Não é de hoje que o homem mostra capacidade de transformar as dificuldades em um gatilho para uma vida melhor. Seja pelos fracassos, doenças ou limitações, encontrar o lado bom das coisas ruins pode trazer grandes e positivas transformações. E com pacientes com câncer não é diferente. Outrora considerada uma sentença de morte, a doença hoje ainda assusta, mas cada vez mais é encarada como uma chance de recomeço. Para difundir essa visão mais positiva, sites, ONGs e eventos se espalham pelo mundo, buscando mostrar um lado menos cinzento e, por que não, mais colorido da doença.
Foi com essa proposta que a gaúcha Flávia Maoli criou, há dois anos, o blog Além do Cabelo, hoje uma referência para quem busca encarar o tratamento contra o câncer de forma mais lúdica. Diagnosticada com Linfoma de Hodgkin aos 23 anos, a jovem, hoje com 28, conta que sentiu falta, desde o início, de um local onde pudesse enfrentar os desafios que estava passando com mais leveza. Foi quando teve de se submeter a um transplante de medula óssea, em 2013, que decidiu abrir o espaço virtual para dividir suas visões. No blog, que tem como lema a frase "Câncer não é escolha. Bom humor é", ela fala sobre alimentação, saúde, moda e entretenimento para pacientes que enfrentam um tratamento contra a doença.
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O projeto surgiu de forma tímida e logo passou a gerar resultados muito além daquilo que Flávia esperava.
O número de acessos ao site e o crescente interesse de pessoas que se inspiraram nela para encarar o câncer com outros olhos a fizeram mudar, inclusive, o rumo de sua carreira profissional. Hoje, já livre do tratamento, segue se dedicando exclusivamente à causa:
- É uma doença bem difícil e, apesar de o tratamento muitas vezes ser complicado, a vida segue. Para mim, foi uma oportunidade de ter mais consciência sobre o meu tempo e mais vontade de viver o presente. É isso que quero passar para as pessoas.
Oportunidade para se reinventar
Conforme a psicóloga Mônica Echeverria de Oliveira, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), o diagnóstico de câncer representa uma ruptura significativa na vida de uma pessoa, que muitas vezes tem de se ausentar do trabalho e mudar a rotina para se dedicar ao tratamento. Mas é cada vez maior o número de pacientes que, depois de um momento inicial de tristeza e readaptação, busca enfrentar o desafio com mais tranquilidade:
- É normal ficar triste, chorar, mas é preciso ter em mente que, até nessas situações, é possível tirar algo de bom. A doença acaba sendo uma oportunidade para a pessoa se reinventar, se redescobrir. É um momento em que muitas se questionam sobre como viveram suas vidas até então, o que vão fazer daquele momento em diante. Elas acabam buscando uma vida com mais qualidade, menos estresse e mais perto daquilo que lhes dá prazer.
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A especialista destaca que esse movimento não deve ser confundido com uma negação da doença, mas, sim, como uma capacidade de enfrentar o processo de forma mais positiva.
Para Flávia Maoli, o novo olhar sobre a doença trouxe também a oportunidade de um novo círculo de amizades. Em 2014, conheceu Alice de Moraes Falleiro, 32 anos, que a procurou por estar passando pelo mesma situação. Quando foi diagnosticada, Alice morava em Santa Maria, longe da família, e estava concluindo um mestrado. A notícia sobre o linfoma significou uma mudança radical na vida da jovem, que optou por voltar à Capital para fazer o tratamento e viver ao lado da mãe:
- Quando fiquei sabendo que estava com linfoma, passei a repensar em toda minha vida. A partir daí, mudei alguns valores e me foquei naquilo que realmente importa, que me faz feliz. A doença faz você encarar a finitude da vida, o que não é uma coisa ruim. É um grande aprendizado - resume a jovem.
Hoje, além de colaborar com o blog de Flávia, Alice começou a trabalhar, junto a outros parceiros, no Projeto Camaleão, que promove feiras de beleza para pacientes com câncer. E as meninas não pararam por aí. Estão se preparando para lançar uma loja virtual exclusiva para pacientes em tratamento. Lá, venderão lenços, tiaras, perucas e tudo aquilo que ajuda a manter a autoestima sempre nas alturas.
- Hoje, estou em remissão da doença, mas posso dizer que essa experiência fez eu me encontrar, descobrir o que realmente me faz feliz. Descobri que meu futuro é ajudar outras pessoas a encararem a vida dessa forma - conclui Alice.
*Zero Hora