A enfermeira norte-americana Lillie Schockney venceu três tumores malignos - dois na mama e um no útero. Hoje, aos 61 anos, é diretora administrativa do Centro de Mama e dos Programas de Sobrevivência ao Câncer do hospital Johns Hopkins, referência em pesquisas médicas, localizado na periferia de Baltimore, a cidade mais populosa do Estado de Maryland, nos Estados Unidos. Por meio da terapia do riso, tenta exorcizar os temores causados pela epidemia do século 21.
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Corta relações com pessoas que lhe trazem sentimentos ruins e aconselha seus pacientes a fazerem o mesmo. Demonstra uma sensibilidade que derruba qualquer pessimista - e exibe um humanismo que poderia servir de lição a alguns médicos. Um furacão de esperança comprimido em pouco mais de um metro e meio de altura, Lillie esteve em Porto Alegre no final de março para participar de um ciclo de palestras no Hospital Moinhos de Vento, onde concedeu entrevista e vaticinou:
- Temos que rir todos os dias, isso gera uma substância que combate as doenças.
Quais os principais medos de quem está com câncer?
O que mais apavora as pessoas é pensar: quando vão morrer? Antes de ter um plano de tratamento estabelecido e o médico informar se o câncer está apenas em um ponto do corpo ou se já se espalhou para outros órgãos, não sabemos se a pessoa irá sobreviver. Depende muito do tipo de câncer. No caso do câncer de mama, geralmente é possível detectar mais cedo por meio da mamografia. Mas há outros casos, como de pâncreas, que são diagnosticados tarde, pois os sintomas podem ser discretos, como uma indigestão. Outros têm sintomas mais alarmantes, como perda de peso muito drástica. O medo principal de todos é saber se vão sobreviver a isso. Pensam como será deixar crianças pequenas ou como sua família irá se manter financeiramente.
Quem não é religioso ou espiritualizado antes da doença acaba se tornando rapidamente. Eles estão preocupados que irão morrer, então ir para o céu ou inferno é uma questão que passa pela cabeça. Muitos temem perder o emprego, principalmente durante o tratamento. Outros ficam particularmente abalados, achando que a doença irá prejudicar as suas finanças. Mulheres com câncer de mama ficam aterrorizadas, achando que a doença irá afetar muito sua sexualidade ou fertilidade. O medo de perder o trabalho faz com que elas trabalhem durante o tratamento, para mostrar ao chefe como ela é comprometida mesmo estando doente. Equilibrar agenda profissional e de tratamento é difícil. Elas não querem perder tempo. Temos que ensiná-las a lidar com essas coisas. Também tem o problema em relação à questão genética, de ser algo que se passe para os filhos.
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Que tipo de trabalho você realiza para encorajar essas pessoas?
Ter sobrevivido ao câncer realmente me ajudou a ter uma outra visão de esperança sobre como ajudar as pessoas. Eu tive dois tumores na mama e um no útero. Então, muitas pessoas que observam minha tripla vitória pensam que podem vencer pelo menos uma vez. Também encorajo as pessoas a darem risada, uma forma efetiva de combater o estresse e estimular a produção de células T (linfócitos naturais pertencentes a um grupo de glóbulos brancos do sangue e responsáveis por "assassinar" as células invasoras do tumor), que ajudam a combater o câncer e produzir anticorpos. É uma coisa boa.
Eu encorajo elas a terem um motivo para rir todos os dias. E dou alguns exemplos que funcionaram para mim. Um foi o seguinte: nossa filha tinha 12 anos quando eu tive câncer pela primeira vez. Disse a ela que eu poderia colocar dinheiro dentro do sutiã quando fosse no banco, pois ninguém ia ver, afinal ele estaria vazio. Essa era nossa forma de encarar a situação. Encontrar o senso de humor é difícil nessas horas, mas é fundamental. Fizemos um pacto: para o resto de nossas vidas, encontraríamos um motivo divertido para dar risadas todos os dias.
Pesquisas realizadas nos EUA mostram que conviver com mais de um câncer é uma realidade cada vez mais comum. Para o paciente, como é lidar com o segundo tumor?
O paciente que já teve um tumor sempre terá que conviver com o risco de um outro tipo de câncer aparecer, ou com a possibilidade de que o primeiro que ele teve possa voltar. Eu tive dois tumores na mama, e oito anos atrás tive um no útero. Para dar risada, digo que, no meu corpo, a doença está descendo pelos meus órgãos sexuais. Então, imagine onde será o próximo? (risos)
E como você se sentiu com o terceiro diagnóstico de tumor?
Eu tive um diagnóstico precoce. Estava com 53 anos. Um mês antes de eu ser diagnosticada, meu marido tinha sido diagnosticado com câncer também. Digo que pegamos um do outro, foi um pouco maluco. Nossa filha estava assustada.
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Sua filha, então, passou quatro vezes por isso. Ela está se tornando uma PhD no assunto.
Ela se tornou mesmo. É escritora de ciência sobre oncologia. Ela sabe muito desta área. Nós incentivamos pacientes sobreviventes a fazer coisas que podem reduzir o risco de ter câncer de novo. Não existem garantias, mas há coisas que podem ser feitas que melhoram a situação. Exercícios, parar de fumar (o fumo está associado a 80% das causas de câncer em geral). A propósito, eu fumo nos meus sonhos há 22 anos. Meu médico diz que essa é minha forma de liberar meu estresse todas as noites. Ah, e um detalhe, experimento duas marcas diferentes de cigarro, sendo que eu nunca provei cigarro na vida.
