Apesar de não ser a única responsável pelo quadro de obesidade entre as crianças, a família está no coração da mudança de hábitos e reversão da epidemia atual. Mesmo que haja mais restrições sobre a publicidade e na venda de alimentos processados nas escolas, sem a ação dos pais ou responsáveis as possibilidades de a criança mudar a alimentação são quase nulas.
- O tratamento de uma criança com sobrepeso ou obesidade deve contemplar mudanças que envolvam todos os membros da família. Não é possível esperar que a criança coma verduras e frutas se os pais não consomem - alerta Mariana Lopes de Brito, nutricionista materno-infantil da clínica Nutrissoma.
Já o médico nutrólogo Antonio Elias de Oliveira Filho, diretor da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), destaca outro problema bastante comum:
- Quando os filhos não comem, os pais enxergam automaticamente como algo ruim, mas o ser gordinho e obeso os preocupa menos.
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A obesidade pode desencadear doenças como diabetes, complicações cardiovasculares, hipertensão e problemas nas articulações. Além disso, os pequenos podem apresentar timidez excessiva e dificuldade de se relacionar, entre outras alterações comportamentais. Há vários fatores psicológicos envolvidos, como afirma Camille Apolinário Gavioli, psicóloga do Centro de Obesidade Infantil do Hospital Infantil Sabará, em São Paulo.
- A obesidade não mostra ferimentos do corpo, por isso, dá a sensação de não atrapalhar. As crianças sofrem por não estarem dentro do ideal de beleza - avisa a especialista.
A alimentação pouco nutritiva das crianças desde os primeiros meses de vida e a influência da publicidade na alimentação de pais e crianças podem ser vistas de forma contundente no documentário brasileiro Muito Além do Peso, de 2012. Nas cenas (o filme está disponível no site Youtube) é possível encontrar até mesmo crianças que tomam refrigerante na mamadeira:
- Há crianças que não sabem o que é berinjela, abacaxi e alface. Às vezes, elas não conhecem porque ninguém ofereceu - diz a psicóloga Camille.
A nutricionista e pesquisadora Sueli Rosa Gama indica que, caso os pais constatem sobrepeso, é importante procurar ajuda médica imediatamente.
- Isso tem de chamar a atenção dos pais. É no sobrepeso que dá para perceber se pode evoluir para uma obesidade ou não. É o ponto de corte - afirma.
Alimentos sob novo olhar
Laura, nove anos, nunca torceu o nariz para frutas, legumes e verduras, mas também sempre foi apaixonada por doces. Nos últimos seis meses, a menina começou a apresentar sobrepeso, e o pai, Eduardo Montanha, sugeriu à filha a ideia do acompanhamento de uma nutricionista infantil.
- A Laura está entrando nesta fase cheia de mudanças da pré-adolescência. Agora, ela começa a interagir mais e a ter uma vida social ativa. Achei apropriado buscar ajuda para minha filha ter uma alimentação ainda mais saudável - ressalta o engenheiro químico.
A garota topou a ida a um especialista e, desde abril, conta com a orientação.
- Eu estava me sentindo com mais peso. Achei bom ir à nutricionista porque vou aprender como me alimentar para a vida toda - conta.
Agora, ela faz mais refeições fracionadas no dia e o consumo de frutas e legumes é regular. Na escola, o lanche da cantina é liberado a cada 15 dias. Nos demais, a comida vem de casa. Os alimentos preparados no lar também ganharam mais importância no cardápio.
- O mais difícil é comer doce só uma vez por semana. Adoro chocolate - confessa a menina.
Com cerca de um mês de reeducação alimentar, ela e o pai estão felizes com o resultado. A disposição para fazer exercícios - Laura pratica diferentes atividades esportivas em três manhãs por semana - já é notável.
- Estou com mais energia - diz.
O esforço do pai em participar do processo tem influência direta na empolgação de Laura - e isso também quer dizer que a menina está de olho na alimentação de Eduardo. Ir para a cozinha preparar receitas saudáveis indicadas pela nutricionista, como panquecas e bolo de cenoura, é uma prática comum da família.
- Não adianta impor nada para a criança. Eu quero que a Laura se sinta parte dessa reeducação alimentar. Para isso, preciso me envolver também - afirma o pai.
Quando é preciso ir ao supermercado, a preferência é de que pai e filha façam as compras juntos. Assim, Laura pode participar da escolha dos alimentos.
- É uma negociação. Os gostos da Laura são levados em consideração - conta Eduardo.
Para especialistas, a participação intensa da família é central na mudança de hábitos da criança em reeducação alimentar. Sem o apoio dos pais, os pequenos têm mais dificuldades para constituir uma nova percepção dos alimentos.
- São os pais que decidem os alimentos que serão comprados, preparados e disponibilizados em casa, ou que serão enviados para a escola. Além disso, as crianças se espelham nas atitudes deles - diz a nutricionista Mariana Lopes de Brito.
Os ensinamentos dentro de casa são elementos centrais para a melhora no quadro de epidemia global do sobrepeso e da obesidade, como ressalta o endocrinologista César Geremia.
- O exemplo começa em casa. Não tem outro jeito - diz.