação.
– Me ajudou muito, porque eu ficava com pensamento ativo antes do sono. Hoje, consigo dormir sete, oito horas. Acho que foi um reflexo da meditação – comemora o designer.