Já ensinaram que você precisa fazer exercício físico, cuidar da alimentação, moderar no álcool e ficar longe do cigarro. Está todo mundo nessa luta. Mas e se dissessem que para levar uma vida realmente saudável você também tem de controlar a luz a que se expõe? Que deve fazer uma espécie de dieta da luz, cortando um iPad aqui e apagando uma lâmpada ali? Pois é exatamente isso que uma quantidade crescente de investigadores das conexões entre saúde e iluminação está sugerindo.
O problema é que você vive no século 21, mas seu corpo está na Idade de Pedra. Durante milhões de anos, o organismo evoluiu para funcionar em sincronia com o ciclo solar - luz de dia, escuridão à noite. Dominamos o fogo há 250 mil anos, criamos as velas há cinco milênios e começamos a ter lampiões a gás no século 18, mas o básico não mudou: por todo esse tempo, o padrão era acordar com o canto do galo e dormir com as galinhas.
Então veio a luz elétrica, há pouco mais de um século, e tudo se transformou. Pense em como a sociedade funciona agora. Durante o dia, mal se vê a luz do dia. Nas horas em que nossos antepassados passavam ao ar livre, nós permanecemos enclausurados sob iluminação artificial. Ao anoitecer, quando eles iam para a cama, continuamos despertos, debaixo de lâmpadas e diante de fontes de luz como TVs e computadores. O corpo continua o mesmo, mas implodimos o velho esquema.
- No passado, as pessoas dormiam às 19h, 20h. Agora, até as crianças ficam acordadas até as 23h. Como todas as nossas funções biológicas são controladas pela ausência ou presença de luz, há uma disfunção geral do indivíduo - preocupa-se o pesquisador da Universidade de São Paulo Roberto DeLucia.
A consequência mais imediata da alteração no comportamento acontece no sono. Ficar exposto à luz artificial à noite reduz o tempo que passamos dormindo - e nunca dormimos tão pouco. A pesquisadora Frida Marina Fischer, também da USP, participou de um estudo em que jovens foram colocados debaixo de uma lâmpada forte por 20 minutos. Foi o bastante para que eles tivessem redução da sonolência.
- A luz é um importante fator de redução da sonolência. E dormir menos faz mal - avisa.
Pouco quando deve ser muito e vice-versa
Mas a questão é mais complicada do que dormir pouco. Começou-se a perceber isso a partir de um mistério. Em 1923, o cientista Clyde Keeler observou que, diante de uma lâmpada, as pupilas de ratos cegos também se contraíam. Quer dizer: eles não viam, mas sabiam que a luz estava ali. O enigma só foi desvendado 75 anos depois, quando se identificou na retina um receptor, a melanopsina, cuja função não é fazer ver, mas detectar a luz e informar se é dia ou noite ao nosso relógio biológico.
Esse mecanismo interno funciona em um ciclo de pouco mais de 24 horas, o ritmo circadiano. É a luz detectada pelos fotorreceptores que o mantém ajustado, levando cada órgão ou função do corpo a cumprir suas tarefas na hora certa. Se não recebemos luz suficiente de dia ou ficamos expostos a iluminação à noite, nosso relógio fica maluco.
Há uma variedade de estudos sugerindo que isso pode levar a doenças. A neuroscientista americana Tracy Bedrosian achou uma conexão entre exposição noturna e depressão.
- Quando nos expomos à noite, o ritmo circadiano fica desregulado, o que está relacionado a desordens de humor, defeitos no metabolismo e certos tipos de câncer. O aconselhável é evitar luz intensa antes de dormir - diz Tracy.
A recomendação de especialistas é aproximar-se do padrão de luz do passado: manter menos lâmpadas acesas e cortar eletrônicos à noite. A receita também se aplica ao comportamento diurno. Suspeita-se que não estejamos recebendo suficiente luz do sol. Samer Hattar, cientista que ajudou a entender a melanopsina, advoga esse regime:
- Devemos nos expor à luz nos momentos certos do nosso ciclo. Ir à rua durante o dia e ficar sob a luz do sol.
E então a saúde se fez, como diria um certo livro.
Efeitos são sentidos por crianças e idosos
Os mais novos e os mais velhos estão sujeitos a pagar um preço pelo padrão de exposição à luz - os primeiros por excesso, os últimos por escassez. No caso de crianças e adolescentes, pode-se tomar como parâmetro a pesquisa que Márcia Finimundi Nóbile fez para seu doutorado com 1,3 mil estudantes de Farroupilha. Ela observou que os alunos classificados como vespertinos (aqueles que tendem a acordar mais tarde) têm rendimento escolar inferior ao dos matutinos, não importa o turno de aula. Um dado chamou a atenção: enquanto os matutinos gostam de ocupar o tempo com esportes, mais da metade dos vespertinos relata uso noturno de internet.
- Por causa do esporte, pode ser que o matutino receba mais luz natural, ajudando no rendimento. O vespertino, que tende a dormir mais tarde, atrasa ainda mais o relógio biológico por causa da luz do computador. Seria importante que ele não tivesse essa exposição - avalia Márcia.
No caso dos idosos, uma dificuldade é o desgaste do olho, que limita a luz que alcança os fotorreceptores na retina. Para receber a quantidade certa, eles precisariam de um tempo de exposição mais prolongado. Mas é o contrário que ocorre. Idosos tendem a sair menos para a rua. Entre as consequências estariam distúrbios do sono, estados de depressão e queda na imunidade. Um estudo com idosos japoneses que tinham catarata, condição que bloqueia a luz, mostrou que depois de operados eles apresentavam ganhos não só na visão, mas também no humor e no raciocínio.
