Chega o final de semana e, com ele, a velha desculpa de iniciar a dieta na segunda-feira. No sábado e no domingo, excessos estão liberados. Mas eis que começa a semana e, junto à motivação para emagrecer, a angústia: será que vou conseguir manter a dieta até perder os quilos indesejados? A contar pela animação do primeiro dia, sim. Conforme o tempo passa, vai ficando cada vez mais difícil. Aquele cheiro de pão recém saído do forno começa a parecer tão irresistível, que logo a força de vontade cede à tentação.
A eterna luta contra os quilinhos a mais não é nova, e as dietas rápidas há muito se mostraram ineficazes para ajudar a manter o peso ideal. Somente no Brasil, mais de 27 milhões de pessoas estão acima do peso. No esforço para reduzir a epidemia de obesidade no mundo, a ciência tem se dedicado a descobrir por que é tão difícil emagrecer. Alguns culpam a preguiça, outros, a gula. Mas os estudos indicam que os mecanismos da fome são tão complexos que nenhuma dieta mágica é capaz de controlá-los. Entender os hormônios que atuam na regulação do apetite e conhecer melhor o seu corpo ainda é, conforme especialistas, a melhor forma de fazer as pazes com a balança.
Assim como um carro precisa de combustível para andar, o corpo humano necessita de energia para funcionar. A analogia pode parecer simples, mas se pensarmos na complexidade do motor de um veículo, podemos ter uma ideia da complicada rede de sinalizadores, canais e receptores que envolvem o mecanismo da fome. Vários ógãos do corpo avisam o hipotálamo, região do cérebro onde é regulada a fome e o apetite, se precisamos ou não de comida. A identificação da leptina, hormônio secretado pelas células de gordura, foi um marco na pesquisa da obesidade. Conforme a endocrinologista Helena Schmid, professora da Faculdade de Medicina da UFRGS, a quantidade de leptina indica o quanto temos de gordura acumulada. Altas concentrações deste hormônio avisam o cérebro que nossas reservas energéticas estão altas e, assim, sentimos menos fome. Isso funciona bem para alguns, mas não para todos. Pessoas que estão acima do peso, na maioria das vezes, apresentam resistência à ação da leptina, que não é reconhecida pelo cérebro. Logo, comem mais do que precisam.
Você acaba de almoçar e está se sentindo tão satisfeito que deixa de lado o resto de feijão e arroz no prato. Mas, lá da cozinha, começa a vir aquele cheiro de bolo com cobertura de chocolate. Mesmo de barriga cheia, o desejo pelo doce é tamanho que você não resiste. Enquanto saboreia a guloseima, experimenta uma forte sensação de felicidade. Poucos minutos depois do prazer, é invadido pela sensação de ter comido mais do que deveria.
O que nos leva a comer mesmo sem fome tem sido estudado por pesquisadores de todo o mundo. Ao que tudo indica, o cérebro é um dos principais vilões nessa história, já que associa a comida não somente à fonte de energia, mas também de conforto, alívio do estresse e até de felicidade.
- O alimento pode ser um refúgio, uma carícia, um vício. A vontade de comer pode estar associada à "fome emocional", em que há dificuldade em identificar e reconhecer estados emocionais, como frustrações, sentimentos de fracasso, raiva, tristeza, como atenuante da solidão, entre outros - explica a psicóloga Rosemary Viana, da equipe de cirurgia bariátrica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.
Entender a diferença entre a fome e o desejo de comer pode ser o primeiro passo para manter o peso ideal. Conforme a nutricionista Mariana Steffen Holderbaum, do Centro de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital São Lucas da PUCRS, existe uma grande diferença entre estas duas sensações. Enquanto a fome é instintiva e desencadeada pela ação de hormônios que são estimulados quando o corpo sente falta de nutriente, o desejo de comer pode ser provocado por diferentes estímulos, como o olfato e a visão.
- A vontade de comer pode dar-se independentemente da necessidade de nutrientes do organismo. A busca pelo consumo de açúcar, por exemplo, ocorre porque ele induz o corpo a produzir serotonina (o hormônio responsável pela sensação de prazer), o que resulta em uma sensação de bem-estar temporário, trazendo uma falsa ideia de conforto e satisfação - complementa a especialista.
Uma forma de identificar o que sentimos quando temos vontade de comer é pensar em outras comidas. Para saciar a fome, qualquer alimento serve, inclusive aqueles que não nos apetecem tanto. Na próxima vez que você se deparar com aquele cheirinho irresistível de pastel frito, antes de abocanhar a guloseima, não esqueça de se perguntar: estou realmente com fome, ou apenas com vontade de comer?
