O mito da maternidade a qualquer custo faz a ciência avançar quando o assunto é técnicas de reprodução assistida. Com as pesquisas que estão em andamento, as mulheres do futuro poderão ter filhos de forma independente (e os homens também), o que beneficiaria não só casais que querem ter filhos depois dos 40 anos, mas também pessoas que sofram de infertilidade ou casais gays. Ainda que em fase inicial, novos estudos acenam a possibilidade de produzir úteros artificiais, além de óvulos e espermatozoides a partir de células-tronco. A mudança da posição ocupada pela mulher na sociedade - consequentemente, também da mãe - obrigou estudiosos a desenvolverem técnicas para prolongar a maternidade.
Se ao embalo dos acordes pesados do rock'n'roll as mulheres da década de 50 começaram a sentir o gosto de movimentar o corpo com uma liberdade que até então desconheciam, logo depois, a chegada da pílula anticoncepcional às farmácias, na virada dos anos 60 para os 70, representou a antessala de um movimento que se consolidava para mudar a sociedade para sempre.
A chamada revolução sexual, que deixou as jovens mais longe da gravidez indesejada e das doenças sexualmente transmissíveis, abriu caminho para a emancipação de mulheres mais independentes e seguras. Elas foram, aos poucos, deixando de lado uma vida dedicada a cuidar da casa e dos filhos e passaram e exigir seus direitos. Construir uma carreira e serem donas de seus destinos se tornaram prioridades. A primeira gestação, considerada até então ideal antes dos 25 anos, passou a ficar em segundo plano. Mas o que a mente consegue postergar, nem sempre o corpo sabe esperar.
A dificuldade de engravidar depois dos 35 anos mostra que, apesar das conquistas sociais, as mulheres sofrem de limitações biológicas. Mas a ciência se encaminha a ajudar cada vez mais na realização do sonho tardio da maternidade. A tecnologia multiplica alternativas de fertilização, deixando de lado a ideia de que ter filhos só é possível pelo ato sexual.
Além dos procedimentos já conhecidos e difundidos, como a fertilização in vitro, a inseminação artificial e a indução da ovulação, novas pesquisas vêm trazendo soluções promissoras e atraentes quando o assunto é gerar filhos sem sexo, independentemente da idade.
Uma das grandes apostas da ciência nesta área atualmente é fazer com que o ovário volte a produzir óvulos a partir de células-tronco. Esta possibilidade, ainda em testes, seria muito mais do que uma alternativa. Ela seria considerada uma grande quebra de paradigma, afirma a ginecologista Mariângela Badalotti, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH). Isso porque há muito tempo se sabe que as mulheres já nascem com uma quantidade de óvulos determinada (em torno de 1 a 2 milhões), e que o ovário é incapaz de produzir novos. Esse número é consumido pelo organismo ao longo dos anos, sendo que, na primeira menstruação, o número médio já decaiu para cerca de 300 a 400 mil. A dificuldade de gestação em idades mais avançadas ocorre pela falta e pela má qualidade dos óvulos, explica a médica.
A possibilidade de se produzir novos óvulos surgiu em 2004, quando foi comprovada a presença de células-tronco capazes de serem transformadas em ovócitos (células que originam os óvulos) em uma população de camundongos. Essas células, ao serem transplantadas em outras fêmeas, tornaram-se capazes de formar óvulos maduros que foram fertilizados e geraram descendentes normais. Ou seja, novos ratinhos nasceram. O passo seguinte foi descobrir se essas células-tronco existiam também em humanos. Mariângela comenta que, no ano passado, elas foram identificadas no ovário de mulheres, e isso abriu caminho para tentar transformá-los em uma alternativa à gestação após a menopausa:
- Muitas pesquisas estão trabalhando nisso, para ver se são realmente viáveis, se estes óvulos podem ser fertilizados e produzir embriões. Se isso ocorrer, será uma revolução completa, pois vamos conseguir que as mulheres mantenham a função reprodutiva por muito mais tempo.
