Uma vez, eu fugi de casa. Fiquei uma semana com amigos pegando carona e dormindo em praias. Deixei um recado na mesa da cozinha: "Mãe, fugi". Eu fumei cigarro na faculdade, pra parecer durão. Com as mãos fingia uma naturalidade, a garganta toda arranhada. Vontade de tossir monstra. Eu andava com as calças largas demais e minha cueca estava sempre aparecendo. Isso deixava minha mãe maluca. Décadas depois, todos os rappers andavam com as cuecas aparecendo. De alguma forma, aquilo virou moda. Pro desgosto da mãe.
Eu namorei uma menina por algum tempo. Ela ficou triste quando acabou nosso lance. Eu achava que ia casar com ela, mas não rolou. Depois, namorei outra menina. Ela era linda e eu fiquei muito triste quando acabou nosso lance. Eu chorei, porque achava que ia casar com ela. Mas não rolou. Então, conheci outra menina e ficamos juntos pela primeira vez em um Dia dos Namorados. Você tem de valorizar uma coisa dessas. Logo, estava morando com ela. Essa menina é a sua mãe, Anita. Quando descobrimos que você viria choramos os dois, meio de alegria e meio de medo. Nossa vida ia mudar.
E mudou. Pra uma infinidade de melhoramentos.
Um taxista me disse esses dias que se arrepende de não ter topado um trabalho em uma cidade do interior. "Minha vida ia ser melhor. Hoje eu estaria rico." Uma vez, um amigo disse que se arrependia do curso que escolheu na faculdade. "Não consigo emprego." Ouvi um cara lamentando no rádio que teve a chance de ser sócio de uma empresa que hoje vale milhões. "Minha vida teria mudado!"
Eu não mudaria nada na minha, Anita. Não deixaria de fugir, aquela vez. Não deixaria de namorar quem namorei. Não escolheria outro trabalho, nem outra esposa, nem outra cidade. Manteria todos os meus erros, e os acertos. Até o dia que você nasceu. Pra que você nascesse assim como nasceu. Igualzinha, de acordo com as imprevisibilidades genéticas. Com seus dentinhos tortos e seus olhos grandes. Com sua doçura e suas opiniões.
Depois, eu continuei errando. E me arrependendo dos meus erros e escolhas, mas não os mudaria. Porque, então, veio a sua irmã e deu sentido a todos os erros. Não mudaria nada. Pra que tudo acontecesse no dia e na hora certos. Pra que vocês fossem exatamente como são. Não mudaria nada. Nem meus erros. Nem minhas falhas. Nem meus fracassos. Pra que vocês fossem iguaizinhas. E dessem sentido a tudo.