OS CULPADOS
> Nem sempre aquele ronco na barriga é sinal de fome. Mas é o estômago, sim, quem dá o primeiro alerta da hora de abrir a boca. E quem vai comandar essa jogada no organismo é o cérebro, mais especificamente, o hipotálamo
PRIMEIRO AVISO
> Imagine que você acorda atrasado. Aperta o soneca, cai da cama e pula o desjejum para não se atrasar. O estômago, por estar vazio, começa a produzir um hormônio chamado grelina
A NECESSIDADE
> A grelina será a responsável por estimular áreas do hipotálamo que, ao receber a informação de que o estômago está vazio, mandarão o recado para que células nervosas espalhem a SENSAÇÃO DE FOME, nome da necessidade fisiológica por alimentos que trarão energia para as funções vitais do corpo
SEM PRESSA
> Hora do lanche! A distenção gástrica do estômago é o primeiro sinal de que, pelo menos por enquanto, o órgão está cheio. O sistema nervoso leva em torno de 20 minutos para entender isso. Coma devagar!
TCHAU, APETITE
> Depois de ingerida, a comida ruma ao intestino. No duodeno, a presença de proteínas e gorduras estimula a ação da colecistoquinina (CCK) que, junto à distensão abdominal, é a maior responsável pela inibição da ingestão alimentar em curto prazo
RECADO ENTENDIDO
> Quando os alimentos chegam ao intestino grosso, os hormônios PYY e GLP-1 ajudam a reforçar a mensagem de que é hora de fechar a boca
FALHA NA COMUNICAÇÃO?
> Além disso, um hormônio produzido pelas células de gordura desempenha um papel importante no apetite. Quanto mais alta a concentração de leptina, mais alta a reserva energética. Nesse caso, comemos menos. Os mais cheinhos apresentam maior resistência à ação da leptina e acabam comendo mais
FIM OU RECOMEÇO?
> Os hormônios da saciedade ficam na circulação sanguínea por cerca de três horas. E lá vem a fome. De novo!
NÃO SE ENGANE PELO RONCO
Comer a cada três horas ajuda a manter o peso estável. VERDADEIRO
- Conforme a endocrinologista Helena Schmid, comer pequenas porções de alimentos com baixas calorias a cada três horas faz com que o alimento seja reconhecido no intestino, e o centro da fome, no hipotálamo, é inibido antes que o indivíduo coma em excesso.
Sentimos mais fome no inverno. VERDADEIRO
- No inverno, o corpo tem de produzir mais calor para ficar aquecido e, por isso, necessita buscar fontes extras de energia. Estas serão supridas por uma maior ingestão calórica, explica a endocrinologista.
Já nascemos com paladar definido. FALSO
- Conforme a nutricionista Mariana Holderbaum, o paladar é bastante adaptável, e é formado a partir das experiências que temos desde a infância. Se nos acostumamos a comer saladas e frutas, apreciaremos estes alimentos mais do que alguém que tem por hábito comer doces e frituras, por exemplo. Quem quer mudar a forma de se alimentar deve acostumar aos poucos o paladar ao que é mais saudável. Com o tempo, eles vão se tornando cada vez mais prazerosos.
Quando o estômago ronca, quer dizer que estamos com fome. FALSO
- O famoso ronco na barriga ocorre quando líquidos e gases se movimentam no trato intestinal, e isso não necessariamente quer dizer fome. Estamos acostumados a associá-lo à fome porque quando a pessoa está em jejum e o organismo percebe que está precisando de alimento, o estômago começa a produzir um ácido que estimula contrações musculares do intestino, o que pode provocar ruídos.
Depois de comer, temos de esperar cerca de 20 minutos para ver se ainda estamos com fome. VERDADEIRO
- Para ocorrer a sensação de saciedade, as células do íleo intestinal necessitam receber a informação de que quantidades suficientes de nutrientes estão atingindo as suas bordas. Estas células secretam, então, um hormônio que informa o hipotálamo que já ingerimos calorias o suficiente. O alimento demora cerca de 20 minutos para chegar ao íleo.
Pular uma das refeições ajuda a perder peso. FALSO
- Para perder ou manter o peso, especialistas recomendam evitar ao máximo pular refeições, já que, quando comemos, damos permissão ao corpo para gastar parte da energia que temos acumulada. Quando ficamos muito tempo sem comer, o corpo reprograma o metabolismo para funcionar mais devagar e acumular o máximo de energia possível.