Outras dicas são: pouco ou quase nada de bebida alcoólica, consumir alimentos com pouca gordura, fazer uma gestão do estresse. Isso eu diria que é o mais importante. Há estudos que comprovam a relação direta do estresse com o desenvolvimento do câncer. Se nós mantivermos em alta as células T, as células de câncer podem diminuir. Acesse seu senso de humor. Ajudar uma pessoa que recém teve diagnóstico também pode ajudar um sobrevivente a se manter bem e vivo, dando conselhos e dizendo "isso foi o que eu fiz quando tive a doença".
Você constrói pontes entre pessoas curadas e pessoas doentes.
Sim, isso tem funcionado bastante. O suporte de um grupo de apoio tem sido uma solução muito eficaz para quem passa pelo problema.
Quem tem mais dificuldade de encarar a doença?
Os mais jovens. Porque eles veem que sua vida pode ser encurtada pela doença. Também sabem que, quanto mais jovem, maior a probabilidade de terem um outro tipo de câncer depois. Os mais velhos aceitam melhor, porque viveram mais, têm filhos e netos. Não ficam tão surpresos com a notícia. Lutam com mais força, porque seus filhos dizem "pai, por favor, lute". Ganham coragem de sua família, fazem isso por ela.
O conceito de felicidade muda para um sobrevivente?
A gente aprende a não se preocupar com o que não é importante. Também devemos falar mais, ver mais frequentemente os amigos que nós gostamos e evitar os que trazem negatividade. Eu uso minha energia e preciso dela muito positiva para me manter viva, não deixo mais ninguém me colocar para baixo.
Qual é o perfil das pacientes com quem você lida?
O Johns Hopkins fica na área mais pobre da cidade. Cheia de pessoas sem casa, que dormem na rua, na porta do hospital. Muitas dessas mulheres com câncer de mama estão há mais de 10 anos sem ver um médico. Uma delas me contou, quando entrou na Emergência, que demorou a nos procurar porque sua prioridade era manter seu filho adolescente longe das drogas. Era o único filho vivo. O outro estava morto, o marido preso. Sua única prioridade era mantê-lo vivo. Em outra ponta temos aquelas mulheres que fazem a mamografia todos os anos, são saudáveis, consultam, médicos, sem problemas financeiros, e nesses casos, a maioria delas tem diagnóstico precoce. Mas algumas dessas têm um pequeno tumor que começa bem pontual, mas viaja por todo seu corpo, se espalha e é devastador.
A seu ver, como a atitude da atriz Angelina Jolie impacta em termos de prevenção?
Ela tinha 80% de chance de ter câncer de mama e 60% de câncer de ovário. Acho que ela foi muito esperta: em vez de ficar esperando o câncer chegar, agiu rápido e antes. Ainda tem 2% de chance de mama e 3% de ovário, porque é impossível remover todas as chances. Mesmo depois de remover, resta uma pequena chance. Mas foi uma bela iniciativa.
Como o diagnóstico de câncer foi recebido por você, uma enfermeira que trabalha na área?
Eu digo às pessoas que eu pulei para o outro lado da cama. Eu não estava preparada para isso. Às vezes, quando trabalhamos com oncologia, achamos que somos imunes a essas doenças. Mas não funciona assim, não mesmo.
Isso a tornou uma enfermeira melhor?
Acho que, por entender o que os meus pacientes estão passando, acabo sendo mais criativa para ajudá-los. Nós trabalhamos com sobreviventes, mas também com pacientes que sabem que irão morrer. Em um programa de duas semanas, digo que o diagnóstico deles é como se tivesse um tubarão na água, querendo comê-los. Eles têm que entrar em um navio, que irá salvá-los. É como um centro de câncer que irá estabilizar a doença. Mas faço eles entenderem que são eles que controlam o leme do navio. Eles não podem passar o leme para seu médico ou para a família. Precisam preservar sua qualidade de vida, e não tratar apenas da cura da doença. Precisam passar o tempo com qualidade. Resgatar lembranças e conexões positivas da sua vida para encaminhar o navio na direção que desejarem.
O câncer de mama e as mulheres jovens
"O importante é que a mulher se sinta bem com seu corpo. Hoje fui no hospital (Moinhos de Vento) fazer um tour. Encontrei uma paciente que passou por uma mastectomia e estava muito triste, preocupada com o futuro. Eu disse para o médico: "Pergunte a ela, por favor, se ela gostaria de ver como ficará seu corpo". Ela quis ver.
Eu pedi então: "Diga a ela que sou uma sobrevivente do câncer de mama, fiz duas mastectomias, em anos diferentes, e uma década depois, fiz a reconstrução. Ela vai conseguir superar isso". Eu não falo português, tampouco ela falava inglês. Levantei minha blusa e mostrei para ela. Então ela disse que sabia que superaria, me abraçou e voltou a chorar."
Os maridos e os namorados
"Às vezes, os médicos dizem às pacientes que elas ficaram bem dentro de suas roupas. Mas eu digo: é melhor você se sentir bem quando estiver nua. Se estiver com uma calça e uma blusa bonitas, ninguém irá ver o que tem ali embaixo. Tenho uma técnica, que é mostrar para o namorado ou o marido, longe da paciente, como ela vai ficar, porque a primeira vez que ele for vê-la, já estará adaptado à imagem. Ele também está tentando descobrir o que aconteceu, como lidar, onde aquele sonho foi parar. Eu ouvi de um marido sobre a mulher: "Não me casei com você por causa dos seios, mas porque era apaixonado".
Meu marido, depois que eu perdi meu segundo seio, ele me levou para um lugar lindo e disse que, quando perdemos um sentido, como a visão, outro sentido fica melhor, como a audição, por exemplo. Então, ele achava que eu iria ficar mais erótica. Esse final de semana foi uma segunda lua de mel maravilhosa."