A conferência do doutor Shaf Keshavjee, de Toronto, no Congresso Americano de Cirurgia Torácica, mais do que o reconhecimento internacional à importância desse grupo no universo do transplante de pulmão, foi uma apologia à medicina moderna, com suas conquistas tecnológicas deslumbrantes, mas, principalmente, com a ufanista determinação de não permitir limites ao esforço de salvar vidas.
Duas façanhas do canadense e sua equipe impactaram os envolvidos com esta especialidade nos últimos tempos:
1) Há uns dois anos, um paciente idoso recebeu pulmões jovens na tentativa de retirá-lo da respiração artificial a qual estava atrelado havia quatro semanas. Cinco dias depois, com os órgãos transplantados funcionando esplendidamente, o paciente teve um acidente vascular cerebral hemorrágico devastador, que lhe provocou morte encefálica. Diante do infortúnio, os pulmões foram removidos e transplantados em outro paciente da longa lista de espera. Depois de um estágio rápido e mal- sucedido no tórax do primeiro candidato, não havia que esmorecer: outra vida estava a caminho de ser salva. E foi.
2) Na mesma conferência, Shaf descreveu a experiência de sua instituição com um método moderno, que estamos prestes a empregar aqui, e que utiliza uma solução desenvolvida na Suécia para remover o excesso de líquido de pulmões que não poderiam ser aproveitados por estarem muito inchados.
Os pulmões são retirados do doador e colocados numa redoma esterilizada, onde se simula a condição de ventilação e circulação de sangue e se remove, ao longo de algumas horas, o excesso de líquido, permitindo que os pulmões sejam utilizados.
Antes da popularização dessa técnica, aquele grupo usava apenas 15% dos pulmões dos doadores disponíveis. Atualmente, o percentual de aproveitamento ultrapassa 45%.
Para dar ênfase a essa conquista tecnológica, Shaf relatou o caso de um paciente de 52 anos, moribundo na lista de espera de Chicago, nos EUA, e colocado em prioridade nacional. Cinco dias depois, uma comunicação dava conta de um potencial doador compatível, em Seattle, mas com os pulmões muito inchados. Os órgãos foram removidos, transportados de avião a Toronto, onde foram recondicionados e levados a Chicago para o transplante salvador.
Quando terminou a conferência, aquela sensação maravilhosa de que quem salva uma vida começa a salvar o mundo encheu o salão e, na indisfarçável euforia, muitos se abraçaram, todos se comoveram.
Depois, houve um silêncio que interpretei como a pausa para que cada transplantador do planeta fizesse uma introspecção a respeito do seu cantinho particular. E, então, desconfortável e constrangido, pensei:
"O mundo da ponta de baixo deve ter enlouquecido o suficiente para permitir, sem gritar, que morram, num só feriadão, em estúpidos acidentes de trânsito, mais jovens do que conseguimos transplantar num ano inteiro de trabalho insano. Como único consolo, a convicção de que nunca alguém dirá que desistimos de fazer a nossa parte!".
Mas isso é mesmo o limite do que podemos?
Porque, francamente, parece muito pouco...