Um dos principais especialistas do mundo na área de envelhecimento populacional, PhD em Epidemiologia pela Universidade de Oxford, fundador da Unidade de Epidemiologia do Envelhecimento da Universidade de Londres e consultor sênior sobre envelhecimento global da The New York Academy of Medicine, o o geriatra carioca Alexandre Kalache defende que investir no exercício físico é o melhor remédio para prevenir problemas degenerativos cerebrais é a prova viva da teoria que defende: a de que os nascidos no pós-guerra estão vivendo na velhice a adolescência que não tiveram, fase que ele define como "gerontolescência".
Nesta entrevista para o caderno Vida, ele também dá a receita para um envelhecimento saudável.
Vida - As pessoas estão vivendo mais, e muitos continuam sem planejar o que farão na velhice. Quais os impactos disso?
Alexandre Kalache - A velhice não acontece de repente. Muitos acham que é nos 60 anos que tem que se preocupar. A velhice é um curso de vida, o resultado de tudo aquilo que já se viveu.
Três coisas são importantes: cuidar da saúde, ou seja, comer bem, evitar hábitos nocivos e substâncias maléficas, cuidar dos fatores de risco das doenças crônicas e cardiovasculares e evitar uma vida sedentária. O segundo ponto é o financeiro. O ideal é tentar ter uma renda na velhice que possa manter qualidade de vida o mais próximo que estava acostumado na vida adulta. O terceiro ponto é o capital social.
É na velhice que se tem mais perdas. É nessa época que a pessoa precisa se valer de amigos, da rede social que evite que você possa se deprimir. É a eles que você vai recorrer quando tiver problemas.
Vida - Como a tecnologia inclui os mais velhos, diante de toda a dificuldade de adaptação?
Kalache - É importante saber se adaptar. Antes, o que se aprendia na juventude servia para o resto da vida. Desde então, com a velocidade das mudanças da tecnologia, a gente precisa se adaptar. A sociedade ainda é muito focada no jovem e não dá oportunidade para que a pessoa possa adquirir novos conhecimentos.
Se você parar de aprender hoje, daqui a 10 anos estará totalmente obsoleto. Isso em qualquer profissão. Esse recado serve para um médico, um jornalista e até um mecânico. Quem não tiver o pique de querer aprender e tiver azar de viver em uma sociedade que não ofereça oportunidades de educação continuada fica para trás.
Vida - Por que, no Ocidente, há tanta rejeição de admitir o envelhecimento e dificuldade para valorizar as pessoas de mais idade?
Kalache - Em parte tem o aspecto cultural. Mas diria que nenhuma sociedade está imune a isso. À medida que as sociedades vão se modernizando, até mesmo no Japão, se observa negligência e maus tratos ao idoso. Temos que estar atentos o tempo todo . O envelhecimento muito rápido aconteceu no Brasil e está acontecendo em vários locais do mundo.
Eu tenho 67 anos, quando eu era garoto a sociedade respeitava os mais velhos. Mas eram menos idosos e havia mais mulheres em casa, à disposição para cuidar dos mais velhos. A questão do cuidado é uma questão de gênero, são as mulheres que cuidam. Também tem o fato de sermos uma cultura hedonista, valorizamos muito o prazer e cultuamos o belo. Temos que mudar essa mentalidade.
Vida - Qual o melhor lugar do mundo para envelhecer?
Kalache - O lugar melhor é perto dos seus amigos. Mas claro, há países como o Canadá, que investe bem e tem boas políticas públicas. Mas observe, não é uma questão de dinheiro. Lá gasta-se menos que do nos EUA. Portanto, não é apenas questão de ter recursos, e sim de saber usar bem esses recursos, oferecer um bom tratamento para toda a população, não apenas para quem tem dinheiro. A Austrália também tem boas políticas públicas de saúde que estão obtendo resultados bastante adequados.
Há uma diferença importante desses países para com o Brasil: eles primeiro enriqueceram e depois envelheceram. Já era desenvolvidos e foram envelhecendo. O Brasil vai dobrar a proporção dos atuais 12% de idosos para 24% ao longo dos próximos 17 anos. Ainda temos problemas que estão competindo pelos recursos. Quando a França foi envelhecendo, os problemas de ambiente, saúde pública e educação já estavam sanados. No Brasil, não. Temos que ser muito sábios na hora decidir as políticas, senão damos um tiro no pé.
Vida - Com o aumento da população idosa no Brasil, cresce também o mercado serviços voltados para este nicho. O que você tem observado de curioso por aí
Kalache - Vejo países que estão aportando mão de obra de países imigrantes. Se você quer ser bem tratado na velhice, não seja preconceituoso. Em geral, o branco não vai fazer esse serviço de cuidador que a mão de obra imigrante geralmente aceita. Outro ponto é o uso da tecnologia: vejo por aí serviços domésticos feitos por robôs e até cachorros eletrônicos. As duas tendências são muito presentes e têm coisas em comum: a perda da humanização. É triste saber que o cuidado não está mais ligado a laços efetivos.
Vida - Sobre o desenvolvimento neurológico, que atividades mais ajudam para manter o cérebro ativo?
Kalache - Se eu fosse escolher uma única intervenção seria a atividade física. Ela ajuda no desenvolvimento ósseo e muscular, cardiovascular, previne o diabetes e diminui o risco de doenças. Tudo isso sem falar no aspecto psicológico, que é o reforço da autoestima. Há cada vez mais evidências de que a atividade física também protege contra a demência senil e empurra para a frente o risco das pessoas perderem as faculdades mentais.
Vida - Se você pudesse dar uma dica para um jovem de 20 anos sobre como ele pode se preparar para a velhice, o que você diria?
Kalache - Aos 20 e poucos, tem-se o nível certo para projetar o futuro: emprego, saúde, intelectualidade ativa. O ideal é buscar aconselhamento para se proteger financeiramente. Pode se proteger por meio de seus estímulos de vida. Principalmente porque estamos passando por uma revolução no conceito do que é envelhecer. A gente teve uma geração nascida depois da guerra, entre os anos 45 e 60, que são os baby boomers. Essa geração saiu da infância para a vida adulta de forma abrupta. Aos 12 anos, as pessoas estavam batalhando. As mudanças no pós-guerra geraram a adolescência, que é fase de experimentar, ousar, virar a mesa. Essa mesma geração que foi protagonista na emancipação agora não se conforta em botar o pijama e ler o jornal. Estão experimentando a adolescência tardia, em uma nova fase chamada "gerontolescência". Significa estar pelo mundo, ativo, trabalhando, criando uma nova construção do que é envelhecer. Me aposentei há cinco anos, e nunca estive tão ativo.