Criada em 1960, a pílula anticoncepcional é hoje utilizada por cerca de 100 milhões de mulheres no mundo todo. Segundo especialistas, é um dos medicamentos mais estudados pela comunidade científica. Mas seu uso correto, os riscos à saúde, a eficácia e até mesmo os benefícios que vão além da contracepção são desconhecidos por boa parte das usuárias ou aparecem em rodas de conversa em forma de mitos. Quatro especialistas nos ajudam a compreender o que deve realmente preocupar (ou não) as mulheres quanto à administração adequada da pílula.
Qual escolher?
Não será aquela recomendada pela amiga ou usada pela mãe durante anos. Só um ginecologista pode receitar (sim, pílula é um medicamento) a mais adequada para cada mulher. Para isso, responda com sinceridade a todas as perguntas da consulta de avaliação. É nesse momento que, com as respostas da paciente em mente e após exame físico geral e ginecológico, o médico indicará qual método deve ser usado, seguindo um documento da Organização Mundial da Saúde (OMS) conhecido como Critérios Médicos de Elegibilidade para Uso de Métodos Anticoncepcionais. Em determinadas condições, o médico terá de optar por indicar outro método.
Não é só contraceptivo?
Melhora da acne e da TPM, prevenção de câncer de ovário ou endométrio e até mesmo ganho ou manutenção da massa óssea estão entre os outros benefícios da pílula. Estudos têm chegado perto de mostrar que o uso pode ajudar também na prevenção à osteoporose.
- Em qualquer lugar do mundo, é permitido que uma mulher use pílula anticoncepcional até os seus 50 anos, desde que obedecidos os critérios da OMS - conta a ginecologista Maria Celeste Osório Wender, professora titular de ginecologia da UFRGS.
Por que ainda não existe a pílula anticoncepcional masculina?
Além disso, entram na lista o tratamento de cólicas menstruais intensas e do sangramento volumoso que pode, às vezes, levar à anemia.
- É muito boa para quem tem endometriose, principalmente se for feito uso contínuo (sem ou com poucas pausas nas cartelas), já que a menstruação piora o quadro. Pode evitar que a endometriose progrida rapidamente e leve à infertilidade - afirma Marta Franco Finotti, presidente da Comissão Nacional de Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) e professora adjunta de ginecologia na Faculdade de Medicina na Universidade Federal de Goiás.
Uso prolongado reduz a fertilidade?
"Fulana tomou pílula 20 anos e agora não consegue engravidar." Quem nunca ouviu?
- Não existe isso. O retorno à fertilidade é imediato. No primeiro mês depois de parar, a mulher já volta a ter ciclos ovulatórios, que atingem a normalidade três meses após a interrupção. Se ela não quiser engravidar já naquele mês, tem de usar um método de barreira - ressalta Marta.
Segundo Maria Celeste, dois fatores contribuem para essa falsa percepção: quando a mulher para já em idade mais avançada - momento em que a capacidade reprodutiva se reduz - ou porque a pílula causa a impressão de mais controle do ciclo. Quando o uso é interrompido, o ciclo pode não se apresentar regular.
Quando a pílula não é opção?
A ginecologista Maria Celeste explica que se deve fazer uma diferenciação entre efeitos colaterais e reações adversas importantes para se entender quando realmente a pílula vai ser contraindicada como método contraceptivo. Náuseas, enjoo e retenção de líquido são contornáveis, ressalta a especialista.
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As reações mais temidas são as cardiovasculares, principalmente as ligadas ao tromboembolismo. Mas esse tipo de evento é raro, complementa o presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, Pedro Pablo Komlós:
- A trombose pode ocorrer quando a pessoa tem um problema genético da ausência de algum fator de coagulação. Ou seja, na maioria dos casos, ela não teve trombose porque toma anticoncepcional, mas porque tem uma situação chamada de trombofilia.
Já os riscos de acidente vascular cerebral (AVC) se elevam em quatro vezes nos casos de mulheres que fazem a combinação tabagismo e uso de pílula anticoncepcional.
- Se ainda for associado à enxaqueca com aura, o risco aumenta mais ainda - diz a chefe do Serviço Médico de Neurologia e Neurocirurgia do Hospital Moinhos de Vento, Sheila Martins.
Nessa última condição, a mulher não deve tomar pílulas que tenham estrogênio. Uso de pílula também é contraindicado para mulheres que sejam hipertensas ou diabéticas ou apresentem histórico familiar de trombose.
Se usar, vai diminuir a libido?
Algumas mulheres realmente relatam queda na libido, segundo Marta. Mas não existe consenso. Há trabalhos científicos que mostram uma redução, pela não oscilação dos hormônios, que é comum no ciclo com ausência de anticoncepcional.
