Quando aceitei o desafio de escrever com regularidade no jornal, aquilo me pareceu uma oportunidade ímpar de contar histórias que, de alguma maneira, contribuíssem para humanizar a medicina e oferecer à profissão que deu um sentido único à minha vida uma contribuição pessoal, singela, mas determinada, de resgatar os valores básicos que a tecnologia desumanizada ameaça destroçar.
Nunca aceitei que, sabendo mais do que nossos antecessores, e disso ninguém duvida, tivéssemos que ouvir, indiferentes ou constrangidos, aos pacientes mais idosos falarem, com nostalgia, dos médicos de antigamente.
Sem a pretensão exagerada de elucidar onde perdemos a mão e naufragamos no fascínio da tecnologia desvairada, assumi que devia, pelo menos dentro do meu limite de competência, tentar entender porque isso aconteceu.
O primeiro sentimento foi constatar o equívoco resultante da depreciação da medicina antiga que, na falta de maiores recursos técnicos então indisponíveis, impunha ao médico a exigência de uma atitude mais parceira e solidária. Como consequência, produzia profissionais que eram exímios ouvintes e imbatíveis consoladores. Na medida em que esses atributos foram pretensamente substituídos por máquinas prodigiosas, o médico passou a ignorar a força da palavra e a magia do abraço. E, na solidão do equipamento, sofisticado, mas rígido, se perdeu.
Há muitos anos que procuro passar essas noções no curso da graduação médica e insisto com alunos e residentes que, entre dois médicos igualmente qualificados, sempre prevalecerá o mais afetivo.
Não sei o quanto consegui convencê-los, mas o número crescente de mensagens que recebo após cada nova crônica sugere que vale a pena perseverar.
Os jovens estudantes de Medicina, que acompanho na faculdade, são pedras preciosas de inteligência, determinação de crescer e vontade de acertar.
As crônicas que compõem este Do Que Você Precisa Para Ser Feliz?, que estamos lançando com o apoio inestimável da L&PM Editores, representam o meu esforço assumido, ainda que modesto, de remoção das lascas da pedra bruta que somos, na expectativa de que o produto final seja um modelo de médico mais doce e mais generoso.
Várias dessas crônicas discutem a necessidade de ouvir, uma tarefa tão negligenciada nas relações humanas em geral, e que representa a primeira etapa de uma aproximação afetiva confiável entre o médico e seu paciente.
Ninguém é tão sábio que não tenha o que aprender, nem tão ignorante que não tenha nada para ensinar.
O médico, à semelhança do escritor, trabalha com a palavra, e a voz humana, na expressão de Galeano, "quando nasce da necessidade de dizer, não encontra quem a detenha. Se lhe negam a boca, ela fala pelas mãos, ou pelos olhos, ou pelos poros, ou por onde for. Porque todos nós temos algo a dizer aos outros. Alguma palavra que merece ser celebrada, entendida ou perdoada."
Muitas dessas crônicas relatam a rica experiência emocional do convívio com pessoas de todos os tipos que tinham coisas para dizer e disseram.
Vale a pena ouvi-las.
- O médico e escritor J.J. Camargo é o convidado da próxima edição do Com a Palavra, evento que apresenta ideias, propostas e testemunho de personalidades mediado por jornalistas da Redação de Zero Hora. O encontro será no dia 13, a partir das 19h30min, no Centro Histórico Cultural da Santa Casa (Avenida Independência, 75) e está com lotação esgotada. No local, haverá sessão de autógrafos e a venda do livro Do Que Você Precisa Para Ser Feliz?, a partir das 18h30min. Para a sessão de autógrafos, não são necessárias inscrições.