A recente confirmação de três mortes por febre maculosa em Campinas, no Estado de São Paulo, vem gerando uma série de dúvidas relacionadas ao agente transmissor da doença: o carrapato. GZH consultou especialistas para entender se todas as espécies do parasita podem disseminar a infecção febril aguda, se há risco para cães e gatos e por que a Região Sudeste concentra a maior parte dos casos e óbitos.
Somente neste ano, já foram confirmados 53 casos de febre maculosa no Brasil, dos quais oito resultaram em mortes — todas na Região Sudeste —, conforme dados do Ministério da Saúde. Do total de registros da doença, 30 foram entre os municípios de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo. No Rio Grande do Sul, entre 2007 e 2023, foram 15 casos da infecção febril aguda, sem nenhum óbito.
De acordo com Matheus Nunes Weber, coordenador do curso de Medicina Veterinária da Universidade Feevale, a febre maculosa é transmitida pela espécie Amblyomma cajennense, conhecida como carrapato-estrela. Diferente do parasita visto em cães e gatos, esse costuma se alimentar do sangue de animais silvestres, como capivaras, aves e gambás — e é a partir desses bichos, especialmente da capivara, que os carrapatos são infectados pela bactéria Rickettsia rickettsii e passam a transmiti-la, causando a doença.
— Por estar relacionado a animais silvestres, acaba sendo mais comum as pessoas se contaminarem quando vão acampar, fazer trilha ou ficar em um ambiente rural, que tenha animais silvestres — acrescenta Weber, lembrando que os indivíduos que morreram recentemente em São Paulo estiveram no mesmo evento, na Fazenda Santa Margarida, distrito de Joaquim Egídio, na área rural de Campinas.
A professora do curso de Medicina Veterinária da UniRitter e doutora na área de parasitologia Mariana Teixeira afirma que não há circulação de carrapato-estrela no Rio Grande do Sul e que os casos registrados aqui em anos anteriores são importados, ou seja, de pessoas que viajaram para outro local, foram contaminadas e voltaram. Isso porque a espécie não é adaptada para regiões mais frias ou muito quentes, como o Sul e o Nordeste, por exemplo, sendo mais comum em áreas de clima temperado, com campo e mata.
Mariana também esclarece que a capivara pode ser considerada uma boa portadora da bactéria que causa a febre maculosa, mas não costuma adoecer em função disso. Já o carrapato-estrela é muito adaptado a fazer seu ciclo nesse animal, que está no mesmo ambiente silvestre, portanto, acaba contaminado.
— É um carrapato silvestre e não urbano, por isso está relacionado com capivaras e outros animais de vida livre. Mas o gênero dele é adaptado para fazer ciclo em mais de um hospedeiro, pode fazer em cachorro, capivara e no ser humano. Essa variedade é que aumenta o risco de transmissão de patógenos entre humanos e animais — explica, destacando que para ocorrer a transmissão da bactéria causadora da febre maculosa, é preciso um contato prolongado, de no mínimo quatro horas, entre a pessoa e o parasita.
Conforme a especialista, outras espécies, que podem ser consideradas “primas” do carrapato-estrela, também são capazes de transmitir a febre maculosa eventualmente. Entretanto, os parasitas vistos em cães e gatos (Rhipicephalus sanguineus) são de outra família e não são adaptados para disseminar a bactéria que causa a doença. Por isso, Mariana e Weber ressaltam que as pessoas podem ficar tranquilas em relação aos seus pets, mas recomendam que coloquem em dia os métodos para controle de pulgas e carrapatos que já utilizam.
— Mas para cães e gatos que moram em áreas periurbanas (que se encontram entre espaços rurais e urbanos) é preciso ter uma atenção especial, porque eles terão contato com a espécie Amblyomma aureolatum, que é do mesmo gênero que o carrapato-estrela e pode transmitir doenças, só não necessariamente a febre maculosa — aponta a professora.
Como forma de prevenção, Weber recomenda evitar o contato com animais silvestres, principalmente as capivaras, ou ambientes rurais que tenham essas espécies. Já Mariana orienta que pessoas que tenham sido picadas ou que tenham tido contato com carrapatos em ambientes silvestres devem procurar o serviço de saúde para realizar exames que podem diagnosticar a doença.