A microcefalia - doença até então pouco conhecida - tem diferentes níveis, assim como muitas origens para o problema. Alguns casos são tão leves que quase não causam complicações. Outros são tão severos que o tempo de vida varia de alguns meses até 10 anos, dependendo do acesso a cuidados médicos, entre outros fatores. A seguir, conheça exemplos vindos de Mato Grosso do Sul.
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Mãe tem duas filhas com a má-formação
A história de Simone Tavares, de Campo Grande (MS), mãe de duas meninas com a má-formação, ajuda a ilustrar como a microcefalia era um mistério há 20 anos, quando veio ao mundo Patrícia. Nascida aos sete meses de gestação, ela foi diagnosticada na primeira consulta de rotina. Os médicos informaram que dificilmente Patrícia iria caminhar ou falar.
- Foi um susto. Saí do posto de saúde e não sabia mais onde era minha casa. Passamos por uma fase de luto e, quando superamos, fomos atrás de informações. Para nós, ela era perfeita - conta Simone.
Um dos trunfos dessa mãe foi não encarar o diagnóstico como uma sentença. Uma neurologista sugeriu ao casal que esperasse, e que só o tempo iria dizer do que a menina seria capaz. Patrícia andou e falou quase na mesma idade que as outras crianças e, desde pequena, foi estimulada para seguir evoluindo. Seis anos depois, Simone decidiu engravidar de novo e foi informada pelos médicos que as chances de o bebê ter microcefalia eram muito pequenas, as mesmas de qualquer outra pessoa. Aos cinco meses de gestação, descobriu que Adriana também teria a má-formação.
Hoje, Patrícia tem 20 anos, e Adriana, 14. A mãe calcula que a idade mental da mais velha seja de 12 a 13 anos, enquanto a outra estaria entre seis e sete anos. Elas sempre frequentaram a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) e estudam em escolas regulares. Apesar de não lerem e escreverem, as irmãs têm uma turma que as inclui e defende se preciso. Fazem fisioterapia, aulas de dança e atletismo. Como para-atletas, colecionam mais de 60 medalhas.
Só quatro anos depois do nascimento da filha mais nova é que Simone descobriu, consultando uma geneticista, que ela e o marido tinham uma alteração em um cromossomo, o que causou a má-formação nas meninas. Simone se dedica exclusivamente a elas e reúne mães por redes sociais para mostrar que microcefalia não é um "bicho de sete cabeças". Uma bandeira que levanta é que as mães não abortem:
- Acho importante estar divulgando nossa história, agora que está se discutindo o aborto nesses casos. Eu passei por tudo isso, tinha uma filha, engravidei e, quando estava com cinco meses de gravidez, tive o diagnóstico. Teria a opção do aborto. Mas, como não havia certeza, decidi ter o bebê. Hoje, com diagnósticos melhores, faria isso de novo. Sei que microcefalia é uma doença que a pessoa pode viver em sociedade. A mulher é dona do próprio corpo, tem o direito de escolher, mas deve exercer esse direito usando métodos contraceptivos.
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Moradora de Campo Grande (MS) tem um tipo de microcefalia menos grave | Foto: Arquivo pessoas
Graduada em Jornalismo, Ana Carolina é autora de livro
Outra história que tem repercutido é a de Ana Carolina Dias Cárcere, 24 anos, casualmente também moradora de Campo Grande (MS). Ela concluiu a faculdade de Jornalismo no ano passado, contrariando a previsão de médicos que a atenderam desde a infância.
Seu tipo de microcefalia é menos grave, causada por canioestenose (fechamento precoce de suturas cranianas, os tecidos moles que unem os ossos do crânio), mas a jornada não foi menos tortuosa. Ela passou por cinco cirurgias para abrir espaço a fim de o cérebro crescer.
Ana sofreu com convulsões na infância, seu corpo rejeitou uma prótese. Começou a estudar aos sete anos e, aos nove, lia e escrevia. Estudou com a mesma turma até o final. Para que as pessoas soubessem mais sobre a microcefalia, escreveu um livro em que conta sua trajetória, cujo nome é Selfie: Em Meu Autorretrato, a Microcefalia é Diferença e Motivação (leia em zhora.co/livroana).
A história de Ana tomou proporções gigantescas, o que a motivou a escrever em um grupo de mães com filhos diagnosticados com a má-formação.
"É claro vou ouvir muita gente duvidando, principalmente os ditos especialistas, de que o que eu tenho não é microcefalia... Não é por que eu não tive tantas complicações como o filho de muita gente que eu não tenha isso... Deixo aqui registrado que sou o que sou graças ao esforço dos meus pais, os quais foram os primeiros a passar perrengue comigo em cama de hospital sem saber se eu iria viver ou fazer qualquer coisa ou não", escreveu.
*Zero Hora