Claro que existem pessoas boas e más em todos os lugares, e não é com exemplos desgarrados que se constrói a identidade de um país. O que somos como nação depende do coletivo, e este se constrói com educação, responsabilidade, ética, noção de dever precedendo o direito, respeito aos outros, solidariedade e alguma sorte na base genética.
Já tinha me comovido com a atitude solidária dos japoneses durante a catástrofe do tsunami, e com o quanto aquilo contrastava com o desespero das vítimas das enchentes em Teresópolis, que relutavam em abandonar suas casas pela certeza de que seriam saqueadas.
O relato que circula na internet deste estudante da USP, estagiando no Japão, expõe o nosso egoísmo como uma chaga, mas pelo menos serviu para acender um farol de inquietude no coração daquele jovem. Acho que precisamos desse tipo de choque, um choque de humanidade! Afinal, do que somos feitos?
"Ontem (domingo) fiquei o dia todo fora. E como só voltei para casa tarde da noite, não cheguei a ver nenhuma notícia sobre o Brasil. Só meu amigo Léo que me avisou rapidamente pelo WhatsApp, no domingo à noite, que um incêndio em uma boate no Sul matou um monte de jovens.
Hoje de manhã cheguei para trabalhar, e muitos japoneses que trabalham aqui na ONU estavam enfileirados, lado a lado, na porta do escritório, com uma expressão grave em seus rostos. Todos se curvaram respeitosamente para mim e, um a um, expressaram seu 'profundo pesar diante da tragédia que atingiu o seu povo, Zaccarô-san...'
Meu povo? '... Sim, seu povo, Zaccarô-san...'
Muitos funcionários japoneses, desde altas autoridades até a velhinha da limpeza, expressaram suas condolências nos corredores, quando nos encontramos, pelo mesmo motivo, e nos mesmos termos.
E eu sou um zé ninguém aqui. Sou somente mais um no meio de tantos outros. Fui o último a chegar...
E confesso que nem tinha me sentido atingido pela tragédia. Obviamente fiquei muito triste com o ocorrido e senti pena dos envolvidos, mas não tinha me sentido atingido PESSOALMENTE, e talvez muitos aqui também não. Não é nossa família, e não são nossos amigos ou conhecidos...
Também somos jovens, e também frequentamos boates e barzinhos, e de repente você pensa que poderia ser com você também, naquele lugar que todos costumamos ir...
Mas os japoneses falaram como se os envolvidos fossem parte da minha própria família.
'... Seu povo, sim, Zaccarô-san...'
Isso disparou uma série de reflexões em minha cabeça sobre fraternidade real, senso de coletividade, identidade cultural e nacional, nacionalismo, e por aí vai.
Não consigo mais parar de pensar nisso tudo!
Nem preciso dizer o quanto isso me emocionou. E até agora, ao escrever isso aqui, eu não sei direito o que pensar sobre nós (os brasileiros) e nossas posturas diante de nós mesmos e dos outros brasileiros, como povo de um mesmo país.
Gostaria que os pais daqueles jovens pudessem receber e sentir o que os japoneses falaram por aqui. Isso foi para eles, não para mim... Ou foi para mim, e eu, até então, não tinha percebido nada disso?
E talvez tenha sido para você também. Para nós."
Pois é, meu jovem, quem sabe um dia o gigante do berço esplêndido desperte para ser, de fato, uma NAÇÃO.
E uma dessas de deixar a gente orgulhosa. Aí sim, imagina a festa!