A irmandade dos leitores inveterados pode ser desorganizada e aleatória, mas existe e, com frequência, identifica-se sem apresentações formais. E esses viciados, que não conseguem dormir sem ao menos um parágrafo que lhes entorpeça com a magia das palavras, estão sempre procurando saber o que os outros estão lendo.
Essa compulsão, desde há muito, impõe-me uma espiada na mesa de cabeceira dos pacientes, em busca de um título que, por favor, nos aproxime ainda mais, porque, afinal, não há como negar empatia instantânea se descobrirmos, por exemplo, que aquele tipo, apesar de meio casmurrento, lê Philip Roth. Lembro que uma vez deparei com um velho muito fofo, enrolado em uma manta de cashmere, lendo absorto O Afogado mais Bonito do Mundo, uma das minhas pérolas preferidas do Gabriel García Marquez, e o surpreendi com um abraço efusivo.
Uma noite dessas, em um jantar de confraternização, descobri que um dos professores homenageados é membro da irmandade. Contou-me que precisava relatar uma experiência que tinha a ver comigo. Internara uma paciente jovem, inteligente e bonita, com um segundo câncer em marcha acelerada e sem resposta à quimioterapia. Todos entenderam que aquela seria a sua última internação.
Na primeira visita, percebeu que ela tinha em mãos o meu último livro, A Tristeza Pode Esperar, que lia com sofreguidão. A partir desse dia, a visita ao fim da tarde sempre terminava com ele lendo duas ou três das crônicas que ela selecionava. Quando a doença avançou, e falar dela se tornou insuportável para os dois, refugiaram-se na leitura de novas crônicas e se despediam com a promessa de que recomeçariam no dia seguinte.
Ao contrário da tristeza, a enfermidade e a sua bagagem de sofrimento não pareciam nem um pouco interessadas em esperar. E assim chegou o momento em que ela, decididamente, propôs ao clínico assistente que a sedasse, cansada que estava do desespero da dor sem redenção e sem futuro.
Quando o professor chegou para a visita da tarde, ela dormia placidamente, embalada por uma dose generosa de morfina, em gotejo contínuo. Na cabeceira da cama, uma irmã, empunhando uma sacola amarela da Livraria Saraiva, tinha a última recomendação, dada imediatamente antes do início da sedação, que ela própria, corajosamente, comandara: "Entregue este livro ao meu doutor, e peça desculpas porque não consegui esperar para que terminássemos de lê-lo juntos. Ele fará isso por nós dois".
Ouvindo-o contar essa história com um brilho de pré-lágrima no olho, foi fácil confrontar seu sofrimento com aqueles muitos dias que chegamos em casa com a sensação dilacerante de que nos arrancaram pedaços vivos de afeto, sem reposição. E no dia seguinte, na falta de alternativas mais doces, recomeçamos. Subtraídos.