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Protestos na Argentina: entenda crise que uniu aposentados e torcidas organizadas nas ruas de Buenos Aires

Ato acabou com confrontos, prisões e feridos na quarta-feira (12). Queda do poder de compra das pensões motivou manifestação e abriu nova crise na Casa Rosada

Gustavo Chagas

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Luis ROBAYO / AFP
Torcedores de barras bravas apoiaram manifestação de aposentados na quarta-feira.

Manifestações semanais de aposentados argentinos contra o governo de Javier Milei e por melhores condições de renda ganharam o apoio das temidas "barras bravas" na quarta-feira (12). A presença das torcidas organizadas do futebol nas ruas de Buenos Aires, contudo, levou um grande contingente policial às ruas — combinação que provocou violentos confrontos com mais de 40 feridos, sendo um deles em estado crítico.

Na quinta (13), o governo falou que seguirá reprimindo quem fizer protestos como o realizado pelas torcidas, classificados como "uma espécie de golpe de Estado" pela Casa Rosada.

Nesta reportagem, Zero Hora explica o porquê da insatisfação dos aposentados, os personagens de mais uma crise no país vizinho e as possíveis consequências da disputa, meses antes das eleições legislativas, que podem ampliar ou reduzir a força da "motosserra" de Milei.

Aposentadorias

A pensão mínima no país é de 279 mil pesos argentinos, cerca de R$ 1,5 mil, com um bônus de reforço de 70 mil pesos (R$ 380). Para não ficar abaixo da linha de pobreza na Argentina, um adulto precisa de pelo menos 334 mil pesos por mês, o equivalente a R$ 1,6 mil, de acordo com o Instituto Nacional de Estatísticas e Censos (Indec).

A consultoria Abeceb afirma que, atualmente, os aposentados recebem 22,9% a menos do que em janeiro de 2022 e 29,2% a menos na comparação com janeiro de 2017, informou o Estadão.

Além dos valores com pouca margem de ampliação, um dos pontos do ajuste fiscal do presidente Javier Milei, do partido ultraliberal La Libertad Avanza, foi a redução de subsídios (como os aplicados em tarifas de energia e transporte), benefícios sociais e investimentos que elevavam os gastos públicos do país.

Em um cenário de inflação alta, a mudança de postura do governo passou a pressionar o bolso de quem dependia do amparo estatal. O primeiro ano de Milei na Casa Rosada terminou com a inflação em 117,8% (apesar de elevado, o número é 94 pontos inferior ao índice registrado em 2023).

Em meio a isso, o governo alterou a fórmula de cálculo das aposentadorias. No entanto, o mecanismo não seguiu o ritmo da evolução dos preços, explica a Zero Hora o economista Hernán Neyra, professor da Universidade de Buenos Aires (UBA).

— O que fizeram foi atualizar a fórmula depois de um trimestre em que ela não foi corrigida, e foi um dos trimestres com maior queda de valor devido à alta inflação. As aposentadorias perderam, portanto, grande parte do seu poder de compra — analisa.

Outro fator é que políticas adotadas pelo mandatário retiraram travas sobre preços de produtos e serviços do dia a dia da população. Para os aposentados, por exemplo, os reajustes mensais de remédios e planos de saúde causaram fortes impactos nas contas.

— Posteriormente, os valores foram atualizados com o novo índice, mas a aposentadoria já estava baixa, levando a uma diminuição no uso de medicamentos prescritos, por exemplo, devido à incapacidade de compra pelos idosos — complementa Neyra.

Luis ROBAYO / AFP
Aposentada protesta com cartaz contra o presidente Javier Milei.

Em 2024, a Argentina alcançou seu primeiro superávit fiscal desde 2010. O resultado foi comemorado pelo governo Milei.

O resultado foi obtido graças a um corte de 31% na execução orçamentária da administração pública, aponta um estudo do Centro de Economia Política Argentina (Cepa). Saúde, assistência social e ciência foram alguns dos setores mais afetados pelas medidas do governo.

— O superávit financeiro foi sustentado por ajustes brutais nos salários e na renda indireta — afirma Neyra, mencionando os subsídios e benefícios sociais como exemplos de cortes.

Os personagens

Jubilados

Como forma de protesto, um grupo de "jubilados" (como são chamados os aposentados na Argentina) começou a se reunir nas imediações do Congresso, em Buenos Aires, todas as quartas-feiras. As manifestações foram ganhando corpo e, vez ou outra, terminavam em confronto com a polícia.

Um caso em especial levou à participação de um novo grupo na disputa. Um dos idosos, vestindo a camiseta do clube de futebol Chacaritas, se envolveu em um incidente com policiais, sendo agredido na rua. Em solidariedade, as torcidas organizadas declararam apoio aos jubilados.

Diante da insatisfação acumulada há meses, os argentinos tomaram a praça em frente ao Congresso, em Buenos Aires, na quarta-feira.

Ainda na quarta, panelaços se multiplicaram por diversos bairros de Buenos Aires. Durante a noite, moradores saíram em caminhada em um protesto pacífico contra o governo, noticiou o jornal Perfil.

