Faltam apenas alguns minutos para terminar a corrida. As pernas começam a ficar cansadas, a respiração cada vez mais ofegante, o corpo beira a exaustão, e a vontade de desistir é grande. Mas eis que começa a tocar aquela música especial, com um ritmo agitado, e o trajeto parece ficar mais leve e fácil de percorrer. Quando o atleta se dá conta, já cruzou a linha de chegada. E com um ânimo extra.
Para Adelaide Moraes, 56 anos, essa sensação é comum. A empresária, que começou a correr há cerca de dois anos, admite que as passadas ficam mais animadas quando realizadas ao som de suas bandas preferidas. Os roqueiros irlandesese do U2 são seus companheiros frequentes durante o exercício, dividindo o espaço do player com as divas do pop Beyoncé e Rihanna. Ainda que o gosto musical seja variado, Adelaide garante que todas as canções que escuta durante a atividade são escolhidas conforme o ritmo que quer dar ao seu treino.
Nos percursos que realiza pelo menos três vezes por semana, os fones de ouvido são tão indispensáveis que ocupam a segunda posição do seu "kit sobrevivência da corrida". Antes deles, somente o tênis.
É por meio das canções que Adelaide encontra disposição e ânimo para correr. E ela não é uma exceção. O uso da música nas atividades físicas - sejam elas em grupo ou individuais, na água ou nas pistas, para relaxar ou para animar - é tão frequente que despertou a curiosidade de pesquisadores em diferentes áreas.
Estudos mostram que as melodias podem influenciar o exercício físico de diversas formas. A música pode elevar o humor, dar mais disposição, distrair da dor e do cansaço, aumentar a resistência e reduzir a percepção do esforço. Ela tem o potencial, inclusive, de melhorar o desempenho do atleta.
- Os sons podem ser eficientes para produzir uma sincronização das ondas cerebrais e para a execução dos movimentos do corpo. Isso pode ser produtivo para o aumento do rendimento dos exercícios - explica o psicólogo Vinícius Ferreira, professor de neuropsicologia da Faculdade Imed e membro da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp) e da Sociedade Brasileira de Neurociência e Comportamento (SBNeC).
Conforme o especialista, a melhora no desempenho se dá também porque as melodias podem favorecer a liberação de noradrenalina, substância que prepara o corpo para o exercício físico, aumentando a capacidade respiratória e a frequência dos batimentos cardíacos.
A companhia da música
Vantagens
> Aumenta a sensação de bem-estar
> Cria sensação de que o tempo do exercício passa mais rápido
> Reduz a percepção de intensidade do exercício
> Pode promover maior resistência física pela sincronização dos movimentos com a batida
> Em exercícios de baixa intensidade, a música pode inibir a sensação de cansaço, tornando o treino mais prazeroso
Atenção
> Afasta a pessoa do ambiente em que está. Em esportes ao ar livre, você pode não ouvir buzinas, avisos de outras pessoas etc.
> Distancia de outros sons produzidos durante a atividade, como respiração e impacto dos pés no chão
> Se a música for mal selecionada, pode diminuir o rendimento por ter um ritmo diferente
> "Distrai" a pessoa do exercício físico, afastando-a dos sinais que o corpo envia
Acompanhamento sonoro...
... para melhorar o humor
Ainda que a forma exata como as melodias atuam no cérebro não seja totalmente clara para os pesquisadores, já se sabe que elas têm uma grande capacidade de modular os estados de ânimo das pessoas - e até de outros animais -, explica o neurocientista Ivan Izquierdo, coordenador do Centro de Memória do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
As canções podem induzir o cérebro a liberar diversos neurotransmissores relacionados ao bem-estar, como a serotonina e a dopamina. A partir daí, a relação é direta: com bom-humor, qualquer atividade fica mais prazerosa.
O que vai definir qual a substância liberada é o tipo de melodia (se é mais relaxante ou mais dinâmica) e a expectativa que a pessoa possui do efeito que a música terá sobre seu comportamento, explica o psicólogo Vinícius Ferreira.
Mas, para isso, é preciso saber escolher bem a trilha sonora. Ao mesmo tempo em que servem como incentivo, ela pode atrapalhar os atletas. Por estarem diretamente relacionadas ao estado anímico, algumas músicas têm o potencial de desanimar ao trazerem recordações ruins, ou simplesmente não serem do gosto de quem as escuta.
