A discussão de todas as questões do cotidiano inclui obrigatoriamente um fator de potencial ainda indeterminado porque é novo e está em fase de alastramento exponencial: as redes sociais.
Impressiona perceber que, se você tem um problema, por raro que seja, pode apostar que não está sozinho. Em algum lugar, alguém tem uma saída à espera de um clique mágico que talvez traga a solução.
Maria Fernanda Gutierrez vive em Monclova, um pequeno pueblo no norte do México, a 50 quilômetros da fronteira com o Texas. Com fibrose cística avançada, procurou recurso em San Antonio, a mais mexicana das cidades americanas. Depois de três meses de tratamento em um centro pediátrico de excelência, a família foi convocada para um comunicado dramático: não ocorrera nenhuma melhora, o transplante seria a única possibilidade, mas irrealizável naquele momento porque a espera por pulmões nos EUA é maior que dois anos, um tempo incompatível com a fase final da doença que mantinha a pequena Marifer em ventilação com máscara de oxigênio. Com a recomendação de que voltassem para que Marifer se despedisse da família, o desespero somente foi interrompido porque uma irmã encontrou, na internet, Sofia, uma menina de Córdoba, na Argentina, que fora transplantada na Santa Casa em dezembro de 2011.
A primeira mensagem que recebemos transbordava de emoção e esperança. O custo estimado para o transplante aqui, era 10% do valor astronômico anunciado nos EUA, mas, ainda assim, fora das possibilidades de uma família humilde. Iniciou-se, então, uma campanha na mídia nacional para arrecadar fundos. Uma cantora local, chamada Claudia Arias, filiada à mesma igreja evangélica e intérprete de uma música de grande sucesso por lá, chamada És por Fé, inspirou o título para a campanha de solidariedade: "És por fé, és por Marifer". Arrecadado 80% do custo estimado, receberam as passagens do governo mexicano e aportaram aqui em final de outubro do ano passado. Da Marifer quase não se ouvia a voz, sufocada por uma fibrose cística terminal. Com o pai e a avó paterna como doadores, os pulmões doentes foram substituídos por lobos normais, e, um mês depois, ela teve um ataque de riso ao subir correndo uma escada no hospital. Confessou, entre lágrimas, que era a primeira vez que fazia isso na vida e estava deslumbrada.
No dia 28 passado, o Jornal do Almoço mostrou a trajetória bem aventurada e documentou o embarque para o México, da pequena sorridente. A sua última frase no aeroporto foi: "Gracias, Brasil".
No final da tarde, as redes sociais estavam estremecidas. Muita gente comentava o caso da Valentina e seu pedido desesperado para a presidente do Chile para que lhe concedesse o direito de uma morte assistida: "Não aguento mais sofrer com esta doença. Peço à presidente que me autorize uma injeção que faça dormir para sempre".
A conexão entre as duas histórias foi quase instantânea. Na manhã de domingo, um telefonema, com voz embargada: "Soy padre de una nena llamada Valentina!".