Nada mais correto do que medir o grau de civilidade de um povo pelo respeito às leis de trânsito. Em muitas cidades que visitei no Exterior, invejei a educação dos motoristas - e também dos pedestres - e o quanto isso contribui para dar sensação de segurança em qualquer local que se vá. Essa experiência me dá condições de comparar, e lamentar, o quanto estamos desajustados e regredindo a cada dia. Basta conferir a situação caótica nas ruas e nas estradas e o número assustador de acidentes. Segundo o Ministério da Saúde, a cada ano, mais de 43 mil brasileiros morrem no trânsito, e cerca de 179 mil ficam feridos ou são hospitalizados.
Uma carnificina, com a qual já estamos até acostumados a lidar. Apenas lamentamos, enquanto uma legião de zumbis amargará, para sempre, a perda de familiares e amigos queridos vitimados, em sua maioria, pela imprudência e desrespeito a regras básicas, como obedecer limites de velocidade, não ultrapassar em local proibido e dirigir sóbrio.
Toco nesse assunto em uma época efervescente, na qual parecemos baratas tontas em metrópoles como Porto Alegre. Carros, motocicletas, ônibus e caminhões de todas as marcas, tamanhos e estilos disputam espaço com pessoas de carne e osso, sendo que as máquinas, em território brazuca, são sempre prioridade. Quer andar de bicicleta? Vá pra ciclovia, mas cuidado, porque pode ter um carro invadindo a área demarcada - ou uma mureta obstruindo seu caminho. Quer correr? Fica ligado, porque uma motocicleta pode querer manobrar em plena calçada e te atropelar, e, claro, fugir após o ocorrido. Afinal, o "piloto" está devendo para a polícia, não tem carteira de habilitação e tem duas entregas para fazer.
Aliás, tenho plena certeza que viraremos a Índia. Motos voarão sobre nossas cabeças. Teremos estádios maravilhosos para a Copa, avenidas iluminadas e ruas alargadas. As calçadas deixarão de existir, pois _ santa ingenuidade, Batman! _ para que caminhar nas ruas? Um carro por pessoa, essa será a média. Banidos do espaço público, os cidadãos que desejarem se deslocar a pé serão xingados e chamados de contraventores.
Pode ser até engraçado imaginar um mundo desses, de uma forma tão exagerada. Mas vale a reflexão: será que não estamos, mesmo inconscientemente, aceitando e colaborando para transformar nossas cidades num emaranhado motorizado? Quem aí prefere deixar o carro na garagem e usar transporte público ou caminhar algumas quadras em vez de "ir rapidinho" de quatro rodas? Pedir carona para o colega de trabalho, nem pensar?
Se há algo a evoluir urgentemente, esse algo é a educação e a fiscalização no trânsito. No início de dezembro, quando fui atropelada em cima da calçada por uma moto e fui parar no Hospital de Pronto Socorro - por sorte e por ter reflexo de corredora de rua, não ocorreu nada grave - pensei muito em tudo isso: no nosso constante retrocesso, na inversão de valores, no quanto nossa vida não vale nada. Eu poderia ter sido mais um número. Mas como estou aqui, Viva da Silva, levantarei essa bandeira o quanto puder: respeite o trânsito. Use menos carro. Vá a pé. É tudo uma questão de atitude e postura individual, com a razão de um bem maior, o bem coletivo. Basicamente, isso se chama civilidade.