A celebridade chegou tarde para Emma Morano. Sua rotina diária, na verdade, mal e mal causaria espanto se não fosse o fato de que ela conseguiu mantê-la durante tanto tempo. Aos 115 anos e quase três meses, Emma é a pessoa mais velha da Itália e da Europa, a quinta mais idosa do mundo e uma entre as poucas pessoas cuja vida se estende por três séculos.
Nesse período, ela viu a Itália evoluir de monarquia a república que gerou quase 70 governos em sete décadas, com uma incursão de 20 anos pelo fascismo no meio. Sobreviveu a duas guerras mundiais e às privações que se seguiram; anos de terrorismo doméstico e anos de prosperidade econômica que transformaram a Itália de economia agrária em um dos países mais industrializados do mundo.
Em uma recente manhã de rachar de frio em janeiro, enrolada em xales tricotados à mão, ao lado de um aquecedor, ela resumiu sua vida com simplicidade:
- 115 anos é muita coisa.
Emma não tem dúvida de como chegou tão longe: seu elixir da longa vida consiste de ovos crus, que ela come - três ao dia - desde a adolescência quando um médico recomendou o consumo para conter a anemia. Assumindo que tenha falado a verdade, ela teria consumido perto de cem mil ovos em sua vida, com margem de erro de mais ou menos mil - o colesterol que se dane.
Ela também está convencida de que se manter solteira durante a maior parte da vida, depois de um casamento infeliz que terminou em 1938 após a morte de um filho, a manteve ativa. Nessa época, a separação era rara e o divórcio somente foi legalizado na Itália em 1970. Emma contou que teve vários pretendentes depois disso, mas nunca escolheu outro parceiro.
- Eu não queria ser dominada por ninguém - ela declarou.
Gerontólogos concordam que não existe um segredo único para a longevidade.
- Se você conversar com cem pessoas centenárias, ouvirá cem histórias diferentes -, contou Valter Longo, diretor do Instituto de Longevidade da Universidade do Sul da Califórnia, cujos estudos sugerem que a dieta seja um fator importante para a vida longa.
E também tem a genética.
- Sabemos que a capacidade de chegar aos 110 anos é hereditária, então suas chances aumentam se várias pessoas na sua família viveram até uma idade avançada -, disse Longo.
Uma das irmãs de Emma morreu pouco antes de completar os cem anos; outra viveu até os 102. Emma mora sozinha, arrastando os pés em um pequeno apartamento de dois quartos cercados por lembranças empoeiradas e os vestígios de sua fama mais recente, incluindo tributos e certificados das autoridades, entre elas uma do presidente anterior do país, elogiando sua resistência. Ao lado de sua cama vê-se uma pequena placa com os números "115", em tom azul brilhante, feita por crianças de uma pré-escola local, que entregaram pessoalmente o presente.
- Eles também trouxeram suas tosses e fungadas -, resmungou Rosemarie Santoni, sua sobrinha e principal cuidadora que vem toda manhã para preparar as refeições do dia, que consistem nos ovos supracitados, agora reduzidos a dois por dia, carne moída, sopa de macarrão e uma banana.
Uma vizinha dá uma olhada com frequência e está à disposição para emergências, mas não houve muitas. Nas poucas vezes em que adoeceu, ela "se recusou a pisar num hospital", fazendo até mesmo transfusões de sangue e levando pontos em casa, disse Carlo Bava, médico que cuida dela desde que Emma completou 90 anos. Segundo ele, em geral a saúde dela é boa.
Ela parece gostar da nova fama, rememorando pacientemente lembranças para os muitos estranhos que querem ouvir casos de sua vida e das épocas que conheceu. A memória, no entanto, pula décadas inteiras.
Pergunte a ela sobre Mussolini, as guerras mundiais ou qualquer figura política atual ou do passado e ela dará de ombros com indiferença. Suas lembranças são principalmente da vida particular.
- Minhas irmãs e eu adorávamos dançar e sempre fugíamos para o salão de baile, mas nossa mãe vinha nos buscar com uma varinha de bétula -, ela contou há pouco tempo.
Emma nasceu em 29 de novembro de 1899, em uma família de oito irmãos, em Civiasco, vilazinha no Piemonte, no mesmo ano em que Guglielmo Marconi transmitiu um sinal de rádio através do Canal da Mancha e um grupo de investidores fundou a Fabbrica Italiana Automobili Torino, a Fiat.
Ainda pequena, ela se mudou com a família para Villadossola, cidade que antes sediava uma importante empresa de ferro e aço. O clima - úmido e invernos frios - não era compatível com sua constituição, então um médico sugeriu que ela se mudasse para algum local nos arredores do vizinho Lago Maggiore, que divide a Itália da Suíça. Ela escolheu Verbania, bela cidade à beira do lago com clima mais ameno, onde foi trabalhar em uma fábrica, fazendo sacos de juta.
- O médico me mandou trocar de ares e ainda estou aqui -, ela explicou.
Emma somente começou a ganhar fama quando cruzou a marca dos 110 anos e entrou para as fileiras sempre decrescentes de supercentenários, formadas praticamente apenas por mulheres. Ela se diverte em ser objeto de interesse entre pesquisadores do mundo inteiro, que viajam até a cabeceira de sua cama - pois ela não sai mais de casa - para estudar seu estilo de vida e sua genética.
- Ela tem ciência do privilégio de viver -, disse Bava, segundo quem Emma sempre aceitou sem reclamar o processo de envelhecimento e as dores que o acompanham. Ele a visita uma vez por mês, só para dar uma olhada.
- Se todos os meus pacientes fossem assim, eu podia passar os dias lendo jornais -, ele afirmou.