Às vezes eu me engano, ainda que por pouco tempo, como Chico Buarque. "E dou risada do grande amor/ Mentira." É Samba do Grande Amor, mas podia ser também Samba dos 42. "Tinha cá pra mim" naqueles quilômetros finais da maratona de Porto Alegre, em 14 de junho, que não precisava mais fazer isso de novo. Mas como eu já tive cá pra mim o mesmo sentimento em outras duas oportunidades, o que me fazia estar ali mais uma vez, às 6h45min de um domingo? Ora, porque o tempo de sofrer por uma maratona é infinitamente menor do que o prazo que antecede uma nova.
Sempre tem alguém para explicar em uma metáfora o desafio de correr 42 quilômetros. Mas hoje eu inverto a lógica e, pela linha de chegada que eu supunha ser a última, tento explicar aquela pedra no meu peito que dura sempre o tempo de um novo trampolim.
Se existe um grande amor por aí, ainda não sei. Mas tem sempre alguém que aparece quando a gente menos espera (quem não procura acha, diz o ditado invertido). E vem como uma dose de euforia - a endorfina do quilômetro 21 -, aquele alívio de se chegar inteiro ao quilômetro 30 e os trejeitos que decoramos, como o percurso que cabe na cidade, mas quase não cabe na gente.
Mas nem toda essa cumplicidade dura os instantes que a gente gostaria de multiplicar. De um supetão, pode ser como lucidez não desejada - a resposta de que, no fundo, se quer ser até o fim um amador. Tal qual como ali no quilômetro 35, quando percebemos que o cálculo do ritmo não saiu como desejávamos, e a gente desacelera para não desistir.
Os cinco quilômetros finais somam mais do que os 37 primeiros. Na maratona, a exatidão é triunfo apenas do pelotão de elite. Às vezes falta fôlego, outras, força nas pernas. No quilômetro 39, é como ter feito promessa até pra Oxumaré, de subir a pé o Redentor. Se pensa no que dói, dói no que se pensa.
Para o quase amor terminar, pode ser que falte pouco. Mas a tentativa é livre até o fim, assim como a de não caminhar três quilômetros até a linha de chegada. Passa o choque, passa o pórtico. No cronômetro, marca o tempo em que questionamos se vale a pena se expor de novo. Ainda bem que essa dúvida dura pouco, e se bota a mão no fogo, então, com coração de fiador.