Técnica com uma longa história, a hipnose alcançou popularidade e maior status terapêutico no século 19, sendo fundamental para que Sigmund Freud elaborasse sua teoria sobre o inconsciente. Uma série de usos sensacionalistas - incluindo shows com o objetivo de entreter a plateia - contribuíram para que o método passasse a ser visto por alguns como uma forma de terapia ultrapassada.
A hipnose para fins de tratamento, no entanto, está viva. Ainda é vastamente usada para auxiliar no enfrentamento de problemas, como dor crônica, fobias, dependência química e obesidade. E ganha cada vez mais força à medida que novos estudos conseguem mostrar como ela atua sobre o cérebro. Essas pesquisas, além de fornecerem evidências da eficácia da técnica, têm ajudado a desfazer muitas ideias equivocadas, como a de que alguém hipnotizado entra em um estado semelhante ao sono.
O psiquiatra David Spiegel, um dos especialistas mais empenhados no estudo do tema, explica que os pacientes, de fato, entram em uma espécie de transe. Mas, longe de ficarem adormecidos, eles atingem um estado de alta concentração.
- É como se a pessoa estivesse muito focada em um filme ou livro e se esquecesse de tudo que está ao redor - explica Spiegel, diretor do Centro de Medicina Integrada da Universidade de Stanford, nos Estados Unidos.
Por isso, a técnica pode ser utilizada como uma ferramenta para impulsionar o desempenho em atividades como o esporte. O especialista conta que um de seus alunos, integrante do time de futebol da universidade onde trabalha, descreveu ter melhores resultados quando conseguia deixar a mente livre de pressões externas e focar apenas na bola e no adversário.
- Esse é um ato formidável de concentração, considerando que o jovem está no campo com outros 20 jogares muito fortes - observa o professor.
Diferentes análises já comprovaram que a hipnose não se parece nada com o sono. Uma revisão de 41 estudos realizada por uma equipe da Universidade de Liege, na Bélgica, constatou que a maior parte dos pacientes descreve um estado alterado de consciência com maior grau de absorção de informações específicas. Nesses momentos, o fluxo sanguíneo cerebral aumenta em 16%, principalmente nas regiões occipital e temporal, responsáveis pelo processamento visual e auditivo.
Cores
A força da hipnose parece residir também na forma como o cérebro interpreta as sugestões dadas pelo terapeuta. Em um experimento conduzido por Spiegel, voluntários foram expostos a figuras pintadas em tons de cinza. Após serem hipnotizados, eles eram instruídos a enxergar cores nas ilustrações. Como é comum ocorrer com as pessoas nesse estado, os participantes passavam a ver o que era sugerido. O mais curioso, porém, é que exames de tomografia apontaram que as regiões do cérebro diretamente ligadas à percepção de cor foram realmente ativadas, embora Spiegel não saiba explicar por que o cérebro parece acreditar na cor inexistente.
Nem todas as áreas cerebrais, contudo, apresentam maior estimulação durante o estado hipnótico. Algumas, na verdade, sofrem o efeito oposto, ficando menos ativas. Isso acontece, por exemplo, com o córtex cingulado anterior (relacionado ao processamento da dor, entre outras funções), o córtex pré-frontal e dorsolateral (ligado a tomada de decisões morais e de risco) e tronco cerebral (ritmo cardíaco, respiração e dor). Não é de se espantar, portanto, que a técnica ajude pacientes a enfrentar melhor quadros de ansiedade e dor, por exemplo.
O grupo de pesquisadores de Liege, por exemplo, constatou em um estudo com 337 pacientes que, aliada à sedação intravenosa, a hipnoterapia proporciona maior alívio da dor e da ansiedade em pacientes submetidos a cirurgias.
Segundo especialistas, estudos como esse mostram que não só as estratégias medicamentosas, mas também as psicológicas, podem modular áreas do cérebro que participam do processamento de estímulos nocivos e diminuir significativamente a sensação de dor nos pacientes. Ainda não foram encontrados riscos para o tratamento com hipnose.
No entanto, o psicólogo clínico brasileiro Benomy Silberfarb, autor de Hipnoterapia cognitiva (Vetor Editora), diz que alguns pacientes não são suscetíveis ao tratamento porque não conseguem confiar plenamente nas instruções do especialista. Ele ressalta ainda que há um certo perigo para pessoas com epilepsia, porque as ondas cerebrais desses indivíduos têm um ritmo diferente.
- Portanto, para esses pacientes, há uma restrição já que essas variações podem gerar problemas, como convulsões -esclarece o psicólogo.
De toda forma, os especialistas concordam que, embora não seja um remédio para todos os males, a hipnose é uma ferramenta útil à medicina moderna.
- Nosso cérebro possui um papel poderoso no controle da dor, da ansiedade e de muitos outros problemas. De fato, muitas vezes, a cura depende apenas de nós mesmos. O cérebro é o remédio natural do corpo humano - diz Spiegel.
Charcot Freud se encantou com o poder da hipnose ao participar de um curso com Jean-Martin Charcot, um importante médico francês que utilizava a hipnose como um método contra diversas doenças psíquicas, principalmente a histeria, forma como a medicina da época chamava os quadros de pacientes que apresentavam sintomas como cegueira ou paralisia sem que houvesse uma causa clara.
- Ao voltar para Viena, Freud adotou a terapia para que pacientes recordassem situações traumáticas. No entanto, ele abandonou a hipnose porque os pacientes não se lembravam do que acontecia nas sessões. Ele preferiu, então, tratá-los lúcidos - conta Aloysio Augusto d'Abreu, presidente da Federação Brasileira de Psicanálise (Febrapi).
Deus grego
O termo hipnose foi cunhado, no século 19, pelo médico escocês James Braid, que definiu o estado como uma condição de "sono do sistema nervoso". O nome vem do deus grego do sono, Hypnos. Tempos depois, no entanto, o próprio Braid percebeu que o fenômeno era marcado, na verdade, por intensa atividade mental.