Em maio deste ano, realizando um autoexame em frente ao espelho, a agricultora Maria Lisete Rambo, 47 anos, sentiu um caroço no seio esquerdo. O toque gerou um misto de tristeza e medo. Mas não de surpresa. Segunda mais nova entre seis irmãs, ela foi a quinta a ser diagnosticada com câncer de mama. O drama da família Rambo começou há cerca de quatro anos, com o anúncio do primeiro caso, e reflete uma tendência cada vez mais alarmante no Rio Grande do Sul.
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Segundo estimativa da Sociedade Brasileira de Mastologia, uma em cada nove mulheres gaúchas terá um tumor nas mamas até os 90 anos. É o que indica também o último balanço divulgado pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca), que aponta o Rio Grande do Sul como o segundo Estado com maior incidência da doença, perdendo apenas para o Rio de Janeiro. São estimados uma média de 87,7 novos casos por ano para cada 100 mil mulheres gaúchas. Enquanto isso, a proporção nacional é de 56 novos casos anualmente.
Os motivos para a alta incidência no Sul são diversos e não totalmente elucidados, explica o oncologista Gilberto Schwartsmann, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Entre os fatores que predominam, está o estilo de vida dos gaúchos e o aumento na expectativa de vida das mulheres:
- Temos um estilo de vida muito parecido com o europeu e norte-americano, com uma rotina predominantemente urbana, altas taxas de obesidade, elevado grau de estresse e pessoas vivendo cada vez mais, morrendo menos por outras causas. A soma destes fatores contribui, e muito, para o aumento da incidência do câncer de mama.
Risco aumenta depois dos 40
Isso porque, explica o especialista, depois dos 40 anos, o risco de desenvolver a doença aumenta significativamente. Quase 80% dos casos ocorrem nesta faixa etária.
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Segundo o médico Tomás Reinert, diretor-científico do Centro de Pesquisa da Serra Gaúcha (Cepesg) e oncologista do Instituto DeVita, em Caxias do Sul, outro fator que pesa é o fato de as mulheres gaúchas terem cada vez menos filhos e engravidarem mais tarde:
- Durante a vida reprodutiva, os hormônios da gravidez provocam mudanças nas células mamárias que inibem a formação de tumores. Já na menopausa, mulheres que nunca tiveram filhos têm cerca de quatro vezes mais chances de desenvolver a doença.
A questão genética, explica José Luiz Pedrini, vice-presidente da Região Sul da Sociedade Brasileira de Mastologia, é outro fator que pode contribuir para os altos índices de câncer de mama no Rio Grande do Sul:
- Grande parte de nossa população é de descendência caucasiana, e estes são povos que têm maiores incidências da doença. Mas isso não significa que quem não tem histórico familiar não deve se preocupar. É uma doença cada vez mais comum e multifatorial. Ou seja, não devemos esperar os sintomas aparecerem para começar a tratar.
Exame genético da família
No caso da família Rambo, foi o primeiro diagnóstico, de Ana Ilva, então com 62 anos, que alertou as demais mulheres para a importância dos exames. Sofrendo calada as consequências da doença por meses, ela só comunicou as irmãs que algo não estava bem quando não conseguiu mais esconder o problema. Era tarde demais.
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- Minha irmã estava em um estágio muito avançado do câncer, e tratamento nenhum conseguiu salvá-la. A morte de Ana Ilva serviu de alerta para todas nós. Começamos a fazer revisões periódicas e, com o aumento no número de casos na família, já estamos inclusive tomando medidas preventivas - conta Maria Lisete.
Foram os exames de rotina que indicaram, uma a uma, a presença da doença nas outras quatro irmãs. Hoje completando cinco meses de um tratamento bem-sucedido, a agricultora comemora o sucesso das outras irmãs.
Atualmente, todas as filhas, netas e sobrinhas delas estão fazendo controles desde cedo e serão submetidas ao exame genético, que indicará se a família tem a presença dos genes que aumentam a predisposição para a doença.
- Se necessário, e conforme recomendação médica, pensamos até em fazer a retirada preventiva das mamas - diz Maria Lisete.
É este aprendizado que faz com que nem todos os números relacionados ao câncer de mama sejam negativos. Enquanto a incidência continua crescendo, a taxa de mortalidade pela doença segue em direção oposta. E isso, explica o oncologista Tomás Reinert, deve-se principalmente pelo aumento no número de mulheres que buscam um diagnóstico precoce.
- Infelizmente, é uma doença que não pode ser totalmente prevenida, porém, quando o diagnóstico é feito em estágio inicial, a chance de cura é superior a 90%.
Além disso, o oncologista e pesquisador do Instituto do Câncer Mãe de Deus Stephen Stefani destaca que mudanças no estilo de vida, como alimentação saudável e prática de atividades físicas, podem diminuir em até 30% o risco de desenvolver a doença.
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