Sempre que perguntamos a alguém por que ele gosta de algum lugar, a resposta, em geral, se limita a aspectos físicos e ambientais. Fala-se do clima e da paisagem, da quantidade de água, que é um ponto de encantamento, e, muitas vezes, do pôr do sol, um requinte daquele pedaço do mundo que elegemos gostar de um jeito diferenciado. Mas há lugares que amamos sem que eles tenham algo de bonito e, outras vezes, só não admitimos que eles são escabrosos porque estamos tendenciosamente comprometidos com a determinação de relevar.
Em contrapartida, há lugares lindos que não nos atraem porque há neles uma frialdade que afugenta. São aqueles que fotografamos para registrar que estivemos lá, mas também para reafirmar que nunca mais voltaremos.
Existem outros que atraem e nos quais queremos ficar, porque têm a sedução da mão espalmada e a certeza do abraço sempre disponível, e nada disso cabe na fotografia incapaz de registrar emoção. São aqueles recantos charmosos, sabe-se lá por quê. Em andanças pelo mundo conheci vários desses lugares e, ao percorrê-los, pensei: aqui eu seria capaz de ser feliz.
A Santa Casa, que frequento desde o tempo da faculdade de maneira regular, ainda como estudante em 1968, sempre me atraiu e despertou sentimentos bons naqueles que se acercaram. Felizmente, nunca alguém me pediu que justificasse a paixão. Eu não saberia explicar. Diria, no máximo, que lá eu me sinto bem.
E quando a conheci, com goteiras seguras e assoalhos incertos, era ainda mais difícil entender a razão. Mas sempre soube que a Santa Casa era sedutora, muito antes de ser bonita.
Estávamos no final de 1978, no auge da pobreza institucional, e eu, terrificado com a responsabilidade de, aos 32 anos, chefiar o departamento de cirurgia de um serviço que já tinha um grupo de clínicos renomados.
No meio de uma tarde, atendi no consultório a um grande empresário chileno, de passagem por Porto Alegre, e que apresentou um sangramento pulmonar assustador. Desesperado, ligou para casa e soube pelo médico da família que devia procurar a mim no Pavilhão Pereira Filho e, naquela mesma noite, ele foi operado de urgência após várias transfusões de sangue.
Cinco dias depois, pronto para ir embora, me chamou para uma confissão. "No dia em que internei, assustado e com medo de morrer, me perguntei: por que um grupo tão reconhecido na América do Sul trabalha num hospital tão pobre? Agora, depois desses poucos dias, não sinto mais vontade de perguntar nada, porque já sei a resposta: aqui tem uma coisa boa e eu já gosto muito deste lugar! E queria muito lhe pedir que fizesse o possível para não permitir que ele mude!".
No final do ano, quando nos reunimos para o seminário anual do reconhecimento, que tradicionalmente premia as pessoas dos diferentes setores que se destacaram no cumprimento das metas estabelecidas, contei essa história.
O sentimento que tomou conta do teatro foi um misto de encanto e de euforia, e tudo o mais que se dissesse só serviria para consolidar o que já sabíamos: o laço mais forte que nos une é a determinação de cumprir aquele pedido.
Foi um daqueles dias em que, não podendo abraçar a Santa Casa, nos abraçamos, aliviados pela certeza de que ninguém nos interromperia para discutir as razões do encantamento.
Confiamos mais nos sentimentos que não precisamos explicar.