Os primeiros dias de 2020 eram de incertezas quanto à disseminação de um novo vírus causador de episódios de pneumonia em Wuhan, na China. No dia 10 de janeiro, o governo chinês confirmou a primeira morte provocada pelo o que foi então batizado de 2019-nCoV.
No dia seguinte, foi contabilizada a primeira infecção fora da China, na Tailândia. Novas mortes e registros entraram nas estatísticas em diversos países. No dia 11 de março de 2020, Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), informou ao mundo o alcance da doença causada pelo vírus que passou a ser chamado de Sars-CoV-2:
— Avaliamos que a covid-19 pode ser caracterizada como uma pandemia — disse, na ocasião.
O posicionamento da entidade ocorreu quando haviam sido registrados 118 mil casos e 4.291 mortes em 114 países. Naquele dia, o Brasil tinha 35 confirmações da doença; o Rio Grande do Sul, duas. Não havia óbito informado no país.
O anúncio da OMS completa três anos neste sábado (11): no período, a doença matou 6,8 milhões de pessoas e teve 759 milhões de casos em todo o mundo, segundo os dados mais recentes da entidade global, de terça-feira (7).
O protagonismo das vacinas
O período de pandemia foi de afirmação da efetividade de vacinas no combate à doença, conforme especialistas consultados por GZH; segundo eles, porém, foi estabelecida uma ideação prejudicial no combate à doença: a propagação de posicionamentos antivacinas no mundo.
O Brasil contabilizou 699.276 mortes e cerca de 37 milhões de contaminações até a última atualização da pandemia feita pelo Ministério da Saúde (MS) no dia 3 de março, conforme dados analisados pela reportagem.
Esses indicadores colocam o país como o segundo com mais mortes por conta da doença, atrás apenas dos Estados Unidos, que ultrapassaram a marca de 1 milhão de óbitos, conforme o mapa abaixo:
Portanto, uma em cada 10 mortes por covid-19 no mundo ocorreu no Brasil, segundo a OMS. O primeiro caso no país foi de um paciente de São Paulo (SP), no dia 26 de fevereiro de 2020. A primeira morte foi contabilizada também na capital paulista, onde uma mulher de 57 anos morreu no dia 12 de março daquele ano.
O Rio Grande do Sul informou o primeiro caso da doença em 10 de março de 2020; duas semanas depois, no dia 24, veio o primeiro óbito: uma idosa de 91 anos, em Porto Alegre. São, desde então, 2,9 milhões de infecções e 41.919 mortes em solo gaúcho. Nos três anos de pandemia de covid-19 foram contabilizados 6.638 óbitos e 327.228 casos na Capital.
Eduardo Sprinz, médico infectologista e chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), diz que, no início de 2020, não esperava que a pandemia fosse capaz de causar uma experiência “tão prolongada e sofrida” na rotina de um dos centros de referência do país na pesquisa e combate à covid-19. Ainda assim, a comparação entre a evolução do vírus nos três anos e o cenário observado hoje indicam que a ciência foi capaz de lidar com o problema de forma eficaz:
— Saímos de uma ignorância completa para o entendimento (do vírus) tanto na prevenção quanto no tratamento. Os processos foram utilizados sem comprometer a segurança: em um curto espaço de tempo conseguimos comprovar que as vacinas são efetivas e seguras. Certamente, o cenário que nós temos hoje é totalmente diferente e antagônico ao que havia três anos atrás — diz.
O fim da pandemia?
Em dezembro de 2022, o diretor-geral da OMS disse que a entidade esperava decretar o fim da pandemia de covid-19 ainda em 2023. Em fevereiro, em uma entrevista publicada pelo jornal O Globo, a líder técnica da OMS, Maria Van Kerkhove, afirmou que “nunca estivemos tão perto de acabar com a emergência”.
Esse vírus ainda tem muito para evoluir: ele veio para ficar por bastante tempo, pois novas subvariantes aparecerão, isso faz parte da evolução dele
EDUARDO SPRINZ
Infectologista e chefe do Serviço de Infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA)
A organização, no entanto, ainda não mudou o entendimento: decidiu manter o nível máximo de alerta para a situação. A OMS define que a pandemia é a disseminação mundial de uma nova doença; o termo é usado quando uma epidemia - surto que afeta uma região - se espalha por diferentes continentes com transmissão de pessoa para pessoa.
— Esse vírus ainda tem muito para evoluir: ele veio para ficar por bastante tempo, pois novas subvariantes aparecerão, isso faz parte da evolução dele. Então, para os próximos anos, a covid-19 não vai simplesmente acabar, mas vai fazer parte da nossa rotina, ficará endêmica — pontua Sprinz.
Além das vacinas para evitar a doença, o especialista cita o desenvolvimento de medicamentos para tratar da contaminação. No ano passado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorizou o uso do Paxlovid, a primeira pílula antiviral de via oral a receber aval para tratamento da covid-19 no país.
