Inconformada com a má fama da velhice, a médica paulista Judith Nogueira resolveu começar a enfrentar o tema enquanto ainda estava a boa distância dele. Memórias de uma Envelhescente – O Lado Bom de Envelhecer (Editora Regência, 144 páginas, R$ 24,90), livro que a cirurgiã do aparelho digestivo começou a escrever aos 38 anos, fala de alterações físicas, vaidade, amor e morte. Judith, hoje com 51 anos, destaca que o mais importante dessa fase de transição é a busca da autenticidade: aos 40, está na hora de se livrar das pressões e das influências externas e fazer escolhas condizentes com os próprios desejos. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
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Você se sentia uma "envelhescente" antes dos 40 anos. Por quê?
Sempre me senti mais velha, desde a infância. Acredito que seja uma questão de temperamento ou personalidade. Tinha um senso crítico incomum para a idade, gostos e pontos de vista diferentes. Nunca achei que envelhecer fosse algo ruim e, sempre que ouvia alguém falar da velhice de modo pejorativo, me espantava. Pensava: qual é o problema de ficar velho? Velho também é bonito! Mas sempre escutei coisas horríveis e depreciativas a respeito do envelhecer, como se só fosse possível ser feliz e saudável na juventude, ou como se a vida criativa e digna tivesse prazo de validade. Me neguei a acreditar no senso comum. Resolvi escrever o livro sobre o lado bom de envelhecer, pois do lado ruim todo mundo já fala.
E qual é o lado bom?
A melhor coisa é o encontro com a própria autenticidade, é saber quem você é, em meio a tantas coisas que a vida nos exige: trabalho, sustento, família, sociedade. O lado bom é a relativa emancipação em relação às opiniões alheias e o mergulho dentro de si para saber o que realmente você deseja, o que é realmente seu, o que pertence ao seu coração de fato. Nós somos impregnados, a vida toda, com obrigações, papéis sociais, regras externas. Quando jovens, queremos dominar o mundo, e está certo. Mas os 40 anos marcam uma transição entre a vida orientada toda para o mundo externo e uma nova fase, que eu chamo de autenticidade, em que nos voltamos para nós mesmos para saber quais são nossos verdadeiros valores, paixões e alegrias. Nos perguntamos se queremos continuar com a vida que levamos até então ou mudar, mas essa mudança é mais profunda, implica me posicionar diante de mim mesma e agradar a mim em primeiro lugar.
O envelhecimento é muito associado a doenças.
São coisas diferentes. É claro que, quanto mais vivemos, aumenta o risco de apresentarmos algum problema de saúde, mas isso não significa que todos os velhos irão adoecer. Pessoas jovens também podem apresentar doenças, inclusive degenerativas. Muitas das limitações que são atribuídas à idade são consequência da acumulação, a longo prazo, dos efeitos do sedentarismo, da obesidade, da má alimentação e de outras condições insalubres. As pessoas adoram colocar a culpa de todos os males na idade, mas uma das pragas do nosso século é o sedentarismo, doença grave que traz limitações a curto, médio e longo prazos. Sem falar da obesidade, que atinge cada vez mais brasileiros. Isso gera ou piora pressão alta, diabetes e outras doenças circulatórias. São problemas relacionados ao comportamento, ao estilo de vida, e estão atingindo cada vez mais crianças e jovens, o que prova que não são causados apenas pela idade.
As pessoas deveriam se preocupar mais, e mais cedo, com a velhice?
Sim. Essa é a principal proposta de todos os que estudam e trabalham com a questão do envelhecimento. Devemos cultivar desde a infância a velhice que queremos ter. Isso não envolve apenas o indivíduo, mas as políticas públicas de saúde. O Brasil está envelhecendo, mas não se preparou para isso. Por outro lado, nossa cultura latina favorece um pavor enorme em relação à velhice, então, as pessoas negam a idade, recusando-se a aceitar que todos estamos ficando velhos. Temos de aceitar a velhice como algo natural e bom, e não como um monstro inimigo que deve ser temido e combatido. Essa mudança de mentalidade é a parte mais difícil. Se não dermos o exemplo, as crianças vão repetir esse comportamento de negação e desprezar a velhice. Em relação aos aspectos físicos, vale o mesmo raciocínio: uma criança tem a expectativa de viver muito, então, deve ter um cuidado de saúde pensando na longevidade. A atividade física é um dos melhores investimentos para o nosso futuro. Comece a fazer alongamentos e caminhadas e invista na sua coluna vertebral. As pessoas se preocupam tanto com as rugas e esquecem que uma das coisas que mais causam o aspecto envelhecido é a postura curvada e a falta de flexibilidade de movimentos.
Você diz que não gosta da expressão "a idade está na cabeça".
A idade está em tudo. Não está só na cabeça, está também na cabeça. Está no corpo, no coração, em volta, na nossa maneira de ver as coisas. A idade é o nosso momento de vida, não só a parte física. Não depende só de eu achar que estou ou não estou velha. É o tempo que já passei. Por melhor que esteja o meu físico, mesmo que eu aparente menos, não estou com menos. Quando alguém confunde minha idade, falo quantos anos tenho, geralmente acham que tenho menos. Eu aviso, sou feliz com esses anos que passei. Passei por experiências que me enriqueceram. Fico feliz por ter se passado mais um ano. É motivo de orgulho.