Já canções que trazem boas memórias, mas que têm um ritmo muito lento, também não são indicadas para determinadas atividades. Tudo depende de aspectos pessoais e culturais dos indivíduos.
- Um samba, por exemplo, faz os brasileiros se mexerem muito mais que os alemães - exemplifica Izquierdo.
... para animar ou relaxar
Para o educador físico Clezio Gonçalves, professor adjunto da Faculdade de Educação Física da UFRGS (Esef) e doutor em Educação e Neurociências, os efeitos da música durante as atividades físicas são tão singulares que podem estimular ou comprometer o exercício. Ele explica que é preciso que a música atenda ao perfil e aos objetivos do esportista para beneficiá-lo:
- Daí a necessidade de se buscar as músicas adequadas ao estilo de vida do sujeito, tipo de atividade e objetivos do que se pretende desenvolver.
Um ambiente sonoro propício à prática esportiva é aquele que responde a determinadas características, conforme o objetivo da atividade. Se adequado ao ritmo e às exigências do treinamento, ajuda o esportista a se manter na frequência da aula.
Conforme a educadora física Carolina Castilhos, a influência que a música pode exercer no aprendizado e no desempenho do exercício parece estar atrelada às características da canção. Questões como embalo, melodia e harmonia têm um papel importante no processo de acelerar ou reduzir o ritmo do corpo e da mente.
... para fazer companhia
Desde que comprou seu primeiro aparelho de som à prova d'água, a educadora física Letícia Cardoso, 36 anos, tem experimentado braçadas menos solitárias. Nadadora há mais de duas décadas, confessa que já estava acostumada com o silêncio das piscinas. Foi há cinco anos, quando descobriu a possibilidade de nadar ao som das suas bandas preferidas, impondo um novo ritmo aos treinos.
- Como a natação é um esporte solitário, a música serve de companhia. Notei que quando treino escutando os sons de que gosto, fico até meia hora a mais dentro d'água.
Letícia começou a usar os fones de ouvido embaixo d'água por diversão e, aos poucos, percebeu uma melhora no rendimento. Assim como para ela, os avanços tecnológicos beneficiaram diversos atletas aquáticos.
Quem deseja escutar música durante atividades em piscinas, no mar ou em rios conta com uma gama de produtos, que vão desde capas impermeáveis para mp3 até aparelhos que transmitem o som enviando ondas sonoras diretamente para o rosto, fazendo o osso vibrar.
Letícia Cardoso notou melhora no rendimento nas piscinas quando começou a ouvir os sons de que gosta debaixo d'água
Foto: Diego Vara
... para desviar do cansaço
É comum as pessoas "viajarem" enquanto escutam alguma canção. Isso se dá porque as músicas têm a capacidade de desconectá-las, pelo menos parcialmente, do ambiente em que estão. Seja pelas emoções que provocam, pelo ritmo que distrai o pensamento, ou pela ausência de outros estímulos sonoros externos, quem escuta música alta costuma se distanciar um pouco da realidade.
E isso pode ser bom ou ruim para quem pratica atividades físicas. As melodias tendem a fazer quem se exercita não perceber os sinais do corpo, como as dores e a fadiga, fazendo com que aguente o exercício por mais tempo. O corpo humano está constantemente enviando ao cérebro mensagens sobre seu estado. Sinais de esforço, como exaustão muscular, aumento do ritmo cardíaco e suor são indicativos de muito esforço e, ao serem reconhecidos, podem fazer com que a pessoa interrompa o exercício. A música concorre com esse feedback fisiológico pela atenção do cérebro. Assim, ela pode mudar a percepção do seu próprio esforço durante um treino: fica mais fácil dar umas braçadas a mais na piscina ao som de Madonna.
- Ao se concentrar na melodia, a pessoa passa a não focar a sua atenção no que está fazendo, mas, sim, na música em si. A sensação de cansaço e fadiga diminui simplesmente porque o cérebro está prestando atenção na música, e não no movimento do corpo - explica o psicólogo Vinícius Ferreira.
Enquanto essa distração pode beneficiar os amadores, para atletas profissionais ela não é recomendada. Esportistas de alto rendimento geralmente necessitam de elevados níveis de concentração para manter um ritmo constante e evitar a perda do foco na atividade desempenhada. Nestes casos, a música pode gerar uma distração e uma desconexão do ritmo do exercício, reduzindo os resultados esperados.