Levantamento inédito apresenta o panorama da estrutura e do funcionamento da rede hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado. O estudo foi realizado pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) e obtido com exclusividade por GZH nesta sexta-feira (8). O resultado indica que há pontos importantes associados à gestão e à eficiência que podem melhorar no sistema hospitalar do SUS.
— De modo algum a gente deixa de reconhecer que o SUS é subfinanciado, e isso repercute diretamente na eficiência. Sabemos que o SUS precisa receber bem mais recursos, só que, com os que se tem, nós queremos saber se é possível fazer mais. A conclusão é que tem pontos que são possíveis de ser melhorados e impactam diretamente a eficiência do sistema hospitalar — salienta Leonardo Ferreira, auditor de controle externo do TCE-RS e responsável técnico pelo trabalho.
Com o paciente recebendo atendimento no local correto, seria possível atingir uma produtividade "muito maior".
— Temos hoje uma capacidade instalada (leito na sua complexidade, com estruturas, equipes e insumos) que, por incrível que pareça, é boa, mas é mal utilizada, pode produzir muito mais — acrescenta.
O estudo
Os hospitais são elementos-chave na saúde e consomem em torno de 50% dos recursos públicos, de acordo com o TCE. A ideia do levantamento surgiu a partir de estudos do Banco Mundial e do TCU que apontam indícios de ineficiência elevada nos hospitais brasileiros, bem como de desperdícios que ameaçam a sustentabilidade do SUS, em cenário de restrição fiscal. Assim, o objetivo principal foi obter uma visão detalhada da rede hospitalar do SUS no RS, identificando situações-problema, limitações e oportunidades – e propor ações de controle externo de modo a contribuir para a melhoria da gestão e da qualidade.
Os dados mostram que, em dezembro de 2022, o RS contava com 313 hospitais distribuídos em 224 dos 497 municípios gaúchos – ou seja, em menos da metade. Desse total, 272 atendiam ao SUS, com 21.567 leitos, estando 31,27% deles concentrados em Porto Alegre, Pelotas, Canoas e Caxias do Sul. O estudo também apontou que 13% dos hospitais são exclusivamente voltados ao atendimento público (SUS), enquanto 87% atendem a planos privados, particulares e SUS.
Além da falta de gestão adequada, entre outras causas para a ineficiência do sistema hospitalar do SUS, o TCE-RS aponta a falta de conexão entre os diferentes níveis de atenção à saúde; o subfinanciamento; a falta de automação de processos; a modelagem de contratualização; bem como a escassez de recursos humanos qualificados, em especial de médicos especialistas. A própria complexidade natural do SUS também contribui para o cenário verificado.
Sabemos que o SUS precisa receber bem mais recursos, só que, com os que se tem, nós queremos saber se é possível fazer mais.
LEONARDO FERREIRA
Auditor de controle externo do TCE-RS
Ferreira destaca dois pontos de grande importância no estudo: o primeiro é a quantidade expressiva de pequenos hospitais. A maioria (215) é de pequeno porte, possuindo menos de cem leitos. Apenas 59 têm mais de 150 leitos, sendo seis com mais de 500.
— Não nos parece ser, em um primeiro momento, uma realidade adequada, porque o ideal seria que o Estado tivesse uma quantidade maior de hospitais de médio e grande porte, e menor de pequeno. Em termos de estudos de ciência hospitalar, é fortemente recomendado. E na realidade que a gente tem hoje, como é inadequada, seria interessante pegar recursos e reverter para médio e grande porte — afirma.
O outro é o modelo estabelecido pelo SUS de uma rede fragmentada de atenção à saúde. Embora desenhe um atendimento integral para o cidadão, há uma dificuldade grande de integração entre atenção básica, média complexidade e alta complexidade, segundo Ferreira:
— Tudo isso acaba refletindo em dificuldades nos hospitais, lota emergências, e tem muitos casos que não precisavam estar lá.
O auditor enfatiza que há modelos internacionais nos quais o cuidado integral é verticalizado, ao invés de horizontalizado: o hospital cuida também da atenção primária e da média complexidade, com unidades básicas – que são a porta de entrada – e centros de exames e especialidades, conectados ao hospital. Assim, consegue aumentar a eficiência, ao adotar, por exemplo, um sistema único de informática, com todo o histórico do paciente, além de realizar o encaminhamento para o serviço adequado.
Dessa maneira, uma quantidade muito menor de pessoas chegaria a necessitar do hospital, segundo Ferreira.
— O modelo de integração da rede precisa ser fortemente melhorado, seja para manter assim fragmentado, mas com uma comunicação melhorada, seja até para estudar outros modelos de integração das atenções de saúde, de básica, média e alta complexidade — avalia.
O estudo também indica outros caminhos para minimizar a ineficiência, como o desenvolvimento de novas políticas e programas, o aumento do uso da telemedicina, o estabelecimento de instrumentos de gestão de processos, entre outras medidas.
O Ministério da Saúde foi contatado por GZH para comentar os apontamentos do Estudo. Até a publicação da reportagem a pasta não se manifestou.
Outras revelações do estudo
- A proporção é de 2,1 leitos de UTI por 10 mil habitantes e 2,2 leitos gerais por mil habitantes - no caso dos leitos de UTI, estaria dentro da recomendação da Organização Mundial da Saúde (um a três leitos para cada 10 mil habitantes); no entanto, nos leitores gerais de internação, o parâmetro recomendado pelo Ministério da Saúde é de 2,5 a três leitos por mil habitantes, o que ainda estaria um pouco abaixo
- 77% dos hospitais não têm fins lucrativos, 12% são privados e 11% públicos
- Quase todos os hospitais detêm um tempo médio de permanência no leito acima do ideal. De acordo com o levantamento, uma permanência menor elevaria a capacidade de atendimento em 60%
- Poucos detêm uma taxa de ocupação superior a 80% – o que indica subutilização
- A taxa de mortalidade em praticamente todos estava acima da taxa ideal
- Para realizar a primeira consulta em cirurgia bariátrica, pacientes aguardam mais de seis anos. Para urologia e vasectomia, mais de cinco. Em oftalmologia e estrabismo, mais de quatro anos e meio
- Aproximadamente 163.770 pessoas aguardavam por cirurgia no Estado, com registros de 10 anos de espera
- Há programas estaduais para dividir os recursos com base em critérios objetivos – mas nem todos da rede estão inseridos –; para promover investimentos em infraestrutura e equipamentos – mas sem escora em base epidemiológica –; e para diminuir as filas de espera para consultas especializadas, exames e cirurgias eletivas – mas com “baixíssima adesão” dos hospitais
- Há uma central de regulação estadual e quatro centrais municipais
- Um dos principais desafios é a falta de integração entre os sistemas utilizados. As dificuldades estão relacionadas, também, à estrutura e capacitação dos profissionais, falta de prestadores e recursos financeiros limitados.
O TCE-RS reforça que a ineficiência do sistema gera consequências como o aumento da morbimortalidade; de desigualdades, devido à falta de acesso; e de filas, levando à judicialização do acesso à saúde. Há ainda impactos na economia, entre outras consequências.
Próximos passos
Agora, o TCE realizará auditorias operacionais em hospitais – ferramentas para aprofundar ainda mais os estudos e ajudar na construção de soluções. O objetivo é auxiliar no avanço da gestão do sistema hospitalar, colocando o tema na agenda dos gestores. As práticas vão além do emprego de recursos e envolvem boas técnicas de gestão e governança, manejo cultural e organizacional, introdução de novas práticas e desenvolvimento de novas habilidades.