Ao longo de mais de uma década convivendo intensamente com atletas de todos os perfis, com níveis de condicionamento bem distintos, tiro uma série de lições e conclusões, baseadas na simples observação das suas trajetórias e, claro, nos inúmeros depoimentos e histórias mirabolantes. Talvez o que mais me intrigue, dentro desse rico universo, é saber a motivação que tantas pessoas têm para seguir treinando e superando limites ano após ano - mesmo que dificuldades monstruosas surjam no meio da longa (e sempre íngreme) estrada. Falo isso porque quem diz que é fácil está mentindo. Como prega a famosa Lei de Murphy, "não importa onde você vá, sempre será ladeira acima, com o vento contra".
O que, afinal, nos leva tão longe? Que força interna é essa que não nos deixa parar, mesmo cansados, mesmo com muita dor, exaustos? Como será possível correr uma maratona após a outra - ou mais do que isso, no caso das ultramaratonas (provas acima de 42 quilômetros) - e, após correr horas ou até dias a fio, só pensar na próxima corrida? Que "raça" é essa de super-humanos?
É o que procuro (e consigo, mesmo que seja uma tarefa complicada para muitos) descobrir ao conhecer sujeitos como o Antônio. Com um sobrenome que faz jus a sua coragem, "Dos Reis", esse senhorzinho de 72 anos é um fenômeno. Em dezembro passado, o gaúcho de Campo Bom foi até a praia do Guarujá, em São Paulo, para participar, ao lado de apenas outros 33 atletas, das 48 Horas do Atlântico. Como o nome diz, sim, são dois dias inteiros correndo. Só participam "doidos de pedra" como Antônio. Sabe qual a distância que essa fera marcou? 252,8 quilômetros. É como ir de Porto Alegre até Caxias e voltar. Ou como sair da Capital, dar uma olhadinha em Capão da Canoa e retornar. Em linha reta, daria para ir até Pelotas a pé. Dá para acreditar?
A cada prova de que participo, em cada conversa durante treinos, a cada cidade que visito para correr, encontro personagens inesquecíveis como o "vovozinho" ultramaratonista. Gente que me conta que superou doenças correndo, que curou depressão, problema de coluna, diabetes, sobrepeso e até câncer com a ajuda do esporte. Impossível não se emocionar ao ver a cara de alegria desses atletas anônimos, ao descobrirem uma nova forma de viver. Parece exagero, mas muitos confessam que "renasceram".
No final de semana que vem, dia 25 de janeiro, centenas de viciados em colecionar histórias como essas irão madrugar para participar da décima
edição da Travessia Torres-Tramandaí (TTT), tradicional corrida que, mais uma vez, tomará as areias do litoral norte gaúcho.
Para quem estiver passando o final de semana na orla, não deixe de conferir de perto o evento, que se inicia às 6h, em Torres, e contará com uma legião de "loucos" de todos os naipes: dos "super-humanos" ultramaratonistas aos que gostam de distâncias menores. Em comum a todos eles, pode ter certeza: está a vontade de ultrapassar barreiras, superar limites e, da forma mais simplificada e verdadeira, sentir o sangue correr nas veias. Sentir-se vivo é, na essência, a alma de todo corredor.