Produzido pela Pfizer, o remédio reduz em 89% o risco de internação e de morte em decorrência da doença. Em dezembro, a agência aprovou a indicação para o uso do medicamento dexametasona injetável no Brasil para tratamento contra a covid-19. Esses são alguns dos potenciais aliados no enfrentamento a doenças nos próximos anos, acrescenta o médico:
— Cada vez mais teremos antivirais específicos, com o objetivo principal de focar em algumas partes do ciclo de vida do coronavírus, em proteínas do vírus que sofrem menos mutações. Então, podemos esperar que, com o passar do tempo, cada vez mais teremos novos medicamentos no combate direto à infecção.
Os piores dias
Nessa perspectiva, segundo o infectologista, as vacinas e medicamentos criados - ou que estão em desenvolvimento - serão os responsáveis por evitar picos de óbitos e casos de covid-19 contabilizados nos últimos anos no Brasil.
O dia 3 de fevereiro de 2022 foi, por exemplo, a atualização diária com mais casos positivos da doença no país: 298.408. Esse foi o mês, inclusive, com o recorde de contaminações no país devido à circulação da variante Ômicron, com 329.621 casos. Já 8 de abril de 2021 é o dia com mais mortes diárias por covid-19 nos registros oficiais brasileiros, 4.249, durante a prevalência da variante Gamma. Aquele ano é o que concentra mais mortes na pandemia, conforme o infográfico abaixo:
— Uma onda terminava já com a expectativa da chegada da próxima, em virtude de já estar surgindo uma nova variante. Estava terminando a Delta, mas já tinha surgido a Ômicron, depois da Ômicron, vieram as subvariantes (da Ômicron). Não temos isso agora. Além de uma grande parte da população estar protegida contra o agravamento da covid-19, não temos uma perspectiva de curto prazo de aparecimento de uma variante que vai gerar uma nova onda — diz Alexandre Zavascki, infectologista e chefe de Serviço da Infectologia do Hospital Moinhos de Vento.
Mais vacinas, menos mortes
Ao analisar a transformação da pandemia ao longo dos anos, é possível verificar o impacto da vacinação na redução de mortes por covid-19. Se 2021, primeiro ano com imunizantes disponíveis, terminou com 424.107 óbitos, em 2022, quando parte da população tinha esquema vacinal completo, foram 74.797, queda de 82% na comparação entre os anos. O número de óbitos em um período com vacina disponível também é menor do que o primeiro ano da pandemia, que teve 194.949 óbitos.
O impacto da vacinação é ainda mais visível se avaliado o número de casos positivos: 2020 teve 7,6 milhões de registros oficiais de covid-19 no Brasil, contra 14,6 milhões em 2021 e 14 milhões em 2022. Em resumo: o ano passado apresentou redução pequena nos casos em comparação a 2021, mas os óbitos caíram de forma considerável (redução de 82%) por conta da imunização.
— A população majoritariamente foi se vacinar, apesar de uma grande desorientação a nível de governo que tivemos no período mais crítico. Acho que esse é o ponto mais importante que contribuiu para a melhora do quadro, mesmo sem uma campanha organizada, com esclarecimentos à população sobre os benefícios e segurança das vacinas, e mesmo com o desincentivo à vacinação.
O que me vem à cabeça é: quantas milhares de pessoas poderiam hoje estar aqui com a gente, com sua vida normal, se não fosse uma decisão política ou um pensamento político-ideológico negacionista em relação à ciência?
ALEXANDRE ZAVASCKI
Infectologista e chefe de Serviço da Infectologia do Hospital Moinhos de Vento
Neste ano, até 3 de março, 5.423 pessoas morreram devido à doença no país: no mesmo período de 2022 foram 31.522, uma queda de 82,79%. Ainda que o cenário esteja estável no número de mortes no momento, Zavascki comenta o fato de que o país se aproxima dos 700 mil óbitos causados por covid-19.
Questionado sobre o que esse número representa, o médico diz lamentar a força de movimentos antivacinas em períodos nos quais o apoio à imunização poderia impedir mortes no país. Como exemplo, cita os primeiros meses de 2021, quando os imunizantes começaram a ser aplicados nos brasileiros:
— Era um momento em que nós já poderíamos ter uma boa parcela da população imunizada ou parcialmente imunizada com vacinas, e nós retardamos isso. Quando você nega o problema, não gera as ações necessárias. Vimos pessoas que se infectaram e morreram, muitas delas jovens, por falta absoluta de orientação. O que me vem à cabeça é: quantas milhares de pessoas poderiam hoje estar aqui com a gente, com sua vida normal, se não fosse uma decisão política ou um pensamento político-ideológico negacionista em relação à ciência?