Desde terça-feira (10), Marina Metz, 42 anos, vem observando uma queda em seu desempenho durante os treinos de corrida na Redenção, em Porto Alegre. Mesmo sem doenças respiratórias prévias, a designer está sentindo o ar “mais pesado” para respirar. A sensação é um dos impactos da fumaça que circula na atmosfera do Rio Grande do Sul desde agosto, vinda das queimadas que ocorrem em outros Estados e em países vizinhos.
— O ar está mais pesado, parece que não entra, que está mais difícil de respirar. Tem que respirar mais fundo do que o normal. Isso está afetando meu desempenho. Viemos de um frio que para o corredor é maravilhoso, e vem tudo junto: a poluição, a fumaça e o calor, que estão me afetando bastante — relatou Marina à reportagem de Zero Hora, enquanto treinava no parque na manhã desta quinta-feira (12).
A designer pratica o esporte há cinco anos e comentou que, na semana passada, não sentiu nenhuma diferença. No entanto, classifica seu primeiro treino desta semana como “horrível” e lembra que vários colegas corredores relataram a mesma dificuldade.
Apesar do problema, Marina descarta a possibilidade de treinar ao ar livre utilizando máscara. Ao percorrer parques de Porto Alegre nesta manhã, a reportagem observou diferentes pessoas com o item de proteção — a necessidade do uso não é um consenso entre especialistas da área da saúde, já que nem todos os indivíduos são afetados da mesma forma pelos vestígios dos incêndios (leia abaixo).
Rômulo Carvalho, 57 anos, treinava no Parque Moinhos de Vento por volta das 9h. O mentor estratégico também está sentindo o ar mais seco, mas afirmou que não percebeu nenhum impacto da fumaça nos seus treinos. A ausência do sol, contudo, afeta seu humor.
— Em termos de saúde não tenho sentido nada, nenhuma questão respiratória, nem o ar mais pesado. Mas nós viemos de um inverno rigoroso, de uma situação com muita chuva, que ocasionou toda aquela tragédia, e acho que o sol sempre traz uma esperança, luminosidade, possibilidade de humor, de emoção. Acho que Porto Alegre está merecendo mais dias de sol — destacou Carvalho.
Veja quais são os impactos da fumaça na saúde:
Quem são as pessoas mais afetadas pela fumaça?
Gilberto Bueno Fischer, pneumopediatra credenciado do Hospital Moinhos de Vento e pneumologista pediátrico do Hospital Santo Antônio e da Santa Casa, explica que estamos sendo expostos a um material particulado, que provoca uma reação inicialmente irritativa na via respiratória. Por isso, todas as pessoas que têm doenças respiratórias como bronquite, rinite, sinusite ou asma podem ter seus sintomas agravados neste momento.
Médico do Serviço de Pneumologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) e do Hospital Moinhos de Vento, Igor Benedetto acrescenta que pessoas com doença pulmonar obstrutiva crônica, portadoras de cardiopatias, que utilizam remédios que alteram a imunidade, com comorbidades, idosos e crianças pequenas também integram os chamados grupos de risco, que podem ser afetados ao circular nas ruas por muito tempo, por exemplo.
— Para pessoas com doenças respiratórias alérgicas, como a asma, toda exposição inalatória é passível de gerar uma resposta inflamatória e exacerbar os sintomas. Isso vale para vírus, fumaça, cheiro de produtos químicos. Então, inalar fumaça vai agravar a doença, mas quem não tem nenhuma condição prévia terá uma resposta menor, é menos provável que tenha sintomas — resume Benedetto.
Pode praticar exercícios ao ar livre?
Com a fumaça visível como está atualmente, o pneumologista do HCPA afirma que não é recomendada a prática de exercícios ao ar livre. O especialista ressalta, contudo, que as orientações são bastante condicionadas ao índice de qualidade do ar — que varia diariamente e, em Porto Alegre, não é medido.
— Na caminhada, respiramos em litros uma quantidade de ar menor. Quando aumenta a intensidade, na corrida, por exemplo, aumenta muito o volume de ar respirado. Então, quando a pessoa está correndo o volume de ar que entra no pulmão é maior do que quando está em repouso. Se o ar está com poluição, a inalação dessas partículas correndo vai ser maior, então, não é recomendado — esclarece.
Na visão de Fischer, a recomendação depende de cada caso. O pneumopediatra comenta que pessoas com doenças respiratórias prévias evitem ficar em ambiente externo por períodos prolongados, mesmo que seja para praticar atividades físicas. Já um indivíduo saudável deve prestar atenção na sensação de que não está tendo o mesmo desempenho e se está apresentando algum sintoma, como tosse, enquanto pratica o exercício.
— Nessa circunstância, seria indicado reduzir essa frequência e intensidade do exercício para não ficar sintomática. Se ela tem asma e é corredora, tem que conversar com o seu médico para ver se tem indicação de usar um preventivo antes do exercício, por exemplo — orienta, enfatizando que não considera haver razão para alarme em relação à fumaça, já que a repercussão ainda é muito inicial na região.
Fischer também considera uma precaução interessante evitar que crianças menores de um ano sejam expostas à fumaça.
— Evitar que a criança fique, por exemplo, em um parque. Crianças abaixo de um ano e, particularmente, as menores ainda. Ou se a criança saiu de um processo inflamatório ou de uma internação prolongada, os pais devem abrir os olhos para ver que sintomas estão aparecendo e daí procurar o seu médico.
É necessário usar máscara?
Benedetto afirma ser recomendado que todos utilizem máscara ao circular na rua por muito enquanto a fumaça estiver visível, mas aponta que é necessária uma atenção ainda maior aos grupos de risco. O especialista acrescenta, contudo, que a proteção cirúrgica, que é a mais comum, não filtra as partículas que são emitidas pelos incêndios e inaladas pelas pessoas. A indicação é usar a N95 — bastante utilizada durante a pandemia de covid-19.
Já Fischer considera uma “boa atitude” que pessoas com doenças respiratórias prévias utilizem a proteção quando possível:
— A N95 é a máscara ideal, que filtra melhor essas partículas pequenas. Mas, na verdade, não precisamos ter um grande alerta no momento, porque na nossa região essa repercussão é bem menor do que quem está próximo às queimadas. Aí sim o efeito respiratório é muito intenso.
Devo manter as janelas abertas ou fechadas?
De acordo com Benedetto, o ideal é manter as janelas fechadas, evitando o ar do ambiente externo. O especialista indica que, quando possível, deve-se deixar o ar-condicionado ligado.
Para Fischer, a recomendação de fechar as janelas seria necessária se estivéssemos a uma distância muito próxima das queimadas. No atual cenário da nossa região, o pneumopediatra não vê motivo importante e decisivo para tal.