A epidemia de zika e microcefalia provocou um aumento da apreensão de remessas de medicamentos abortivos enviados pelo correio para o Brasil. Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de junho a novembro de 2015, mês em que foi declarada emergência nacional de saúde, foram confiscados 36 pacotes da pílula Misoprostol, conhecida no Brasil como Cytotec. Já de dezembro a fevereiro desde ano, foram 57 remessas.
Isso não significa, necessariamente, que mais comprimidos de Cytotec tenham sido retidos. Antes da zika, as remessas costumavam ter mais pílulas, o que, segundo a Anvisa, indica que o objetivo do receptor poderia ser a revenda. Agora, os pacotes vêm com menos pílulas, o que sugere que os comprimidos seriam destinados a uso pessoal.
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O zika vírus vem sendo ligado a casos de microcefalia e outras malformações congênitas em bebês. O Brasil é o país mais atingido – segundo o Ministério da Saúde, 4.107 casos suspeitos estão sendo investigados. Já foram confirmados 583 casos e 950 notificações foram descartadas.
O aborto no Brasil só é permitido quando a gravidez é fruto de estupro ou há risco de morte para a mãe. Por determinação do STF, a interrupção da gravidez também é permitida em casos de fetos anencéfalos. Mas medicamentos abortivos estão à venda na internet ou podem ser solicitados por meio de ONGs como a Women on Web, que oferece atendimento pela internet a mulheres que vivem em países onde o aborto é proibido ou restrito. Os remédios são então enviados gratuitamente pelos Correios para a gestante.
A criadora da ONG, Rebecca Gomperts, diz que o número de e-mails de mulheres brasileiras pedindo ajuda ou informações sobre aborto praticamente triplicou com a epidemia de microcefalia. Segundo ela, a organização recebia, em média, cem e-mails de brasileiras por semana. Em fevereiro, foram 285 em apenas uma semana.
– Nos últimos dois anos, a alfândega brasileira começou a confiscar todos os pacotes. Por isso chegou uma hora em que desistimos e começamos apenas a informar às brasileiras onde elas poderiam fazer um aborto com segurança, como na Guiana ou em Cuba – afirma.
No início do mês, a ONG lançou um comunicado dizendo que, diante da epidemia de zika, iria retomar o envio de abortivos para o Brasil. Ela alertava que, em outras ocasiões, as autoridades alfandegárias do país haviam retido os medicamentos, mas pedia que, diante da epidemia de zika, elas se solidarizassem com as mulheres.
– Mas tudo indica que os medicamentos continuam sendo barrados – diz Gomperts, que não soube precisar quantos remédios foram enviados ao Brasil por causa do zika.
Segundo a Anvisa, os pacotes apreendidos não foram enviados por empresas, mas por pessoas físicas. Várias dessas encomendas vieram da Índia e da Europa. Como a ONG envia remédios da Índia, é provável que suas remessas estejam entre as apreendidas.
Apreensões
Mas por que os pacotes são retidos? Segundo a ONG, que também atua em diversos países, toda a sua ação é legal. A Women on Web diz que os medicamentos utilizados no procedimento, que eles chamam de aborto medicinal, são autorizados no Brasil. Eles afirmam que o Misoprostol – assim como Mifepristone, também enviado pela ONG – são utilizados em hospitais.
Diz também que os brasileiros têm direito de importar medicamentos para uso próprio e que o procedimento, feito com instruções de médicos, é seguro. Por isso, não vê sentido na retenção das encomendas.
Segundo a Anvisa, porém, as drogas são de uso controlado. O Misoprostol, por exemplo, é usado em hospitais para induzir partos. Por isso, a pessoa que faz a encomenda precisaria ter uma autorização especial para a importação e apresentar uma receita médica indicando que ela precisa daquele medicamento. O problema é que aborto é crime no Brasil. Ou seja, ao apresentar este pedido, a pessoa estaria se incriminando.
Segundo a Anvisa, a Receita Federal é a primeira responsável por analisar, com raios-X, os pacotes que chegam do exterior. Remédios são então enviados para a Anvisa, que autoriza ou não a entrada no país. As pílulas de Misoprostol são encaminhadas à Polícia Federal – o órgão responsável para eventuais investigações criminais.
De acordo com Gomperts, devido à dificuldade em obter abortivos, a maioria das brasileiras que procura a ONG tem optado por fazer o aborto em outros países:
– (Apreender os medicamentos) é outro exemplo de como o problema está recaindo apenas sobre as mulheres e como os direitos delas de acesso a serviços de saúde está sendo violado – afirma. – Nós, a ONU e outras organizações achamos que as mulheres deveriam ter acesso ao aborto quando precisam, não apenas nos casos de zika. Mas no caso de zika isso é ainda mais cruel.
A ONG classifica o Brasil como um dos países mais difíceis de se obter pílulas abortivas. A organização, que começou suas ações fazendo abortos em navios e já usou até um drone para entregar medicamentos, viu aumentar também a procura de mulheres de outros países da América Latina, como Colômbia e Venezuela.
No Brasil, o Misoprostol chega a ser vendido no mercado negro, mas muitas vezes é falsificado e, de acordo com especialistas, pode provocar problemas graves para a mãe e para o feto. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, abortos ilegais provocam a morte de uma mulher a cada dois dias no Brasil.
*BBC Brasil