- Outros não concordam porque a libido é multifatorial. Só o fato de a mulher se sentir mais segura sobre a questão da gravidez dá a condição de ela exercer a sua sexualidade de maneira mais livre e ter uma libido melhor - completa.
Quem amamenta não pode tomar?
Após a gravidez, quando a mulher está amamentando, não deve usar as pílulas combinadas.
- O estrogênio da pílula não é seguro para o recém-nascido. Normalmente, usa-se apenas as de progesterona. As que têm desogestrel são eficazes mesmo depois da amamentação - relata Marta Franco Finotti.
É preciso fazer pausas no uso?
Algumas pessoas também acreditam que, de tempos em tempos, seja necessário parar a pílula por um período para não causar problemas ao sistema reprodutivo. Maria Celeste garante que não é preciso:
- Aquela ideia antiga de ficar uns meses sem tomar para fazer uma limpeza é bobagem. Não traz benefício algum.
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Conforme Marta, a tendência mundial é de optar pelo uso contínuo, de três ou quatro cartelas sem interrupção:
- Você tem praticamente uma menstruação a cada estação. Nos Estados Unidos, inclusive, já há cartelas que vêm com 84 comprimidos.
Precisa tomar sempre na mesma hora?
As pílulas que têm estrogênio e progesterona são mais seguras do ponto de vista do atraso. De rigor um pouco maior, as que apresentam apenas progesterona têm eficácia comprometida em um atraso superior a três horas, detalha Marta.
Nos casos de esquecimento, é preciso atentar para as circunstâncias. Se a mulher esqueceu à noite, pode tomar no outro dia pela manhã e toma a seguinte, normalmente, à noite. No caso de esquecer duas pílulas - a de hoje e a de amanhã -, é preciso mudar a estratégia. Quando já tiver tomado mais de 15 da cartela, o ideal é a usuária parar e deixar a menstruação vir e começar uma nova cartela no primeiro dia. Se tomou menos de 15, segue a rotina normal (não precisa tomar duas ao mesmo tempo), mas sem esquecer o preservativo nos próximos sete dias, quando pode ocorrer uma ovulação de escape.
Tomar antibiótico reduz a eficácia?
Atualmente, pouquíssimos antibióticos podem diminuir o efeito ou ter a eficácia reduzida pelo uso de pílula. Já alguns anticonvulsivantes não são recomendados a serem usados junto a anticoncepcionais orais. Certos antirretrovirais também comprometem o efeito. Nesses casos, é melhor usar outro método contraceptivo.
Existem pílulas com vitaminas?
Tem um tipo de pílula que agora vem com ácido fólico, responsável por evitar má-formações do sistema nervoso central do bebê. Normalmente, o suplemento deve ser tomado de dois a três meses antes de começarem as tentativas de engravidar. Nesse tipo de pílula, quando a mulher parar o uso, já estará em dia com essa substância. Ainda não existe no Brasil, mas, segundo Marta, é possível que chegue até o final do ano.
Sem pânico das reações
No ano passado, uma professora universitária de 41 anos, de Goiás, compartilhou um vídeo nas redes sociais contando a experiência de uma trombose cerebral que teve seis meses após começar o uso de um anticoncepcional. Junto a outra vítima, criou uma página no Facebook chamada Vítimas de Anticoncepcionais - Unidas a Favor da Vida. Especialistas afirmam que os riscos cardiovasculares como trombose são raros.
- Em geral, as complicações aparecem nos primeiros meses de uso da pílula. Passado esse período, se nada aconteceu, provavelmente não acontecerá - explica a ginecologista Maria Celeste Osório Wender, professora titular de ginecologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Marta Franco Finotti, presidente da Comissão Nacional de Anticoncepção da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), lembra que o risco de mulheres grávidas terem um episódio de trombose é mais elevado do que aquelas que tomam anticoncepcional.
Para o presidente da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular, especialista em angiologia e cirurgia vascular, Pedro Pablo Komlós, sair dizendo para não usar é algo bastante temerário para o controle familiar:
- Estou preocupado em não jogar contra as mulheres. Não receito anticoncepcionais porque não é minha especialidade, mas toda hora me consultam sobre esse assunto e, quando começam a surgir boatos, ficamos vulneráveis. Ninguém se sente à vontade de assumir a responsabilidade: "pode tomar que nada vai acontecer". Porque pode acontecer. Mas é uma circunstância muito pouco frequente.
Segundo Marta, é óbvio que o médico tem de cuidar, ver os antecedentes da paciente, dos familiares, mas não criar uma neurose coletiva a respeito disso. Maria Celeste acrescenta que exames genéticos antes de começar a tomar pílula não devem ser um pedido generalizado:
- Vamos atrás do histórico familiar da paciente, se ela teve algum episódio prévio, um problema de coagulação. Essas coisas são frequentemente familiares. A partir disso, pode se solicitar alguma avaliação adicional.