Para contrabalançar a dificuldade enfrentada pelos mais velhos, a brasileira radicada nos Estados Unidos Mariana Figueiro (veja entrevista) desenvolveu um projeto de iluminação específico para lares geriátricos:
- Usamos uma luz que é para aquário, que tende a ser mais azulada. O resultado é impressionante. Eles estão dormindo melhor, menos agitados e menos deprimidos.
Uma série de soluções começam a ser desenvolvidas para driblar danos que a iluminação pode causar. Em alguns países, há no mercado óculos que bloqueiam parte da luz azul, para usar diante do computador. Também são populares softwares que prometem diminuir a intensidade e modificar a cor que sai das telas. Outra abordagem é ministrar melatonina sintética a trabalhadores noturnos, para eles dormirem de dia, e também a pessoas com insônia.
- Nos Estados Unidos, há crianças que tomam melatonina toda noite para dormir. A maioria dos pesquisadores entende que antes da puberdade isso pode ser perigoso - afirma a professora Claudia Moreno.
Outra linha de pesquisa envolve o desenvolvimento de luzes mais saudáveis. A ideia é encontrar uma alternativa à luz azul amplamente usada em eletrônicos. O pesquisador Charles Hunt, do departamento de engenharia elétrica da Universidade da Califórnia (EUA), vê obstáculos pela frente:
- A luz azul de LED é muito usada por ser eficiente. A comunidade de pesquisa está interessada em achar alternativas mais saudáveis. Mas o departamento de energia dos Estados Unidos, alguns elementos da indústria e grandes empresas de iluminação parecem desinteressados em uma solução neste momento, porque foi feito um grande investimento na tecnologia atual e eles esperam ter o retorno disso.
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Déficit de sono
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) estão concluindo um estudo que comparou seringueiros do Acre que têm e que não têm energia elétrica em casa. O resultado impressiona. O grupo servido por eletricidade dorme em média de uma hora e meia a duas horas mais tarde. Mas acorda no mesmo horário.
- Esses com energia na verdade só têm umas poucas lâmpadas. Não é gente com computador e TV. Mas essa pouca luz artificial já é suficiente para atrasar o início do sono - observa a professora Claudia Moreno, responsável pelo estudo.
Para quem tem uma parafernália de diversões luminosas em casa, o efeito pode ser mais dramático, com o sono empurrado para mais tarde. Pesquisas americanas indicam que hoje se dorme cerca de 20% menos do que há um século. O déficit de sono como consequências, além do cansaço, queda de produtividade, falhas da memória, maior possibilidade de cometer erros e excesso de ingestão de comida. Dormir oito horas alivia o estresse, por outro lado, eleva o humor e melhora as funções cognitivas.
Trabalho noturno
Estudos apontam que as pessoas mais sujeitas a sofrer com a exposição inapropriada à luz são os trabalhadores noturnos. Além de estarem mais propensos a acidentes de trabalho, eles apresentam, no longo prazo, risco maior de desenvolver enfermidades como diabetes e certos tipos de câncer, além de problemas no coração e obesidade. Uma pesquisa feita em Cubatão (SP) pelo psicofarmacologista Roberto DeLucia, por exemplo, mostrou que operários de jornada noturna usavam mais medicamentos do que os que trabalhavam durante o dia.
- Trabalhar à noite faz mal. E ponto - afirma a professora Claudia Moreno.
Acredita-se que razão disso é o fato de que esse trabalhadores, como recebem luz à noite e dormem de dia, não produzem melatonina, o hormônio que induz ao sono e que regula várias funções biológicas, porque ela só é secretada em situação de repouso e no escuro. Por isso, quando chega o dia, dormem cerca de duas horas a menos do que o esperado. Nos Estados Unidos é usual ingerir melanina sintética para dormir.
Depressão sazonal
Um efeito bem conhecido do impacto que a falta de luz pode desencadear nos seres humanos são os quadros depressivos comuns em países próximos ao polo no inverno. Durante a estação, as horas de sol são escassas. Quando as pessoas saem de casa, ainda é noite. Quando voltam do trabalho, já é noite de novo.
O problema está relacionado a alterações bioquímicas no organismo, desencadeadas pela menor quantidade de luminosidade. Em países europeus e da América do Norte, essa condição costuma ser tratada com banhos diários de luz intensa, em casa.
Há indicações de que a saúde mental também é influenciada pela luz em outras condições. Um estudo feito na Itália detectou que pacientes com transtorno bipolar que estavam internados em quartos voltados para o leste - que recebiam a luz da manhã - tinham alta em média quatro dias antes dos que os que ficaram acomodados do outro lado do edifício.
- Hoje a luz já é usada para tratar muita coisa - afirma a pesquisadora da USP Frida Marina Fischer.
Diabetes e câncer
A luz é boa para a saúde, mas durante o dia. Absorvida à noite, pode ser nociva. Uma das enfermidades que costumam ser associadas a alterações no ritmo circadiano é o diabetes. Um estudo demonstrou que, depois de quatro dias dormindo cinco horas por noite, ocorre no organismo uma elevação expressiva da quantidade de glicose, deixando o indivíduo em um estado pré-diabético. Também caem os níveis de um hormônio que faz as pessoas se sentirem satisfeitas depois de uma refeição - a obesidade é outra condição vinculada.
Um relatório publicado em 2007 por um conjunto de especialistas afirma que há evidências "limitadas mas muito consistentes" em suporte à hipótese de que a iluminação pode desempenhar um papel como causa de câncer de mama". O trabalho também cita conexões com outros males: "Pode não ser coincidência que o aumento do câncer de mama e de próstata, a obesidade e o aparecimento precoce de diabetes tenham acompanhada as mudança dramáticas na quantidade e no padrão de luz artificial gerada durante dia e noite".