A forma crônica da doença de Lyme é um termo genérico altamente polêmico para uma série de sintomas duradouros que podem ou não advir de uma infecção anterior pela bactéria provocadora da enfermidade em sua versão aguda. Muitas vezes mal diagnosticada e tratada erroneamente, a doença de Lyme crônica deixa milhares de pessoas debilitadas física e mentalmente e sem recursos médicos comprovados.
Mary Rasenberger, 51 anos, advogada nova-iorquina, vivencia "uma série de enfermidades há dez anos". Por fim, ela ouviu o diagnóstico de doença de Lyme crônica, no verão passado do Hemisfério Norte, após ter ouvido que sofria de esclerose múltipla.
Os sintomas antigos envolviam "juntas doloridas, dores de cabeça e fadiga indescritível" que a deixavam indisposta e incapaz de se exercitar. Nos últimos anos, surgiram dois sintomas adicionais: neuropatia nos braços, pernas e no rosto, além de problemas de visão. Durante entrevista, ela contou "acordar se sentindo mal todo dia"; caso sua temperatura se elevasse, era como se fosse gripe.
Ainda assim, o exame para borreliose, como a enfermidade também é conhecida, deu negativo. Desesperada, ela finalmente consultou um "especialista" em Lyme, um dos vários médicos que tratam pacientes com sintomas como o dela com antibióticos durante longo tempo, apesar do fato de que tal procedimento não tenha demonstrado benefícios significativos ou duradouros em estudos clínicos controlados. Tais exames envolveram pacientes escolhidos ao acaso que ingeriam o antibiótico Rocephin (geralmente administrado por via intravenosa) ou um placebo, sendo que nem os pacientes nem os profissionais avaliando os sintomas soubessem quem recebeu o quê.
Mesmo assim, depois de vários meses tomando antibióticos, Rasenberger, a exemplo de diversos outros pacientes, contou se sentir "completamente saudável pela primeira vez em anos". Sempre que tenta parar a medicação, os sintomas debilitantes regressam.
Relatos como os dela estão longe de ser incomuns. Os especialistas agora sabem que algumas pessoas infectadas por borreliose terminam desenvolvendo sua forma crônica mesmo que a infecção inicial tenha sido diagnosticada prontamente e tratada a contento. De dez a 15 por cento das pessoas tratadas pela doença de Lyme documentada medicamente desenvolveram sintomas persistentes ou recorrentes de fadiga, dor musculoesquelética e queixas cognitivas.
A condição é conhecida como síndrome da doença de Lyme pós-tratamento (PTLDS, na sigla em inglês).
- Trata-se de um distúrbio real, embora ninguém realmente saiba o que esteja acontecendo - disse o Dr. John N. Aucott, infectologista de Lutherville, Maryland, durante entrevista.
- Muitos pacientes ouviram que não estão doentes de verdade, apenas cansados ou deprimidos. Porém, não se trata de fadiga normal e não é causada pela depressão - embora a depressão possa certamente provir pela qualidade de vida seriamente reduzida do paciente - ele acrescentou.
A terapia com antibióticos para a PTLDS é baseada em relatos contestados segundo os quais tais pacientes podem abrigar reservatórios escondidos da espiroqueta causadora da doença de Lyme, "Borrelia burgdorferi", muito tempo depois do tratamento inicial. Porém, pesquisadores que estudaram a terapia encontraram pouco ou nenhum benefício e, para muitos, o tratamento é cheio de perigos que poderiam ser piores do que a doença.
Entre os riscos estão o desenvolvimento de uma infecção resistente a antibióticos, diarreia intratável, lesões renais ou no fígado e, como ocorreu com uma mulher de 30 anos tratada com antibiótico injetado por cateter, morte por infecção generalizada (septicemia).
Pessoas com PTLDS não são hipocondríacos procurando atenção nem preguiçosos querendo fugir do trabalho ou das obrigações, disse Aucott, embora muitos possam ser ajudados pela psicoterapia que os ajuda a lidar melhor com os sintomas.
- São pessoas altamente funcionais - gente encostada não pega doença de Lyme. Elas não são loucas e os médicos que as atendem não são maus. Trata-se de pessoas desesperadas tentando melhorar e de médicos que desejam auxiliá-las - ele afirmou.
Contudo, até que se descubram as causas da PTLDS, será difícil para os pesquisadores descobrirem terapias eficazes. Entre as possíveis causas da síndrome estão a fadiga pós-infecção prolongada e uma reação autoimune ao organismo infectado, de acordo com um livro recente da Dra. Adriana Marques, do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos EUA.
Já o motivo pelo qual algumas pessoas com PTLDS parecem se beneficiar com a terapia intensiva com antibióticos, pelo menos temporariamente, Aucott sugeriu algumas teorias. Os antibióticos podem ter efeito anti-inflamatório que alivia a dor e o inchaço. Outra possibilidade é de os pacientes terem uma infecção de baixo nível persistente que seja suprimida de forma temporária pelos antibióticos, mas não morta por eles. Ou pode ser que os pacientes com PTLDS experimentem um efeito placebo, melhorando porque acreditam que o tratamento vai ajudar e porque alguém finalmente está levando seus sintomas a sério.
Um complicador do cenário é o fato de que algumas pessoas com os sintomas da PTLDS aparentemente nunca tiveram a doença de Lyme, afirmou Marques durante entrevista. Existem outros organismos infecciosos - o vírus Epstein-Barr, por exemplo - que podem produzir sintomas similares e serem os verdadeiros culpados.
Entretanto, os peritos também não podem excluir a espiroqueta da borreliose.
Muitas pessoas, se não a maioria, infectadas por ele nunca souberam ter sido mordidas pelo minúsculo carrapato de veado que transmite a bactéria dos animais às pessoas. Talvez elas nunca desenvolvam nem percebam a erupção vermelha que pode surgir. Mesmo quando a erupção ocorre, somente uma em cinco se apresenta como o característico olho de boi ligado à doença de Lyme. Em sua maioria, elas são bastante vermelhas, redondas ou ovais.
Tais pessoas podem nunca ser tratadas contra a infecção nos estágios iniciais e terminar semanas, meses e até mesmo anos mais tarde com os sintomas que assolaram Rasenberger. Os sintomas podem se instalar gradualmente, como foi o caso do meu cachorro, que apresentava efeitos mínimos de carregar um carrapato da borreliose até nove meses atrás, quando se prostrou, incapaz de comer ou beber sozinho.
Aucott e Marques afirmaram que mais pesquisa é desesperadamente necessária para as pessoas receberem o auxílio necessário.
- É uma doença enorme que vai se tornar ainda maior, entretanto, recebe somente uma minúscula fração do orçamento dos Institutos Nacionais de Saúde - disse Aucott.
Dadas as incertezas quanto à enfermidade no formato crônico, a prevenção é mais importante do que nunca. Evite andar pelo mato e capim alto. Quando for caminhar em florestas, acampar, fazer jardinagem ou aparar a grama, use roupas compridas de cor clara e enfie as pernas das calças em meias apertadas. Borrife a pele exposta com repelente de inseto com 20 por cento de DEET e as roupas com permetrina. Tire as roupas antes de entrar em casa; elas devem ser lavadas e secadas em separado.
Tome banho assim que entrar em casa usando bucha ou pano e examine o corpo cuidadosamente, principalmente nas dobras da pele, em busca de carrapatos presos. Eles devem ser removidos cuidadosamente com uma pinça sem esmagá-los puxando-os de forma suave e constante perto da boca. A seguir, aplique um antisséptico no local.