As novidades são para o futuro. Segundo a especialista, a fabricação de óvulos e espermatozoides a partir de células-tronco e a concepção de útero artificial são questões para serem pensadas e executadas na próxima década, período em que a ciência deve avançar no debate acerca de questões éticas.
Da ficção à realidade
A possibilidade de bebês crescerem fora da barriga de suas mães já havia sido imaginada pelo escritor inglês Aldous Huxley quando, em 1932, publicou o clássico Admirável Mundo Novo.
A ideia, considerada futurista há algumas décadas, hoje pode estar mais próxima de se tornar realidade. Especialista em reprodução humana, o médico João Sabino da Cunha Filho acredita que a produção de úteros artificiais é um processo demorado, mas que tem condições de acontecer. Embora ainda pareça ficção científica, será uma solução para muitos casos de infertilidade.
O ginecologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre Eduardo Passos Pandolfi explica que, apesar do entusiasmo em relação à recuperação de gônadas (esperma e óvulos), ovários e testículos pelo uso de células-tronco, essa situação ainda requer muitos avanços, já que os experimentos não são definitivos em humanos. Em relação ao útero artificial, afirma que está longe de acontecer, e uma ideia mais próxima é o transplante de útero, que tem experiências recentes bem sucedidas.
No futuro da reprodução, de acordo com o médico João Sabino da Cunha Filho, será possível pegar uma célula da pele da mulher e do homem, transformar em óvulo e espermatozoide, respectivamente, e transformar em embrião. Mas isso é um processo de uma complexidade tão grande que não será de uma década para outra.
- Isso não deve acontecer antes dos próximos 50 anos. Existem questões éticas muito controladas, que precisam sofrer avanços - diz Sabino.
Até lá...
Para quem vê a realidade de ter filhos distante dos 35 anos e não pode esperar que os avanços se concretizem, congelar óvulos com intenção de uso no futuro pode ser uma boa alternativa, uma forma de preservar a fertilidade. Mas não deve servir de estímulo ao adiamento da maternidade.
No presente, a forma de obter gravidez quando o ovário já não produz mais óvulos - o que ocorre após a menopausa e, na verdade ainda antes dela - é por meio de doação de óvulos. O processo é feito por fertilização in vitro, quando os óvulos de uma mulher são doados a outra para que sejam fertilizados. A ação é realizada no laboratório com espermatozoides do companheiro da receptora.
Até lá, a melhor receita para garantir a maternidade é ter uma vida saudável. Quem quiser engravidar depois dos 35 anos, diz Sabino, deve levar em conta que o sinal vermelho está aceso e que a melhor forma de prevenção é o congelamento de óvulos. O custo é de cerca de R$ 10 mil, mais R$ 500 por mês (para manutenção).
Chances de engravidar
- Até os 30 anos: 35%
- Entre 30 e 40 anos: 25%
- Acima dos 40 anos: 10%
Queda na fecundidade
- Mães acima dos 30 são responsáveis por 31,3% dos bebês nascidos no Brasil. Em 2000, esse número era de 27,5%
- A taxa de fecundidade apresentou uma queda expressiva no Brasil em 10 anos. No ano de 2000, cada mulher tinha em média 2,38 filhos. Em 2010, esse número cai para 1,9 - número abaixo do chamado nível de reposição, que é de 2,1 filhos por mulher
Fonte: ginecologista Eduardo Passos Pandolfi e IBGE
Doença silenciosa
Considerada uma das principais causas da infertilidade feminina, a endometriose é uma doença silenciosa, pouco diagnosticada na fase precoce, que acomete 40% das mulheres que estão tentando engravidar e não conseguem. Ocorre quando partes do endométrio (tecido que reveste internamente a cavidade uterina) fixam-se em órgãos como ovários, ligamentos pélvicos, intestino, bexiga, apêndice e, em casos extremos, o pulmão.
