Queixa comum dos hospitais, os valores pagos por materiais e procedimentos cardiovasculares no Sistema Único de Saúde (SUS) deverão receber reajustes do governo federal. Os aumentos nos repasses deverão ser feitos por meio de uma portaria, que ainda não foi publicada. Gestores das instituições hospitalares que fazem procedimentos cardíacos esperam que o investimento possa reduzir as filas de espera por cirurgias.
Na semana passada, o Ministério da Saúde (MS) informou correções na tabela de dois grupos importantes para a área da cardiologia. O primeiro engloba 14 procedimentos que devem receber 75% a mais da pasta; o investimento será de R$ 270 milhões. O segundo é o resgate de valores reduzidos pela portaria 3.693, de dezembro de 2021, que entrou em vigor em junho de 2022.
A alteração no ano passado causou redução de até 83% nos repasses públicos em 12 órteses, próteses e materiais especiais (OPMEs) utilizados em procedimentos cirúrgicos: marca-passos, stents e desfibriladores estão na lista.
Questionado por GZH, até o fechamento desta reportagem, Ministério da Saúde não informou quando será efetivada a mudança. Veja a diferença dos valores no fim da matéria.
Fernando Lucchese, diretor médico do Hospital São Francisco, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, afirma que o reajuste poderá zerar filas por procedimentos.
— Não teremos de ficar estudando caso a caso o que fazer. Vamos voltar a uma situação de normalidade, que ainda é defasada, mas é o suficiente para não parar o sistema. Vamos conseguir abrigar todos esses pacientes e resolver esse problema. Não tenho a menor dúvida que podemos zerar toda a fila (no Hospital São Francisco).
Segundo o diretor médico, o Hospital São Francisco faz cerca de 1,5 mil cirurgias cardíacas por ano e a instituição conseguiu manter o serviço para pacientes do SUS mesmo com a redução nos repasses. Ele estima que a fila para cirurgias de marca-passo no hospital tenha 70 pacientes no momento. O tempo de espera deverá ser reduzido assim que os valores dos materiais sejam aumentados pelo governo federal.
Lucchese define os cortes como um “caos” para a cardiologia no país: dificultou o atendimento dos centros menores e foi responsável pelo aumento em filas de espera por cirurgias em hospitais de grande porte.
— O financiamento foi jogado nas costas do hospital, que não tem condições de financiar um sistema caro como esse. Muitos pacientes chegam até nós depois de terem circulado em quatro, cinco centros - principalmente no Interior - porque tiveram atendimento negado e precisaram entrar na fila de espera em Porto Alegre — diz.
Jorge Bajerski, diretor administrativo do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), cita que a instituição enfrentou cenário parecido com a da instituição da Santa Casa por conta da mudança nos valores pagos pela tabela SUS a partir de 2022. Com menos recursos, segundo ele, hospitais deixaram de fazer os procedimentos ou passaram a realizá-los em quantidade menor do que faziam antes da publicação da portaria.
— O Clínicas, que é público, não seleciona pacientes. Muitos deles, não tendo mais onde ir, vinham bater na porta de um hospital que estava sempre com a emergência aberta. Então, além de redução no repasse, nós passamos a fazer mais procedimentos (desde 2022). Para as finanças do hospital foi um grande problema — explica.
Bajerski diz que o reajuste mais importante anunciado pelo Ministério da Saúde será o do cardioversor desfibrilador com marca-passo multi-sitio, destinado para pacientes com arritmias graves: os hospitais voltarão a receber R$ 50 mil pelo item; no momento, são pagos R$ 18,4 mil, ou seja, 63% inferior ao que era antes da portaria. O diretor administrativo usa esse material como exemplo do impacto do corte na tabela no financeiro do Clínicas.
— Passamos a ter um prejuízo acumulado de mais de R$ 30 mil em cada procedimento desse tipo; e, em média, fizemos 30 desses por mês. Então, grosso modo, apenas nesse tipo de procedimento, prejuízo é de R$ 900 mil por mês — estima.
Responsável por 40% das cirurgias cardíacas no Estado, o Hospital de Cardiologia (IC) de Porto Alegre disse que se manifestará sobre o assunto apenas após publicação da nova portaria. O corte nos repasses por conta da portaria no ano passado é uma das justificativas para a crise vivida na instituição, conforme informou a direção do IC à reportagem em julho.
“Aguardamos com grande expectativa a publicação no Diário Oficial para adequada análise. A correção dos valores das OPMEs para os valores anteriores à portaria 3.693 é muito importante e minimizaria o déficit global do atendimento SUS”, disse o IC por meio de nota a GZH.
Filas aumentaram
Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) de Porto Alegre, a fila de espera para procedimentos cardiológicos na Capital aumentou nos últimos anos: apresentava média de 1.047 solicitações por mês em 2021, subiu para 1.838 em 2022 e é de 3.299 neste ano. Segundo Fernanda dos Santos Fernandes, diretora de Vigilância em Saúde da Capital, esse é um cenário motivado por dois fatores recentes:
— Não tínhamos essa demanda: o volume de pacientes aumentou nos últimos três anos, por conta da pandemia e também pela portaria. Tivemos muita judicialização nesse período em função dessa demora, porque a rede ficou travada em função de toda as alterações na tabela SUS — justifica.
Conforme a SMS, a Capital deixou de receber anualmente R$ 16,2 milhões para os custeios dos procedimentos cardiológicos antes da publicação da portaria 3.693; já no Estado, ao todo, os valores foram reduzidos em R$ 34,2 milhões.
— Para mitigar os danos financeiros dos hospitais, pagamos (a prefeitura da Capital) a diferença para os pacientes de Porto Alegre. O hospital fazia o procedimento e nos mandava a conta. O Estado também fez alguns desembolsos para pagamento de pacientes de outros municípios. Neste momento, com a nova portaria, o Ministério da Saúde quer mitigar a situação financeira dos hospitais — acrescenta Fernanda.
Veja como serão feitos os reajustes na tabela SUS nos materiais e procedimentos cardiovasculares
Quando efetivada a mudança, tabela de órteses, próteses e materiais especiais terá aumento de até 496,30%:
Já os procedimentos terão aumento padrão de 75%: