
O tratamento da doença renal crônica representa um problema grave no Brasil. O cenário guarda semelhanças em diversas partes do país, com muitos pacientes por unidades de hemodiálise e aumento nos diagnósticos. A doença significa uma condição em que os rins perdem gradualmente a função de filtrar o sangue e eliminar resíduos e excesso de líquidos do organismo. Isso ocasiona acúmulo de toxinas no corpo.
Conforme a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença renal crônica acomete 10% da população. Correm mais riscos os hipertensos, diabéticos, idosos, obesos, tabagistas, pessoas de etnias não brancas, como negros e indígenas; indivíduos com doenças cardiovasculares e familiares de pacientes com histórico da doença.
Segundo dados do censo anual de diálise de 2024 da Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), em 2014 eram 34.366 pacientes novos em diálise no país. Em 2024, o número subiu para 52.944 – um crescimento de 54%. Em 2023, a taxa de mortalidade anual de pacientes em diálise era de 16,2%. Em 2024, o número foi de 16,5% – crescimento nos óbitos de 0,3%.
Conforme a SBN, na Região Sul, havia 158 unidades cadastradas ativas em 2024 para o total de 11.539 pacientes. O censo mostra que havia 708 pacientes em diálise nessa região em 2024. No ano anterior, eram 653 – mais 8,4%.
Evento debate doença renal crônica na Capital
Iniciativa do Rotary Club de Porto Alegre, o evento "A questão da doença renal crônica – a tempestade perfeita" será realizado nesta segunda-feira (24), das 14h às 17h, na Sala Adão Pretto da Assembleia Legislativa do Estado. Na ocasião, médicos que lidam com a enfermidade irão compartilhar a situação atual com o público.
O médico nefrologista Fernando Saldanha Thomé, do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que o panorama é grave em todos os lugares:
— Uma porcentagem grande desse público de 10% tem aumento de comorbidades, complicações e mortalidade, além de dificuldades de hospitalização. E uma pequena parcela evolui para a perda definitiva da função renal requerendo uma terapia de substituição do rim, seja por hemodiálise ou por transplante.
É uma catástrofe. A gente vê pessoas que não tiveram acesso à saúde e aos tratamentos preventivos chegando em estágios terminais.
FERNANDO SALDANHA THOMÉ
Médico nefrologista do Hospital de Clínicas
Segundo o médico, o tratamento da doença renal crônica tem diminuído em função de ter custos elevados e ser realizado de forma inadequada em alguns lugares:
— O aumento da frequência da doença e a dificuldade de tratamentos adequados torna uma situação que daqui a alguns anos vai ser explosiva.
Embora o tratamento da enfermidade seja complicado, a prevenção por meio do diagnóstico é relativamente simples. A pessoa precisa apenas se submeter a exames de proteína na urina e creatinina no sangue.
— É uma catástrofe. A gente vê pessoas que não tiveram acesso à saúde e aos tratamentos preventivos chegando em estágios terminais — compartilha.
O médico menciona que na época em que se formou havia em Porto Alegre mais unidades de hemodiálise.
— Houve uma diminuição das unidades e no resto do Estado também existe essa crise. E há uma diminuição na formação de nefrologistas. Há um certo desinteresse dos estudantes de Medicina em relação à área de nefrologia — preocupa-se.
Ele destaca que, em 20 anos, "a doença renal crônica será a quinta causa no mundo de incapacidades e mortes".
Pacientes de hemodiálise sobrecarregam emergências
A coordenadora do serviço de cirurgia vascular do Hospital Conceição, Mariana Sesterhenn Vieira, responsável pela confecção de acessos para hemodiálise na instituição, sinaliza outros problemas enfrentados pelos profissionais na rotina de atendimento aos pacientes.
— Tem vindo uma grande quantidade de pacientes jovens, em uso de cateter, que já fazem hemodiálise em algumas clínicas ou de Porto Alegre ou da Região Metropolitana. Eles têm complicações nesses cateteres e acabam vindo para as emergências do hospital, o que seria um caminho inadequado. Teoricamente, a clínica de hemodiálise deveria dar um suporte maior para esse paciente e ter um hospital ou uma clínica de referência, ou um vascular pago pela clínica, para tratar esse tipo de situação — reflete.
Segundo a médica, as clínicas de hemodiálise em atividade reclamam dos valores defasados nos pagamentos. A maioria dos tratamentos são feitos pelo SUS e as tabelas estariam desatualizadas.
— Hoje, se for contratar um cirurgião vascular que atenda a clínica ou mesmo pagar a clínica ou fazer um convênio com hospital se tornou muito caro para eles (clínicas). Porque sempre estão em déficit. Então, esse paciente, quando tem alguma complicação, acaba indo para os hospitais — relata.
Nesta segunda-feira, Mariana deverá explanar sobre as dificuldades atuais para se fazer uma fístula pré-diálise.
— O paciente pode fazer por meio de um cateter (de curta ou longa permanência) ou por uma fístula arteriovenosa, que é uma sutura que fazemos entre a artéria e a veia para que essa veia fique mais forte e possa ser ligada na máquina de hemodiálise — detalha a médica.
O cenário adequado seria outro, em que os cateteres artificiais nunca fossem a primeira opção.
— O ideal é que todos os pacientes que vão para a hemodiálise tivessem já garantido antes, ou assim que possível depois, fazer fístula arteriovenosa e não usar cateter, que tem mais risco de infecção, trombose na veia e, a longo prazo, provoca uma fibrose dentro dessa veia.
Dessa maneira, a fístula arteriovenosa seria o mais recomendado para atenuar o problema enfrentado atualmente:
— Isso impacta também na questão da ocupação hospitalar. O paciente que tem uma boa fístula não vai internar. Agora, o que tem o cateter que está sempre complicando vai internar várias vezes, ocupar leitos, despender gastos para o sistema de saúde, além de diminuir a sobrevida dele.