Quando a sineta toca autorizando o início das trocas, Maria da Glória Silveira dispara em direção à banca de sementes. De uma vez só, ela começa a reunir saquinhos de grãos que, no futuro, irão alimentar sua família: pega um de feijão azuki, outro de açaí juçara, um pé de morango e um punhado da pouco conhecida araruta, erva que gera uma farinha sem glúten, típica na Bahia.
Confira quem pode certificar produtos orgânicos no Brasil
Como saber se um alimento é orgânico de verdade
- Calma Maria, tem para todo mundo - grita um agricultor, querendo tranquilizar a vizinha e garantir semente para os demais.
Em vídeo, agricultor conta como consumir flores de hibisco:
O que explica a ansiedade de Dona Glória é a oportunidade única de receber, de graça, a matéria-prima para plantar um artigo de luxo dos tempos atuais: alimentos orgânicos. Para promover a cultura da agroecologia e estimular o intercâmbio de saberes sobre a terra, uma feira de troca de sementes reuniu agricultores, pesquisadores e autoridades ontem. O cenário foi a Granja Lia, uma propriedade rural situada no Lami, a 40 minutos do centro da Capital.
Escola de Porto Alegre elimina balas e refrigerantes do cardápio
De chegada, cada visitante precisava fazer o check-in das suas sementes ou mudas. Em uma planilha, técnicos da Emater e integrantes da Secretaria do Desenvolvimento Rural se encarregavam de anotar a procedência de cada uma delas. Ao todo, foram mais de 108 variedades. Para assegurar que é orgânico, a base é a confiança. A maior parte das pessoas se conhece pela proximidade geográfica, por compartilhar o espaço das feiras ou por integrar a Opac-Rama, organismo participativo de certificação.
- Essa troca representa um símbolo da luta pela comida de verdade. Perpetuar o material genético garante que determinadas espécies nunca desaparecem, por que as pessoas não deixarão de plantar - esclarece a engenheira agrônoma do Núcleo de Agroecologia da Secretaria do Desenvolvimento Rural Agda Regina Yatsuda Ikuta.
Escola de Porto Alegre elimina balas e refrigerantes do cardápio
Presente no encontro, o oecretário municipal de Produção, Indústria e Comércio, Humberto Goulart, disse que prefeitura tem planos de criar mais quatro feiras orgânicas na Capital até 2016 (entre os locais que podem receber as feiras estão a Praça da Matriz e o bairro Auxiliadora).
A variabilidade genética dos alimentos, que em muitos casos é alvo de exploração comercial e disputa econômica, também motiva estudos acadêmicos de pesquisadores como a agrônoma Ingrid Bergman Inchausti de Barros, professora da UFRGS:
- A universidade bebe dessa fonte para descobrir novos conhecimentos, pesquisas e até produtos.
Vindo de Nova Petrópolis, carregado de mudas, o paisagista Toni Backes mal sabia como funcionaria o evento. Ele precisou sair antes da troca acontecer, mas deixou espécies como a pfáffia, o ginseng brasileiro, para serem adquiridas pelos interessados. Atento aos benefícios da planta, o cozinheiro vegano Sérgio Eduardo Costa Santos tratou de fazer a propaganda:
- O chá das raízes é ótimo para fadiga mental, muscular e cura até depressão - explica o chef.
Confira como foi a Feira de Troca de Sementes:
Proprietária do Sítio Capororoca, famoso por disseminar as plantas alimentícias não-convencionais - as Pancs -, Silvana Bohrer se interessou pela muda de Backes. As que ela trouxe foram adquiridas pela Dona Glória, lá do início da matéria, e pelo casal Ana Liv e Mauro Rosito, que plantam jardins de tempero usando jornal como matéria-prima.
O agricultor Salvador Rosa da Silva, conhecido como Seu Dodô, levou ao evento sementes de hibisco. Ao explicar as funções da flor comestível, Dodô mostra que, mais do que sementes, a troca é de conhecimentos:
- O hibisco serve para comer, fazer chá, salada e até geleia. São tantas funcionalidades que me leva a pensar que é uma semente mágica - afirma.