Quase todos os tumores curáveis são assintomáticos e representam achados ocasionais de revisões programadas.
Nesses casos, a notificação do diagnóstico e a condução do tratamento exigem do médico uma abordagem serena e madura, sem eufemismos e metáforas, em que a apresentação do problema ao paciente, num nível de entendimento facilmente compreensível, deve manter vívida a esperança de cura.
A escolha das palavras adequadas e o jeito determinado de anunciá-las facilitam a comunicação do que deve ser feito, sem discussão de dados estatísticos inúteis e sem a transferência da escolha do melhor procedimento para o paciente, que se não bastasse ser leigo no assunto, ainda está assustado com a ideia da morte.
O cirurgião sabe que escolheu as palavras corretas quando o paciente, munido das informações básicas, se antecipa, dizendo: "Então temos que operar, não é doutor!?"
Quando a proposta de tratamento recomendado é a verdade sem maquiagem, a conversa é tranquila para os dois lados.
Muito mais difícil quando se debate alternativas de tratamento que servem apenas para fazer o futuro menos tormentoso.
A escola americana, focada na medicina defensiva, (o que é bom reconhecer), não é fruto de geração espontânea, mas nasceu de milhares de processos médicos por qualquer coisa que parecesse má prática, anuncia a verdade em toda a extensão, num cruel exercício de independência com o sofrimento do doente, que, afinal, é o proprietário da sua doença.
A razão desse comportamento hostil? Muitos desses processos são desencadeados pela acusação de informações omitidas do paciente e que poderiam, no tempo adequado, ter resultado em melhor planejamento econômico de sua família.
Ninguém pode negar que, com a proliferação de ações indenizatórias, os médicos devem adotar uma atitude mais autoprotetora, mas sempre haverá espaço para a generosidade e a candura.
E, neste terreno pantanoso, antes de ser catastrófico, o médico deve submeter-se a duas premissas:
- Nem sempre a verdade lavada é a melhor coisa que se pode oferecer a alguém.
- A negação é um elemento fundamental no nosso kit da sobrevivência.
Por outro lado, o médico que se deu ao encanto de gostar do seu paciente como pessoa, passa a protegê-lo e, instintivamente, a economizar notícia ruim.
Num final de um agosto muito frio, o Waldemar estava outra vez internado, agora com várias lesões ósseas que lhe provocaram o colapso de uma vértebra torácica e uma dor de difícil controle.
Com o desfecho se aproximando, falávamos de tudo e do futuro, como se houvesse.
Uma noite, ajustada a dose do analgésico e encontrada uma posição de apoio com um travesseiro entre os joelhos, a dor passou, e ele contou da volta prevista do neto querido, que estudava em Londres, e da alegria que seria o Natal com todos em casa.
Depois de encarar o vazio por um tempo, se animou a perguntar: "Você acha que eu vou estar vivo em dezembro?"
Como o "claro que sim", saiu muito rápido, ele se aproveitou: "Meu querido! Passe para este outro lado da cama, sente na minha frente e, por favor, me minta mais!"