Por volta das 6h30min, durante a semana, uma multidão de bicicletas, com um punhado de motonetas e pedestres, transborda das balsas que transportam ciclistas e outros passageiros, sem custo, para o outro lado do porto IJ (pronuncia-se "ai"), entupindo as ruas e causando congestionamento atrás da principal estação de trem de Amsterdã.
- À tarde é ainda pior - lamenta Erwin Schoof, um metalúrgico na casa dos 20 anos, que mora no centro da cidade, repleto de canais, e luta contra o caos diariamente para atravessá-la até seu trabalho.
Esse fluxo entupido de ciclistas é apenas um de muitos, em uma cidade famosa por suas bicicletas, como Los Angeles é por seus carros ou Veneza por suas gôndolas. Ciclistas jovens e idosos pedalam por faixas estreitas e junto aos canais. Mães e pais balançam as crianças pequenas em caixas de madeira espaçosas afixadas às bicicletas, levando-as de balsa para a escola ou para a creche. Carpinteiros carregam ferramentas e material em engenhocas parecidas e os eletricistas, seus cabos. Poucos usam capacete. E cada vez mais, as pessoas dizem o que era impensável alguns anos atrás: há bicicletas demais.
Enquanto cidades como Nova York lutam para fazer com que as pessoas andem de bicicleta, Amsterdã tenta manter a tal horda sob controle. A cidade de 800 mil habitantes tem 880 mil bicicletas, estima o governo - quatro vezes o número de carros. Nos últimos 20 anos, as viagens de bicicleta cresceram 40%, de modo que hoje, cerca de 32% de todos os percursos dentro da cidade são feitos de bicicleta, comparadas aos 22% das viagens de carro.
Moradores de Amsterdã dizem que não é tanto o congestionamento que incomoda, mas onde estacionar as bicicletas uma vez que chegam ao destino, numa cidade com praticamente mais água do que superfícies pavimentadas.
- Dê uma olhada nesse lugar! - diz Xem Smit, 22 anos, que durante o ano passado lutou para manter a ordem em um estacionamento municipal para bicicletas no coração da cidade, sacudindo as mãos para bicicletas acorrentadas a postes, bancos, árvores e quase qualquer outro objeto fixo do outro lado de uma praça arborizada entre o mercado de ações e a grande loja de departamento De Bijenkorf. Seu minúsculo estacionamento cercado tem, oficialmente, espaço para 140 bicicletas, mas ele rotineiramente abarrota mais algumas.
- Meu recorde é 152 - disse ele.
O problema de Smit é, em grande parte, o que mantém Thomas Koorn, do Departamento de Transporte e Trânsito de Amsterdã, acordado à noite.
- Temos sérios problemas de estacionamento - diz ele, na sala de reuniões observando o IJ.
Nas próximas duas décadas, explicou Koorn, a cidade irá investir US$ 135 milhões para melhorar a infraestrutura para as bicicletas, incluindo a criação de 38 mil estacionamentos "nos pontos mais populares".
- Não achamos que há uma crise; queremos manter o atrativo - Koorn disse, que faz uma pausa antes de completar:
- Não dá para imaginar o que seria se esse congestionamento todo fosse de carros.
Parte do problema é que muitos moradores de Amsterdã não ficam satisfeitos com apenas uma bicicleta e, frequentemente, não ligam para onde deixaram as que têm.
Com tantas bicicletas, um dos lobbies mais poderosos da cidade é o Fietsersbond, ou União dos Ciclistas, com seus 4 mil membros locais. Refletindo sobre porque os moradores de Amsterdã se interessam tanto por bicicletas, Michèl Post, funcionário da União, atribuiu o motivo à densidade do país.
- Nosso país é pequeno, é todo plano e o clima não é extremo. Temos muita sorte - disse Post, que pedala 11,3 quilômetros todos os dias para pegar um trem no centro de Amsterdã.
Ainda assim, mesmo os defensores das bicicletas como Post reconhecem que há desafios. Um é a recente proliferação das scooters, algumas das quais têm permissão para usar ciclovias, frequentemente causando acidentes. Enquanto as scooters barulhentas somam apenas 3% do trânsito, elas são responsáveis por 16% dos acidentes de trânsito. Entretanto, o maior desafio é o estacionamento descontrolado das bicicletas, reconhece Post:
- Há bicicletas demais. Nas estações de trem, nos shoppings, nas áreas residenciais, em todo lugar há mais bicicletas do que lugar para estacioná-las. Quando você olha para as grandes praças na sexta à noite, o lugar está completamente coberto de bicicletas. Há também a questão dos valores estéticos.
Uma balsa em desuso foi colocada no IJ para acomodar mais de 400 bicicletas. Ainda assim, ele disse, a demanda é muito maior do que a oferta. Passageiros gostam de largar suas bicicletas perto da estação antes de embarcarem no trem, muitas vezes apenas acorrentando-as a postes, em frente a entrada da estação. Trabalhadores removem cerca de cem dessas bicicletas todos os dias, quebrando as correntes com trava, disse Van Heijningen.
Ainda assim, ninguém sonha em limitar o uso das bicicletas. Na verdade, quando o renomado Rijksmuseum, a joia da coroa da cidade, reabriu em abril, depois de uma reforma de 10 anos e US$ 500 milhões, os lobistas de bicicleta celebraram uma vitória quando os guardas removeram as barreiras para uma ciclovia pelo centro do museu. O diretor do museu, Wim Pijbes, tentou eliminar a ciclovia e colocar a entrada do museu no lugar, forçando os ciclistas a pedalar ao redor do prédio para proteger os pedestres. No entanto, a União dos Ciclistas, apoiada por uma petição que mostrava um esmagador apoio popular, ganhou a batalha.
- O lobby certamente ajudou - disse Koorn, responsável pelo transporte da cidade.
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