A incorporação do medicamento onasemnogeno abeparvoveque, no Sistema Único de Saúde (SUS) foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) nesta quarta-feira (7). Conhecido pelo nome comercial de Zolgensma, o tratamento da farmacêutica Novartis é destinado a crianças com atrofia muscular espinhal (AME) do tipo 1 e é conhecido como a medicação mais cara do mundo, custando até R$ 7,2 milhões. Mas há um porém na medida: a recomendação da Comissão Nacional de Incorporação de Novas Tecnologias em Saúde (Conitec) é de que o medicamento deverá ser aplicado somente em crianças de até seis meses de idade que estejam tratando os efeitos da AME sem o emprego de ventilação invasiva por mais de 16 horas diárias.
No Brasil, estima-se a ocorrência de um caso em cada 10 mil nascimentos com AME, segundo estudo publicado na National Library of Medicine. Estudo epidemiológico do Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal (Iname) relata que menos de 8% dos pacientes tipo 1 possuiria até seis meses de idade, o que hoje seriam cerca de 20 pacientes no Brasil. Conforme a diretora-presidente do Iname, Diovana Loriato, pode-se estimar que quase 40% da população de pacientes com AME tipo 1 no Brasil, cerca de 200 pacientes, tenham até 24 meses de idade, ou seja, estariam dentro da faixa etária de bula do medicamento, mas fora das exigências do Sistema Único de Saúde (SUS).
— A realidade ainda não é de um diagnóstico muito precoce. Há muitos bebês com AME tipo 1 que acabam sendo diagnosticados depois dos seis meses de idade. O sentimento que dá é de uma frustração muito grande porque bebês mais distantes dos grandes centros não terão a mesma oportunidade de terem a doença rara diagnosticada em menos tempo. Um paciente que tem a manifestação dos sintomas de tipo 1 com cinco meses de vida, não será diagnosticado antes dos seis meses. Estabelecendo o limite de seis meses de idade, o Ministério da Saúde deixa de fora a grande maioria dos pacientes — justifica Diovana.
Outro dado destacado pelo estudo do Iname é que cerca de 50% dos pacientes com AME tipo 1 acabam sendo diagnosticados depois dos seis meses de idade.
— O critério da ventilação também é um complicador. A fraqueza muscular chega e acomete o bebê de uma forma muita severa. E os mais severos têm uma dependência maior da ventilação. É um pouco cruel. A gente fica feliz (pela medicação ser incluída no SUS), mas não totalmente — explica Diovana.
Para a médica geneticista do Hospital Moinhos de Vento Elizabeth Lemos Silveira Lucas, a decisão de incorporação do fármaco é apropriada, mas os critérios de dispensação do medicamento devem ser revistos.
— Há, também, uma questão ética importante envolvida, que é a dificuldade das crianças que dependem do SUS terem acesso com a mesma velocidade daquelas que não dependem de políticas públicas — acrescenta a médica.
A incorporação do teste de AME no SUS fará parte da quinta fase de implementação do teste do pezinho ampliado no sistema público, e está prevista para daqui a dois anos. No entanto, a Câmara de Deputados vem debatendo a sua antecipação.
A neurologista infantil no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e no Hospital da Criança Conceição e responsável pelo Ambulatório Infantil de Doenças Neuromusculares do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Michele Becker, destaca que a terapia gênica está aprovada no Brasil para tratar pacientes com AME até os dois anos de idade. Michele lembra também que os estudos clínicos que avaliam a eficácia do remédio incluíram somente bebês de até seis meses e este pode ter sido o critério do Ministério da Saúde para definir a idade limite.
— Felizmente, a idade média de diagnóstico dos pacientes com AME Tipo 1 vem baixando. Mas a idade média é quatro meses, uma janela curta até os seis meses — comenta.
Michele esclarece que há outras duas medicações, o nusinersena (Spinraza), aprovado em 2017, e o risdiplam (Evrysdi), aprovado em 2020, já disponíveis para tratamento da AME via SUS. A médica ressalta que os tratamentos disponíveis buscam evitar a progressão dos sintomas e estender a qualidade e expectativa de vida. O grande diferencial é que a terapia gênica é uma dose única. Já o nusinersena exige injeções na lombar a cada quatro meses, e por toda a vida, e o risdiplam, uma dose diária via oral por toda a vida.
Mãe da pequena Bella Vetter Kottwitz, que completou seis meses de idade e teve o diagnóstico de AME Tipo 1, a publicitária Tatiana Vetter, de Novo Hamburgo, no Vale do Sinos, ainda aguarda resposta da União, depois que o desembargador Luiz Fernando Wowk Penteado, do Tribunal Regional Federal da 4ª região, determinou que a menina receba o medicamento Zolgensma. Apesar da decisão favorável, a questão ainda cabe recurso e com isso a decisão passará ao Supremo Tribunal Federal (STF). Tatiana acompanhou o anúncio da chegada do medicamento ao SUS.
— Ficamos muito esperançosos porque é uma grande vitória, embora limitada. A Bella estaria totalmente incluída dentro deste panorama porque ela recém completou seis meses e ela não usa respirador nem para dormir. Dentro do nosso processo jurídico isso diminui a chance de qualquer tipo de argumento (de negação) da União, sendo que o governo entendeu como algo positivo e que deve ser entregue pelo próprio SUS, ainda que possa levar até 180 dias para incluir a oferta no Sistema.
O que é a atrofia muscular espinhal (AME)
- A atrofia muscular espinhal (AME) é uma doença genética e degenerativa com incidência aproximada de um a cada 10 mil nascidos vivos
- A AME leva o organismo a não produzir a proteína SMN, essencial para os neurônios motores
- Os neurônios motores são células que controlam atividades musculares essenciais como andar, falar, engolir e respirar. Ligam a medula espinhal aos músculos do corpo
- Uma pessoa nasce com todos os neurônios motores que terá por toda a vida. Neurônios motores não se regeneram - ou seja, quando morrem, não se desenvolvem novamente
- Os neurônios motores precisam de uma proteína chamada SMN (proteína de sobrevivência do neurônio motor), que é o seu "alimento". Sem quantidade adequada da proteína SMN, os neurônios motores morrem, o que acarreta fraqueza muscular e perda progressiva dos movimentos, até a paralisia
Fonte: Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal (Iname)
Sintomas
- A AME Tipo 1, a mais grave, aparece em cerca de 60% dos casos
- Nos primeiros meses de vida, em média, por volta dos dois até seis meses, vão começar alguns sinais: hipotonia (criança mais molezinha), não firma a cabeça (toda a criança deve adquirir esta capacidade até os quatro meses), movimentam menos as pernas do que os braços, tem uma respiração que movimenta mais o abdômen do que o tórax. O pediatra fica atento também ao tremor na língua do bebê
- Na maioria dos casos, não haverá uma história de AME na família. Geralmente, o pai e a mãe são portadores da mutação, mas não desenvolveram a doença. A taxa de portadores, hoje no mundo, é de 1 a cada 40 pessoas.
Fonte: Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal (Iname)