Foi por acaso que Clariana Maurente gravou com o celular a mais recente ultrassonografia de sua filha Sarah, com nascimento previsto para 14 de junho.
— Nós temos um programa que grava as imagens, mas sem a voz da mãe ou do médico. Só que, naquele dia, o programa estragou e a médica sugeriu que eu gravasse com o celular. Por isso, ficou a voz dela junto — comenta Clariana, impressionada com o mais de 1 milhão de visualizações que o vídeo já teve no Instagram.
O que chamou a atenção de tanta gente foi a interação do feto com a médica que realizava o exame. Enquanto a profissional conversa com a bebê, ela se mexe e, no exato momento em que lhe é pedido, Sarah esboça um sorriso. A gestante, que também é médica e especialista em ultrassonografias, resolveu publicar o vídeo justamente por trabalhar nessa área e querer exemplificar o fenômeno. Veja o vídeo:
— Não que o bebê vá entender o que estamos falando, mas ele sente o afeto e tem uma reação. Ali foi um sorriso, mas, geralmente, a gente conversa com eles e eles vão se mexendo — relata Clariana, que já é mãe de outras duas crianças.
O vídeo foi gravado quando a médica estava com 29 semanas de gravidez. Segundo Eduardo Becker, coordenador do Serviço de Medicina Fetal e Cirurgia Fetal do Hospital Moinhos de Vento e professor da Escola de Medicina da PUCRS, o aparelho auditivo do feto se forma bem no início da gestação, mas, por volta das 16 a 20 semanas, a conexão do cérebro com esse órgão também já acontece, o que já foi verificado em pesquisas.
— Tem estudos bem interessantes que usam ondas sonoras com frequências bem determinadas, para verificar se os bebês escutam, e quando. Uma coisa que se viu é que, primeiro, eles escutam com frequências baixas e, depois, elas vão aumentando — pontua Becker.
Apesar da plena capacidade de escutar, a sensibilidade auditiva do bebê dentro da barriga é reduzida por conta dos sons internos do organismo da mãe, como a batida do coração, o funcionamento do intestino e a circulação pelos vasos sanguíneos. Por isso, a voz da própria mãe é a primeira compreendida com mais clareza pelo feto. E mais: eles podem se afeiçoar por esse som.
— É possível que o nenê se tranquilize com a voz materna ou a paterna, depois que nasce, quando essa interação acontece desde a barriga. É difícil de comprovar em estudos, mas eles criam memória de sons familiares, então é provável que essas interações colaborem com o desenvolvimento de um senso de família — analisa o ginecologista e obstetra.
A identificação de que o feto está escutando se dá por meio dos movimentos que ele faz após determinados estímulos, assim como pela mudança da frequência cardíaca do bebê. Becker ainda sinaliza que o “sorriso” de Sarah no vídeo não é um sorriso social, o que só começa a acontecer a partir dos dois meses de idade da criança, mas sim um reflexo. Mesmo assim, Clariana é grata pela possibilidade de interagir.
— É uma alegria. A gente acredita muito que o bebê vai sentindo, e que a vida intrauterina tem uma repercussão no resto da vida dele, não só biológica, mas também na parte emocional e afetiva — observa a gestante.
Clariana ressalta que, via de regra, os fetos gostam de ouvir música, especialmente as clássicas. Além disso — depois de nascer, podem até ficar mais calmos quando escutam aquelas canções que conheceram ainda dentro da barriga. O mesmo acontece com vozes familiares, como a da mãe, do pai e dos irmãos.
— Como diria meu marido, que é psicólogo, é uma comunicação entre inconscientes: do inconsciente do bebê com o da pessoa que está falando — explica a médica.