Relutante, Mariana* aparece com o filho de quase seis meses nos braços, todo vestido de branco, nos fundos da casa onde mora, em um bairro popular de Cachoeira do Sul. Aos poucos, enquanto embala um calmo Francisco* no final da tarde de segunda-feira, vai ficando à vontade para contar publicamente, pela primeira vez, a sua história.
Em 22 de outubro, quando deu à luz o quinto filho, descobriu que o bebê tinha uma malformação cerebral – o pré-natal não havia apontado nenhuma anomalia. Somente na semana passada, veio a confirmação de que a microcefalia havia sido gerada pela infecção do zika vírus. É o segundo caso confirmado no Estado que associa a doença transmitida pelo mosquito Aedes aegypti à malformação. O primeiro é de Esteio.
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A pernambucana de 30 anos conta que viajou a Campinas (SP) para visitar a mãe quando estava com cerca de um mês e meio de gravidez. Quando retornou a Cachoeira do Sul, onde mora com o companheiro, sentiu sintomas do zika – manchas vermelhas pelo corpo e dores musculares. Alérgica a amendoim, pensou que a reação pudesse ser do chocolate que comeu.
Passados mais de 170 dias do nascimento do filho, que veio ao mundo em período gestacional normal, com 38 semanas, Mariana não procura culpados. Afirma que não havia médico especializado no posto onde fez o pré-natal e agradece a ajuda que vem recebendo da rede de saúde municipal e estadual.
Em breve, além de continuar acompanhamento no Hospital de Clínicas, em Porto Alegre, Francisco vai iniciar a reabilitação na Associação de Pais e Amigos Excepcionais (Apae) de Cachoeira do Sul, e vai participar de um projeto da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) para tentar minimizar as limitações motoras. Antes, precisa passar por cirurgia para corrigir um problema no quadril.
Ao passar para o colo do pai, nesta segunda-feira, o bebê se posiciona sobre o ombro dele. Olhando para trás e segurado apenas com uma mão, é desta forma que se sente mais confortável, conta o pai. Sem emprego fixo, assim como a mãe, para poder cuidar do filho, o cachoeirense segurava um currículo na mão. Pretende voltar ao mercado de trabalho para ajudar a sustentar a família. Além disso, os pais se preparam para pedir o benefício que o governo federal está oferecendo para famílias com baixa renda.
Cachoeira do Sul e todos os municípios que compõe a 8ª Coordenadoria Regional de Saúde não possuem nenhum ocorrência de Aedes aegypti confirmada. Por isso, a situação é diferente de Frederico Westphalen, onde um caso autóctone de zika assusta os moradores.
ENTREVISTA
Leia, abaixo, trechos da entrevista com a mãe do segundo bebê diagnosticado com microcefalia ligada ao zika no Rio Grande do Sul
Quando você começou a sentir os sintomas?
Eu viajei pra São Paulo, quando estava com um mês, um mês e pouco (de gravidez). Minha mãe mora lá. Quando cheguei aqui comecei a me sentir mal, com dores, muitas dores na perna e estava toda “zamburrada” (com feridas vermelhas pelo corpo). Só que eu achei que tinha sido por causa de um chocolate (com amendoim, já que ela possui alergia ao grão). Só depois que percebi que começou a surgir essa febre de criança com microcefalia.
No momento das dores, você não pensou que pudesse ser zika?
Não, porque não existia isso aqui (em Cachoeira do Sul). Lá em São Paulo já tinha, só que quando eu cheguei aqui eu não sabia. Nunca pensei que pudesse ser isso.
E o médico, não desconfiou?
Eu disse pra ele que meu bebê não se mexia na minha barriga, estava achando estranho. Também fui lá quando senti as dores e as manchas apareceram, mas não tinha médico especializado pra isso no posto de saúde. Eu pesquisei, e vi que nem sempre se descobre a microcefalia ainda na barriga.
Quando você ficou sabendo que seu filho tinha malformação?
Quando eu cheguei no hospital, o líquido começou a descer (após o rompimento da bolsa), aí eles me deram um remédio pra sentir contrações. Quando o nenê nasceu, a pediatra falou: “olha, mãezinha, seu filho nasceu com microcefalia”. Eu perguntei pra ela se tinha cura, e ela me respondeu: “não, não tem nada. Ele vai precisar da sua força pra conseguir viver”. Ela também disse que ele tinha uma luxaçãozinha no quadril e que o médico especialista ia vir.
E como se sentiu ao descobrir a microcefalia?
Me senti triste. Qual é a mãe que não se sente triste ao saber que seu filho tem probleminhas? Me senti triste. Mas a cada dia que passa, que eu vejo ele melhorando, crescendo, fico feliz. Fico feliz com qualquer melhora dele. Cada coisinha me faz sorrir.
*nomes fictícios a pedido da família, que não quer ser identificada