Barras bravas

Conhecidas como "barras bravas", as torcidas dos times de futebol têm forte ligação com círculos sindicais e políticos. O discurso adotado pelas "hinchadas" foi o de defesa dos idosos diante dos ajustes do governo, antes prometidos para atingir o que Milei chamava de "casta".

O envolvimento das barras em atos violentos, dentro e fora dos estádios, levantou alerta entre as autoridades argentinas, que já se preparavam para eventuais conflitos na manifestação de quarta.

Ao longo do dia, lixeiras e carros foram incendiados. Pedras soltas nas calçadas viraram munição, enquanto as forças de segurança agiram com spray de pimenta, gás de efeito moral e balas de borracha. Ao todo, 124 pessoas foram detidas. Segundo o jornal Clarín, 114 delas foram soltas após uma decisão judicial, que também alimentou polêmica no polarizado cenário político local.

Pablo Grillo

Entre os feridos, está o fotojornalista Pablo Grillo, 35 anos, atingido por um projétil de gás lacrimogêneo disparado pela polícia. O profissional está em estado crítico, após sofrer fratura no crânio e perda de massa cerebral.

Grillo estava agachado, tirando fotos, quando foi atingido. O fotografo caiu para trás e foi socorrido por colegas e manifestantes (veja no vídeo abaixo).

Em entrevista ao canal de TV C5N, o pai do fotojornalista, Fabián Grillo, disse que o filho era conhecido por cobrir manifestações.

— Ele era um militante, mas também era um fotógrafo e estava fazendo fotografias de forma independente. Sempre documeta quando há este tipo de atividades — disse.

Amigos foram ao hospital onde o homem está internado para doar sangue.

NICOLAS SUAREZ / AFP
Fotojornalista atingido por policiais perdeu parte da massa cerebral.

Javier Milei

Irredutível, até aqui, nas medidas de ajuste fiscal, Milei não recuou no embate com os aposentados e torcedores. O presidente replicou dezenas de publicações em seu perfil no X (antigo Twitter), com críticas aos manifestantes e defesa das ações policiais.

Após o ato de quarta, a Casa Rosada chegou a dizer que havia sofrido uma "espécie de golpe de estado". Guillermo Francos, chefe do gabinete de ministros (equivalente à Casa Civil, no Brasil), culpou o kirchnerismo pelo envolvimento das torcidas organizadas nas manifestações.

Além das barras bravas, participaram dos atos partidos de esquerda e o movimento La Cámpora, ligado ao deputado Máximo Kirchner, filho dos ex-presidentes Néstor e Cristina Kirchner.

Rompida com Milei, a vice-presidente Victoria Villarruel rebateu o posicionamento do governo. Em fala a jornalistas, conforme o Clarín, ela discordou da hipótese de "golpe de estado" levantada por Francos.

—  Creio que é o exercício da democracia — disse Victoria.

Luis ROBAYO / AFP
Presidente Javier Milei implementa medidas de ajuste fiscal na Argentina.

Patricia Bullrich

Terceira colocada nas eleições presidenciais de 2023, Patricia Bullrich apoiou Milei no segundo turno e virou ministra da Segurança do presidente. Filiada ao partido do ex-presidente Mauricio Macri, do qual também foi ministra, ela é conhecida por ser "linha dura" contra manifestações.

Antes dos atos, Bullrich ameaçou de prisão os torcedores envolvidos e prometeu sanções às barras identificadas. Depois dos distúrbios, a ministra se posicionou:

— Na Argentina, manda a lei, não os barras nem a esquerda.

Juíza Karina Andrade

Na quinta (13), a juíza Karina Andrade ordenou a soltura de 114 dos manifestantes detidos. Na decisão, conforme o Clarín, a magistrada afirmou que as prisões "afetam direitos constitucionais fundamentais, como o direito à manifestação e à liberdade de expressão".

Nenhum dos liberados foi detido por porte de armas de fogo, lesões ou incêndios, destacou a decisão judicial.

A Casa Rosada reagiu e criticou a juíza. O porta-voz de Milei, Manuel Adorni, disse que "a Justiça da porta giratória (em que as pessoas entram e saem com facilidade) é diretamente responsável pela insegurança na Argentina".

Futuro

Os protestos acontecem pouco mais de seis meses antes das eleições legislativas na Argentina. Em outubro, a população vai às urnas para renovar 127 das 257 cadeiras na Câmara de Deputados e 24 das 72 vagas do Senado.

O partido La Libertad Avanza, do presidente Milei, lidera as pesquisas com números que vão de 30% a 40%. O governo, que tem 39 deputados e apenas seis senadores, almeja ampliar sua representação. O kirchnerismo, por sua vez, aparece com índices que variam de 20% a 30%.

Apesar de relativo apoio popular no primeiro ano de governo, Milei começou 2025 enfrentando crises e polêmicas. Em fevereiro, após o ultraliberal fazer declarações contra o feminismo e a comunidade LGBT+, uma marcha pela diversidade tomou as ruas de Buenos Aires. Semanas depois, o presidente promoveu uma criptomoeda que causou prejuízos milionários a investidores argentinos.

Repercussão imediata dos confrontos de quarta, uma greve geral foi convocada pela poderosa central sindical Confederação Geral do Trabalho (CGT). Conforme o jornal La Nación, a mobilização deve ser realizada em abril.

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