Um recente estudo realizado na UFRGS pelo professor João Sabino Cunha Filho, apresentado no Congresso Americano de Medicina Reprodutiva, nos EUA, mostra que ela pode ser causada por uma alteração genética no Hormônio Luteinizante (LH). O estudo apontou, pela primeira vez, que além de ter origem funcional, a doença pode ser de ordem genética.
Segundo Sabino, no Brasil demora-se 12 anos para fazer diagnóstico, e quando se descobre, muitas vezes já não há mais como reverter. Por isso, o tratamento da doença, a melhoria dos óvulos e o congelamento são as indicações para quem tem esse problema.
- Uma mulher sadia de 30 anos tem até 30% de chance de engravidar por mês. Já uma mulher com endometriose terá apenas de 2% a 4% de possibilidade de gestação no mesmo período - explica Sabino.
Segundo a Sociedade Brasileira de Endometriose, mais de 6 milhões de mulheres na faixa etária de 20 a 40 anos são afetadas pela endometriose apenas no Brasil. As causas, segundo o especialista, são variadas.
Possíveis fatores de risco apontados são: começar a menstruar muito cedo, nunca ter tido filhos, ciclos menstruais frequentes ou que duram sete dias ou mais e a hereditariedade.
Os sintomas apontados da doença são cólicas menstruais intensas, menstruação irregular, dor profunda e desconfortável durante a relação sexual, inchaço e dor abdominal.
PRINCIPAIS TÉCNICAS DE REPRODUÇÃO ASSISTIDA
Fertilização in vitro
A fertilização (encontro do óvulo e do espermatozoide) ocorre normalmente nas trompas. A in vitro, como o próprio nome diz, é uma técnica em que a fertilização ocorre em laboratório.
Inseminação artificial
É a deposição de espermatozoides preparados em laboratório, diretamente no útero. Como a fertilização ocorrerá nas trompas, é condição imprescindível que elas sejam normais.
Congelamento
Para preservar a fertilidade que começa a diminuir bruscamente a partir dos 35 anos, uma das alternativas é o congelamento de óvulos. O espermatozoide, considerado uma célula resistente, tem sido facilmente submetido ao congelamento e descongelamento.
Sonho alcançado com ajuda de técnica
Mesmo três meses após a chegada do pequeno Rodrigo Flexa Machado, Vanda Flexa Rabelo, 46 anos, não acredita que seu maior sonho tenha se tornado realidade. Com o recém-nascido nos braços, ela fita o nenê e o admira como se fosse um prêmio, obtido após uma longa jornada de investigação, expectativas e tratamentos em clínicas médicas.
Após dois anos apostando no método natural, Vanda fez exames e se descobriu portadora de um estreitamento na trompa, fato que, junto à idade, agravou a dificuldade de ser mãe. Com apenas 10% a 15% de chances, ele decidiu procurar uma clínica de reprodução assistida e tentar a fertilização in vitro. Isso foi em 2008. Passados dois anos cuidando da saúde, frequentando nutricionista e endocrinologista, sentiu-se preparada para a fertilização. Antes da coleta e implante do material, teve de fazer uma série de injeções, aplicadas três vezes ao dia na região abdominal, além do medicamento via oral.
- Sabe mulher em TPM? Eu era três vezes pior, o lado emocional ficou em ebulição - contou, afirmando que as injeções de hormônio interferiram no humor, o que precisou de doses extras de paciência por parte do marido, o militar da reserva Jorge Otaviano Bengochê Machado, 56 anos.
A primeira tentativa falhou, mas não desanimou o casal, que obteve sucesso na segunda vez. Assim que obteve resposta positiva, Vanda passou os primeiros três meses em repouso absoluto, apenas zelando para que a gravidez corresse bem até o fim.
- Me sentia uma moleca antes. Agora que ele nasceu, me sinto mais mulher. Mesmo depois dos 40, sendo uma mãe inexperiente, parece que já fui mãe várias vezes - afirmou.
Orgulhoso do filho Rodrigo, o casal garante que a persistência, mesmo diante das poucas chances, valeu a pena.