O químico paulista Gilberto Chierice passou boa parte desta quinta-feira no gabinete do deputado estadual Marlon Santos (PDT), na Assembleia Legislativa gaúcha, recebendo paparicos de parlamentares e reclamando que sucessivos copos de café esfriavam antes que ele pudesse bebê-los, já que não conseguia parar de responder a questionamentos.
Principal responsável pelo desenvolvimento da fosfoetanolamina sintética, substância que o colocou no centro de uma gigantesca polêmica com a classe médica brasileira, Chierice chegou a Porto Alegre na quarta-feira, com cinco pesquisadores de sua equipe, para assinar um acordo com o governo do Estado.
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O termo de cooperação foi articulado por Marlon Santos, da base de apoio do governador José Ivo Sartori, e prevê que Laboratório Farmacêutico do Rio Grande do Sul (Lafergs) pesquisará as propriedades da droga no combate ao câncer.
Para o professor aposentado da Univesidade de São Paulo, no entanto, o apoio das autoridades gaúchas significa que, a partir de agora, a fosfoetanolamina teria amparo legal para ser distribuída a doentes, conforme ele afirma em entrevista concedida a Zero Hora:
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O que significa para o senhor o acordo assinado com o laboratório do governo do Estado?
É extremamente importante porque é o início da distribuição da fosfoetanolamina para uso em pessoas que têm câncer. Essa assinatura vai possibilitar a distribuição do material. Porque agora começam a se fazer os dados clínicos, que é a parte exigida pelas agências de saúde, como a Anvisa. Começando isso, tem possibilidade de distribuir o material. É uma situação que durou 25 anos em pesquisa e agora inicia para o tratamento.
Como assim, distribuição?
A tecnologia será fornecida para o laboratório, e o laboratório vai começar a fabricar as cápsulas.
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Mas o termo de cooperação não é para o laboratório realizar estudos?
Estudos clínicos. Sim. Mas existe uma lei brasileira que permite usar um remédio experimental em seres humanos, com permissão própria. Por exemplo: eu assino um termo de compromisso sabendo que esse material é de pesquisa e que não tem aprovação ainda.
Então para o senhor este acordo é importante porque daria amparo legal para distribuir a fosfoetanolamina?
Exatamente. É essa a ideia.
Em que fase estão os estudos sobre a substância? O que ainda precisa ser feito?
Isso é muito discutível. Porque essas fases não têm um rigor do ponto de vista científico. Tem um rigor do ponto de vista legal. Tem de primeiro fazer isso, segundo, aquilo, e tal. São normas impingidas pela própria Anvisa. No meu ponto de vista, todas as fases foram cumpridas, mas não na ordem que é descrita pelas agências reguladoras.
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Teve testes em camundongos, por exemplo?
Em camundongos já foi testada 500 vezes.
E os estudos clínicos com humanos?
São 25 anos de pessoas tomando. Como é que pode comparar isso?
Como o senhor viu a a polêmica envolvendo a fosfoetanolamina, especialmente a contestação dos médicos?
É desgastante. Mas cientificamente nunca foi discutido. O que existe são ataques. Sob esse ponto, sou radical: eles fizeram ataques reles, não científicos. Primeiro, o médico não é cientista, então jamais iria entender o que eu falo. Segundo, não sou médico. Jamais iria entender o que ele fala. Mas existe uma coisa no meio que se chama ciência. A ciência não é médica nem química. A ciência é o que é.
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Por que o senhor não conseguiu levar adiante a pesquisa no passado?
Esse dado que você tem é vivo, mas não é real. Porque a realidade é que a pesquisa foi de cabo a rabo. Nasceu, foi criada, foi estudada, foi usada e funcionou. Às vezes tacham que eu sou um irresponsável. Não. Irresponsável é quem fala que eu sou um irresponsável. Primeiro porque não conhece a ciência. É um coisa infantil e incoerente. E é falta de inteligência.
O que impediu o senhor de conseguir o registro como medicamento na Anvisa?
Nada. É só orientação. Porque não tinha a área médica. E a área médica nunca conseguiu interagir comigo. Uns dizem que eu sou muito difícil para coisa, mas não é nada disso. Trata-se de vontade de fazer dados clínicos.
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Pacientes de todos os tipos de câncer têm obtido na Justiça o acesso à fosfoetanolamina. O senhor acredita que ela é eficaz contra todos os tumores?
Todo mundo diz que tem 150 tipos de câncer. Até reconheço que isso é verdade. Mas a pergunta que se deve fazer não é qual o tipo de câncer. A pergunta é qual tipo de célula tem cada um desses cânceres. As células são duas, só. A natureza não sabe fazer outro tipo. Uma é a aeróbica, que respira oxigênio para fazer o metabolismo dela. A outra é anaeróbica, que não faz o metabolismo usando oxigênio. O câncer é anaeróbico. Fosfoestanolamina age em sistema anaeróbico. Faz com que a célula entre em morte programada. Isso está escrito em centenas de livros.
Por que, então, não surgiu interesse por estudar essa substância fora do Brasil?
Você é que pensa. Você é que pensa. Agora mesmo acabei de receber um convite de um laboratório suíço. Ninguém manda um convite para uma substância mais ou menos ou talvez. Tenho lá e-mail de onde você quiser: da Coreia, dos Estados Unidos, da França, da Alemanha. Mas eu moro aqui. E não é questão de vaidade. Daqui pode ir para o mundo. Por que tem de vir do mundo para cá? Não é uma pergunta que você deveria fazer?
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No final de todo esse processo, o senhor acredita que vai ficar provado que tinha razão?
Não quero que prove nada sobre mim. Quero que cuide dos doentes. Porque eu vi resultados fabulosos. Você não pode se omitir sobre isso. Nem é questão de desumanidade. É questão de hombridade.