A explicação mais simplista para as atrocidades do cotidiano é que a sociedade está em franca degeneração. Este juízo é precipitado e só teria chance de ser verdadeiro se, por alguma aberração genética, as crianças começassem a nascer más.
Como somos essencialmente bons e é assim que nascemos, cada desvio da curva em direção ao mal é instantaneamente corrigido pelo nascimento de novos modelos originais, íntegros e generosos.
A mídia costuma se defender da acusação de catastrofista alegando que não cria os fatos e apenas se limita a noticiá-los, mas ninguém nega que notícia ruim vende mais e com um poder de disseminação contagiante. E isso parece ser inerente à condição humana. Todos os que tiveram a oportunidade de fazer alguma coisa relevante na vida se queixam de terem as suas "proezas" pobremente divulgadas e se sentiram humilhados com as manchetes de desfalques gigantescos, assassinatos em série e delações premiadas. A equanimidade no relato de fatos bons e ruins certamente revelaria um festejado indício de maturidade social.
Enquanto isso não ocorre, cabe aos formadores de opinião divulgar as coisas boas como contraponto ao mal que assola nosso dia a dia.
Sem a pretensão de mudar a opinião de ninguém, fiquei com vontade de usar este espaço para contar a experiência de Fernando Anhaia, um atleta catalão que, durante uma maratona na Espanha, percebeu que Abel Mutai, o queniano que liderava a prova com folga, reduzira o passo a poucos metros do final, imaginando que já tinha cruzado a linha de chegada. O jovem espanhol surpreendeu o mundo, alertando o concorrente e empurrando-o até a vitória. Quando o repórter perguntou-lhe: "Por que você fez isso?", ele respondeu: "Isso o quê?". Ele não entendeu que pudesse ter feito outra coisa além do que fizera.
O repórter insistiu: "Mas você poderia ter ganho a corrida!". E ele contestou: "Mas se eu subisse ao pódio dessa maneira, o que eu ia pensar de mim mesmo?". E o mais bonito: "Como é que eu ia explicar para a minha mãe?"
Mesmo entre bandidos, traficantes e mafiosos, a mãe é o último reduto. Não importa o que o mundo pense de nós, à mãe nós faremos o máximo possível para não decepcionar. Porque se quem o gerou sentir vergonha de você, sinto muito, mas é porque você não presta.
A vergonha parece mesmo ter uma raiz matricial, muito bem sintetizada no pensamento do grande Immanuel Kant quando escreveu: "Tudo o que você não puder explicar como fez, não faça. Porque a moralidade não é a doutrina do que fazer para ser feliz. É antes a doutrina do que você deve fazer para merecer a felicidade".
Palavra de médico
J.J. Camargo: o último reduto
Colunista escreve em todas as edições do caderno Vida
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