Após a queda causada pela pandemia de coronavírus, o Rio Grande do Sul registrou um aumento de 35,9% no número de transplantes de órgãos no primeiro semestre deste ano, quando comparado ao mesmo período de 2022. De acordo com dados da Central Estadual de Transplantes, foram 378 cirurgias do tipo entre janeiro e junho, contra 278 procedimentos até a metade do ano passado. Apesar do crescimento, a quantidade de pessoas na lista de espera continua significativa: somente no território gaúcho, são mais de 2,7 mil pacientes aguardando — em todo o Brasil, são quase 66 mil.
Especialistas esclarecem que todas as pessoas que precisam de transplantes são incluídas na mesma relação, que é gerida pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O assunto ganhou destaque após o anúncio de que o apresentador Fausto Silva, diagnosticado com insuficiência cardíaca, entrou na lista de espera para um transplante de coração. Dados do Ministério da Saúde atualizados até 16 de agosto deste ano mostram que, entre os 65.911 pacientes cadastrados, 386 também aguardam esse órgão.
O rim aparece no topo da lista, sendo esperado por 36.960 pessoas. Em seguida, estão os mais de 25 mil pacientes que precisam de uma doação de córnea. No Rio Grande do Sul, o cenário é semelhante. Já na lista de transplante cardíaco, havia 14 pessoas até a primeira quinzena deste mês, conforme a Central Estadual de Transplantes.
Em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, na manhã desta segunda-feira (21), o coordenador da Central Estadual de Transplantes, Rafael Rosa, explicou que a lista leva em conta a compatibilidade do doador, o tempo que o paciente está esperando e a gravidade do caso — ou seja, quanto mais alto o risco de morte, maior pontuação e prioridade a pessoa terá. Além disso, destacou que a relação é nacional, mas também pode ser feita de forma regionalizada, e que todo o processo de doação de órgãos é realizado pelo SUS. Assim, não há diferença entre aqueles que têm plano de saúde ou não:
— Os pacientes entram na lista de espera pelo SUS e vão concorrer como qualquer pessoa do Brasil. O processo de doação do órgão é todo realizado pelo SUS. Se o paciente quiser, ele pode fazer o transplante em si (o procedimento do implante) por convênio ou particular. Mas para aparecer o órgão, todo o procedimento da doação, tem que entrar na lista de espera como qualquer pessoa.
Rosa também ressaltou que o número de transplantes foi muito impactado pela pandemia. Em 2019, por exemplo, foram feitas 721 cirurgias do tipo no Estado. Já em 2021, o número caiu para 420. No entanto, há um indicativo de recuperação, já que, somente até agosto deste ano, foram 424 procedimentos — oito deles cardíacos.
Como funciona o processo
De acordo com informações da Secretaria Estadual de Saúde (SES), ao ser indicado para um transplante, o paciente tem seus dados cadastrados em um programa informatizado, sob responsabilidade do Sistema Nacional de Transplantes, que é gerenciado pela Central de Transplantes do Estado. Esse sistema faz o cruzamento entre as informações do doador e do receptor, apresentando as opções mais compatíveis.
Exames de compatibilidade também são realizados, assim como avaliações das equipes médicas, que indicam se a pessoa está em condições de receber o órgão. A partir do aceite, o órgão é enviado pela Central de Transplantes ao hospital onde está o receptor. Fernando Lucchese, diretor médico do Hospital São Francisco da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, afirma que a equipe que transplanta o órgão não tem contato com os familiares dos doadores, já que este procedimento é intermediado pela Central Estadual de Transplantes, que aciona a instituição de saúde quando há casos de morte cerebral:
— Isso é importante porque tira o aspecto pessoal de quem transplanta com a família do doador. As famílias também não têm contato entre si. E a condição econômica ou a origem do paciente não têm nenhum impacto na lista, não faz diferença se a pessoa é atendida por convênio ou pelo SUS.
A prioridade na comunicação, conforme o especialista, é sempre relacionada ao coração, que precisa ser retirado do doador ainda em condições normais, após confirmada a morte. O tempo também é um fator muito importante nesses casos, já que, quanto mais rápido o órgão for transplantado, maior o sucesso do procedimento. Até Caxias do Sul, por exemplo, a busca é feita de ambulância. Já para distâncias maiores, é utilizado um avião, que transporta todas as equipes que estão selecionadas para captar órgãos daquele doador.
— Coração, rim, pulmão e fígado são os órgãos mais críticos. Depois, tem as córneas e, às vezes, o pâncreas, mas esse último é bem mais raro. Na Santa Casa, fazíamos entre 600 e 700 transplantes por ano. Na pandemia, esse número caiu, mas agora está se recuperando — aponta Lucchese.
Ao citar as maiores listas, o diretor médico esclarece que para transplante de coração a lista é menor porque existem muitos outros tratamentos para insuficiência cardíaca que permitem que o paciente sobreviva em condições adequadas por mais tempo. De acordo com Lucchese, no caso da insuficiência, o coração dilata e perde a capacidade de contrair e distribuir o sangue pelo corpo, gerando limitações aos pacientes, como falta de ar e cansaço. O último recurso de tratamento utilizado, comenta, é o transplante.
— Os pacientes transplantados de coração têm entre 30 e 35 anos, com histórico de progressão da doença, longos períodos de tratamento e, quando entram na lista, esperam mais tempo. Não é incomum a morte do paciente na lista de espera por falta de doador, por isso estimulamos tanto nas campanhas. No caso do coração, normalmente, quando o paciente entra em lista é irreversível, porque já foram tentados todos os outros métodos. Da mesma forma, ocorre com o fígado, dificilmente a pessoa sai da lista — ressalta.
Adesão à doação
De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil é referência mundial na área de transplantes e possui o maior sistema público de procedimentos do tipo. Em números absolutos, o país é o segundo maior transplantador do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. A rede pública de saúde fornece aos pacientes assistência integral e gratuita, incluindo exames preparatórios, cirurgia, acompanhamento e medicamentos pós-transplante.
Conforme Lucchese, o Rio Grande do Sul já teve mais doadores de órgãos do que atualmente. Os dois pontos principais para reverter essa situação, comenta, são a conscientização da população e a comunicação entre as famílias.
— Mesmo sadias, as pessoas devem dizer que são doadoras. Isso é extremamente importante, porque a família tende a respeitar aquele desejo. A decisão fica com a família, mas a observação tem mostrado que os familiares respeitam a vontade de quem definiu a doação de órgãos como meta. É importante também ressaltar que hoje em dia não se tem dúvida nenhuma da caracterização da morte cerebral, existem critérios estabelecidos, quando deixa de haver fluxo sanguíneo no cérebro, não há como recuperar — salienta.