O companheiro inseparável de Mirian Lohman de Medeiros, nos últimos anos, tem sido um cilindro de oxigênio. Há sete anos, a jovem recebeu um diagnóstico pouco comum para alguém que tem apenas 16 anos: ela sofre de embolia pulmonar crônica (obstrução das artérias por coágulos) associada à hipertensão pulmonar (quando a pressão nas artérias dos pulmões é tão alta que prejudica o coração).
Seu quadro é considerado raro pelo médicos: uma em cada duas mil pessoas com complicações pulmonares recebe um diagnóstico desses, dificilmente um adolescente. Hoje, tem um dos pulmões comprometido pelos coágulos que se grudaram nas artérias, usa um cilindro de oxigênio para ajudar na respiração durante todo o dia e carrega a expectativa de vida de apenas mais dois anos. Mas quer viver mais.
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Ela se submeterá, na terça-feira, a uma cirurgia de alto risco: por causa da gravidade do quadro, a mortalidade pode chegar a 25% (para se ter uma ideia, uma cirurgia de ponte de safena tem mortalidade de 2,5%). O procedimento é tão delicado que uma equipe médica norte-americana, ao tomar conhecimento do quadro da adolescente em grupos de discussões pela internet, prontificou-se a ajudar.
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Especialistas em hipertensão pulmonar, os médicos Michael Madani e Nick H. Kim, a enfermeira Catherina Madani e a instrumentadora Jill Higgins, da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos Estados Unidos, viajaram voluntariamente a Porto Alegre para a acompanhar a operação.
O procedimento, que será realizado no Instituto de Cardiologia e será transmitido ao vivo para uma sala especial no hospital, para que outros médicos possam acompanhar.
- Já fizemos esse tipo de cirurgia, mas esses especialistas têm mais experiência do que nós, vão nos mostrar coisas novas na área - explica o diretor-presidente do Instituto, Ivo Nesralla.
A técnica consiste em remover todo o sangue do paciente, colocá-lo em uma máquina de circulação extracorpórea e resfriar o corpo para que, enfim, se chegue às artérias para a retirada dos coágulos - um processo que pode levar até 12 horas. Se bem sucedido, o sangue voltará a circular nos pulmões de Mirian. A recuperação, porém, é uma incógnita: como o órgão vem recebendo pouco sangue há anos, não se sabe como reagirá ao retomar a circulação normal.
- A cirurgia pode curar a paciente, e ela voltará a ter uma vida normal, sem usar oxigênio, sem necessitar das medicações, sem ter limitações físicas. Esse é o nosso objetivo. Às vezes, não se consegue atingir 100% do resultado, mas será melhor do que hoje. A Mirian tem uma vida muito restrita hoje - explica a cardiologista do Instituto de Cardiologia e médica da adolescente, Gisela Meyer.
Nada disso assusta Mirian.
- Estou bem feliz. É uma vida que vai mudar, né? - diz ela, que está internada no Instituto desde quinta-feira passada já em preparação para a operação.
A saúde frágil fez Mirian ter de abandonar o colégio no 7º ano e, também, a rotina de brincadeiras na zona rural de Bom Jesus, na Serra, cidade onde mora com a mãe. Com o mínimo esforço, a deficiência respiratória faz com a adolescente desmaie - certa vez, a síncope veio ao simples ato de atravessar a rua; outra vez, ao fugir de um zangão. O controle da doença se dá por medicação (são oito por dia) e pelo uso constante de oxigênio suplementar.
Mirian se autodefine como uma "espoleta", mas, desde que recebeu o diagnóstico, tem de manter um dia a dia calmo. Passa as horas nas redes sociais pelo celular ou colorindo desenhos na companhia da mãe, que providenciou uma cadeira de rodas para não deixar que a filha se privasse de passear.
- Prefiro que a minha filha morra tentando sobreviver do que fique esperando a morte chegar. Enquanto houver uma solução, vamos atrás. Temos que ser fortes e firmes. Para de ficar se lamentando? A vida é mais importante do que isso. A vida é uma só - diz a mãe, Catia Alves Boeira, 34 anos.
* Zero Hora